O tempo não espera por ninguém, nem pelo rei. Por isso, na aldeia da Kananga todos viviam um instante como se fosse o último. Inevitavelmente cada dia morria, a noite chegava e a manhã seguinte era outro mundo. As vésperas são amadas, porque esse é o tempo antes do fim ou da morte. Na véspera, todos estamos vivos.
Os sábios dizem que não devemos desperdiçar o tempo: ntangu nzimbu! Ele é mesmo dinheiro, por isso nos abandona nos momentos de felicidade e torna tudo tão fugaz, mesmo o nsafu maduro, o voo livre do pássaro ou a canção entoada com dolência em memória dos que partiram.
Na Kananga os mais velhos guardavam no relicário da memória um provérbio como se fosse a alma dos Nsoso:
“ku nim’a ntangu ka ntangu ko, ku ntwal’a ntangu ka ntangu ko. A hora vivida já é passado, a que há-de vir não existe.
E este tempo de abundância nos rios, nas lavras e nas florestas? O tempo presente é tão fugaz como o perfume da flor dinsusu-nsusu, quando é tocada pelos viajantes. No momento que é, deixou de ser.
Na aldeia havia um desejo secreto: Que o Sol poisasse nos píncaros da serra para sempre, amarrando o tempo à luz do dia, à flor inebriante, ao fruto suculento, ao malavu embriagador. Mas nunca se cumpriu esse desejo.
E na roda do tempo muitos começaram a partir em demanda do país onde a luz é eterna e à mesa se senta a alegria. Todos partiram até que ficou apenas o mais velho Landu e seu neto Kabangu.
- Avô, que fazemos aqui sozinhos se todos partiram?
- Nunca te esqueças que os viajantes não podem levar as suas casas na bagagem nem deixar a barriga para trás. Eles um dia voltam, porque as ilusões são ainda mais fugazes do que o tempo.
- Não te sentes abandonado e só?
- Enquanto estivermos juntos, somos um clã ou uma pátria. Mas se a ilusão da juventude te fizer partir, então serei um velho tonto, à procura de lenha e água.
Os dias na Kananga passavam sempre iguais. A caça abundava nas armadilhas, o rio tinha cada vez mais peixe, nas lavras havia tanta comida que até as lagartas andavam repletas. Mas a Kabangu faltava a alegria das crianças correndo atrás das borboletas, o olhar prometedor das meninas casadoiras, os tambores rasgando as noites de ritimo e movimento. A aldeia estava tão parada como as montanhas que a circundavam.
- Avô, não queres partir para a terra dos que sabem ler as mensagens dos tambores? Aqui estamos tão sós como a serpente na toca.
- Não, não estamos sós porque o tempo continua a passar à nossa porta e faz crescer os frutos nas lavras. Aceita o que temos com alegria, porque ela não nos deixa envelhecer. E nunca te esqueças que enquanto estivermos assim, somos sempre os primeiros a chegar ao rio. E quem chega primeiro, encontra a água sempre limpa.
Kabangu meditou nas palavras do avô, abanou a cabeça em sinal de reprovação e preparou a sua sacola para partir. Antes de se pôr a caminho disse ao velho:
- oyo kakakubanga ko, yandi kayedi, yandi kalungi! Na verdade, quem nunca se aventura, nunca perde mas também nunca ganha.
O rapaz partiu e ainda hoje Landu passa os dias se arrastando à procura de lenha e água. Primeiro no seu chão, até se arrastar penosamente na derradeira véspera. Agora exilado na Lua e condenado a dar luz ao luar. Olhem bem para o astro da noite e verão Landu com um molho de lenha às costas. Espera que a desilusão lhe devolva o clã. Quer de volta a alegria, para parar de envelhecer e regressar às colinas verdes da Kananga.
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