terça-feira, 22 de março de 2022

A MORTE TAMBÉM MATA A MEMÓRIA DOS VIVOS - Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

As palavras fora de tempo podem causar graves perturbações ao mundo. As notícias em tempo de guerra são armas mais mortíferas do que a morte. Ai de quem as dê. Sei disso porque experimentei e como se sabe, melhor é experimentá-lo que julgá-lo, mas julgue-o quem não pode experimentá-lo. Um dia desembarquei em Bagdade como enviado do maior jornal português. Como me competia, fiz notícias e reportagens.  

Um artista que na época era o único animal invertebrado do mundo que falava (hoje há muitos) dizia-me que estava a mandar informações que mais ninguém dava ou o contrário do que noticiavam as agências noticiosas. Os senhores embaixadores dos países que se preparavam para destruir o Iraque, estavam a protestar muito, vê lá, cortam-nos a publicidade, estás a estragar a tua vida. E eu noticiava. Até que começaram a misturar as minhas peças com as aldrabices da propaganda ou mesmo a atirá-las para o lixo.

O pior estava por vir. Entrevistei o comandante Yasser Arafat na Casa da Palestina, em Bagdade. Mandei a peça para a Redacção com o título Já Soam os Tambores da Guerra. E destaquei uma declaração do líder da OLP que pelos vistos ninguém quis ler: “O Ocidente vai ganhar a guerra mas perde para sempre a paz”.

O animal invertebrado que falava ficou preocupadíssimo. Dizia ele que o secretário-geral da ONU, Perez de Cuellar, chegado de Bagdade, garantia que estava afastada a hipótese de uma guerra no Iraque. E a declaração de Arafat era alarmista. Não é melhor congelar a entrevista? Exigi a publicação. Tudo acabou com a minha saída do jornal. Mandei à merda o patrão, como tanto gosto. Houve mesmo guerra e o Ocidente, desde então, perdeu a paz, ainda que os cidadãos não se tenham apercebido disso. Mas vão perceber.

Ontem faleceu Gastão Cruz, um dos maiores poetas de língua portuguesa dos últimos 100 anos. Está ao nível de Agostinho Neto, Mário António, Ernesto Lara Filho, José Craveirinha ou Alda Lara. Os canais de televisão portugueses estão a facturar feio com a propaganda do ocidente na Ucrânia. A morte de uma voz singular da poesia portuguesa foi dada em rodapé! Tive a sorte de entrevistá-lo no bar do Grande Hotel do Porto. Foi uma tarde muito agradável. A entrevista permitiu-me conhecer um grande intelectual, multifacetado.

Gastão Cruz também foi tradutor e crítico literário. Além de homem do Teatro, sendo um dos fundadores do grupo teatral da Faculdade de Letras de Lisboa. Falámos das causas da decadência dos povos peninsulares e de Antero de Quental, o poeta socialista que depositou seu coração na mão de Deus, na sua mão direita, depois de dar um tiro na cabeça, num largo da cidade de São Miguel, nos Açores. E a poesia, está em decadência? Num tom calmo e seguro, o poeta respondeu: A poesia está para lá do tempo, é sempre nova.

Num dos seus fabulosos poemas, Gastão Cruz diz que “acreditar no tempo/ o erro mais terrível”. Mal ele sabia que a propaganda na Ucrânia havia de lhe dar razão quando escreveu: “a morte mata um pouco a memória dos vivos”. Ofereço-vos esta peça do poeta:

Talvez eu não consiga quanto amo
ou amei teu ser dizer, talvez
como num mar que tu não vês
o meu corpo submerso seja o ramo
final que estendo já não sei a quem

E por fim, este intitulado “A Moeda do Tempo” de um livro com o mesmo nome:

Distraí-me e já tu ali não estavas
vendeste ao tempo a glória do início
e na mão recebeste a moeda fria
com que o tempo pagou a tua entrada.

Mário Machado é um nazi português que foi condenado por racismo e violência sobre cidadãos negros. Pediu ao senhor juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa para ir combater na Ucrânia e este, “por razões humanitárias”, autorizou. Lá está ele com os Bandera, Azov, Donbass e outros grupos nazis combatendo contra os russos! Não, não fui enganado. Acabo de ler o despacho do senhor juiz. 

O grande herói do Ocidente, o comediante Zelinsky, ilegalizou 11 partidos políticos, alguns com deputados eleitos, porque são “pró russos”. Também é verdade. Eu li o despacho do grande herói.

Hoje os canais televisivos portugueses passaram o dia a dar uma notícia que é essencialmente falsa. Os ”russos” destruíram um centro comercial em Kiev. Mais alvos civis bombardeados. Os moradores da zona, inocentemente, fotografaram o que resta do espaço e lá estão, entre os escombros, carros de combate militares. 

Os nazis escondem o material de guerra em espaços civis. Disparam sobre os militares da Federação Russa do alto dos prédios. Dizem aos Media estrangeiros que são civis mas estão a lutar pela Ucrânia de armas na mão. E depois queixam-se. Como diz um amigo do Lobito, “estão a dar muito mimo a esses gajos”. O problema é que milhares de seres humanos estão a sofrer com este jogo macabro de Biden e seus lacaios da União Europeia.

* Jornalista 

Sem comentários:

Mais lidas da semana