sexta-feira, 4 de março de 2022

O GRANDE CEMITÉRIO DO JORNALISMO

Artur Queiroz*, Luanda

Anos e anos de alerta nunca adiantaram nada. Os arautos da voz de Angola clamando no deserto foram mais bem-sucedidos, ainda que ostensivamente ignorados pelos colonialistas. Ninguém me quer ouvir mas eu continuo a clamar ao vento. O Jornalismo é um pilar do regime democrático. Os outros dois são o Poder Judicial e os Partidos Políticos. É o tripé das Liberdades e da Justiça. Se um dos pilares falta, tudo se desmorona.

O Jornalismo no mundo foi sacrificado à sociedade do espectáculo e os jornalistas exercem a profissão na lógica das associações de malfeitores. Quase todos de mão estendida à caridade de poderes ilegítimos. Ou serventes de políticos venais, ainda que legitimados pelo voto popular, angariado à custa de truques baratos, como sondagens, ou doses maciças de populismo. É o que está a dar. 

Daqui resultam abusos de liberdade de imprensa. Os preceitos éticos e deontológicos, que obrigam os jornalistas de todo o mundo, são espezinhados. A mentira, a falsificação e a manipulação substituíram o rigor (a marca distintiva do Jornalismo) e o respeito pela verdade dos factos. Nem Joseph Goebbels , o propagandista do III Reich, se atreveu a ir tão longe. 

A operação militar especial da Federação Russa na Ucrânia já teve uma consequência irreparável: O esmagamento total do Jornalismo e o descrédito dos jornalistas. O tripé da democracia desmoronou-se e duvido que haja vontade e força humana para reerguê-lo. A Ucrânia é o imenso cemitério onde jaz a minha profissão, que sirvo ao longo de 57 anos, num exercício permanente de grande rigor e no mais escrupuloso respeito pelo código ético e deontológico. Mas eu sei que a luta continua e a vitória é certa. Só me falta tempo para ver a vitória final. Outros vão exercer o Jornalismo num clima de responsabilidade e liberdade, recusando a lógica das associações de malfeitores.

Portugal bate todos os recordes das falsificações e manipulações no que diz respeito à operação militar especial da Federação Russa na Ucraniana. Nada de novo. Entre 1977 e 1992 exerci a profissão em vários Media portugueses onde fui repórter e exerci funções de chefia e direcção. Era mesmo Jornalismo e do bom. 

Trabalhei com grandes profissionais como Abel Pereira, Jacinto Baptista, Acácio Barradas (meu chefe de redacção no semanário O Ponto), Bernardino Coelho (angolano), Luís Alberto Ferreira (angolano), Baptista-Bastos, Eduardo Guerra Carneiro, Mário Lindolfo, Manuel António Pina, Frederico Martins Mendes, Sérgio de Andrade e muitos outros. Em 1992, deu-se a expulsão de todos os profissionais dos jornais, rádios e televisões. Ficaram as moças e moços de recados. O que mais me dói é que são miseravelmente pagos. Pobres diabos aos quais colocaram um mealheiro na alma. Os donos metem moedas e eles escrevinham e balbuciam. As e os poucos profissionais que resistem, são raríssimas mas honrosas excepções.

Em Angola o tripé da democracia vai-se aguentando porque os órgãos públicos da comunicação social salvam a honra do convento. Os privados são verdadeiramente covis de quadrilhas formadas por chantagistas e extorsionistas mais ou menos analfabetos, bêbados da valeta e bufos de qualquer serviço secreto que lhes dê umas notitas de dólar ou euro.

O pilar do Poder Judicial, já o disse repetidas vezes, é a mais espantosa realização da Angola Independente. Eu sei como o edifício foi construído a partir do nada. Honremos e respeitemos essas cidadãs e esses cidadãos que servem a Justiça, desde magistradas e magistrados, advogadas e advogados, até funcionárias e funcionários judiciais. As debilidades, os erros, os fracassos, serão seguramente ultrapassados com mais ou menos dificuldades.

O pilar dos partidos políticos é que está em ameaça permanente à conta da UNITA e seus parceiros de esquina. Um partido dirigido por criminosos de guerra, adoradores de Jonas Savimbi, que violou mulheres, enterrou-as vivas, atirou dezenas delas, com crianças, para as fogueiras da Jamba, jamais pode ser alternância e muito menos alternativa democrática. Temos de esperar, pacientemente, que se perfile no horizonte um partido que seja capaz de fazer esse papel, essencial, na democracia representativa.

A UNITA é uma diatribe da democracia, uma seita de fanáticos, um covil de ladrões de diamantes, um sinédrio de assassinos cruéis. Ainda agora Liberty Chiyaka, um dos criminosos de guerra disfarçado de deputado e líder do grupo parlamentar daquele antro de pulhas, apresentou na Assembleia Nacional um voto de protesto para “repudiar e condenar a invasão da República da Ucrânia e as violações aos compromissos internacionais sobre a defesa, promoção da paz e segurança internacional (...) condenar a invasão à República da Ucrânia, estado soberano e independente pelas forças armadas da Federação Russa em violação à integridade territorial, ao direito à autodeterminação e livre escolha de alianças”.

O Liberty nunca se preocupou com a invasão das tropas sul-africanas a Angola. Nunca se manifestou contra as destruições de equipamentos sociais essenciais, unidades económicas vitais, milhares de civis angolanos mortos, milhões de deslocados e refugiados. Uma tragédia humanitária, um genocídio. Os agressores e invasores pertenciam a um país que adoptou o racismo como política de Estado. Um regime que impunha à maioria negra da África do Sul. 

A seita de fanáticos da UNITA era uma unidade especial dos agressores e disparou contra o Povo Angolano. Pôs bombas em lugares públicos como no aeroporto de Luanda. Queimou o comboio do Zenza, matando centenas de passageiros e ferindo gravemente muitos outros. Destruiu portos, aeroportos, barragens, sistemas de produção de água e luz, ao serviço dos racistas da África do Sul. Esse canalha, desonrando os votantes que o elegeram, vem agora condenar o que antes apoiou e de armas na mão. O banditismo político no seu pior.

Da Assembleia Nacional veio uma boa notícia. Foi aprovada uma resolução condenando o Parlamento Europeu por ter interferido assuntos internos de Angola. A resolução refere que os parlamentares europeus cometeram “um acto unilateral, destituído de qualquer legitimidade para com o Estado Angolano e em particular com a Assembleia Nacional, legítima representante e defensora de todos os angolanos". A resolução foi aprovada mas com 27 votos contra. Da UNITA, é claro! Sempre ao lado dos nazis, sejam sul-africanos ou ucranianos.

*Jornalista

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