Manuel Gouveia* | opinião
Este não é um artigo sobre a situação na Ucrânia, nem sobre as sanções da UE à Rússia. É um artigo sobre algo que foi dito na apresentação dessas sanções, e que tem uma importância que as transcende, e que ajuda a perceber o mundo em que vivemos.
Na Conferência de Imprensa onde apresentou as «Sanções em cinco frentes», a Presidente da CE, Ursula Von der Leyen, afirmou que as sanções abrangeriam igualmente «a elite russa, restringindo os depósitos para que não possam continuar a esconder o seu dinheiro em portos seguros na Europa».
Esta frase significa desde logo que a UE sabe que as elites russas roubavam o povo russo e que escondem o produto desse roubo nos países ocidentais. Sabe e era cúmplice desse processo, pois se agora o proíbe é porque sempre o pode proibir, mas nunca tal lhe interessou. Esta ideia deve ser complementada com uma recordação: a de que a (re)instalação dessas elites no poder foi algo pelo qual «o ocidente» lutou durante dezenas de anos.
Mas a declaração significa mais. Significa que as elites de outros países podem continuar a esconder na UE o dinheiro que roubam aos seus povos. Esta continuará a ser um «porto seguro» para esse dinheiro roubado, escondendo-o dos respectivos povos, e caso esses povos decidam libertar-se dessas elites, a UE impedirá esses povos de recuperar o dinheiro que lhes foi roubado guardando-o para os seus ilegítimos donos, as tais elites.
E o único «mas», a única condição que essas elites têm que cumprir, é não desobedecer ao «Ocidente». É submeterem-se à sua vontade imperial. Se o fizerem podem encher estádios de futebol ou sedes de sindicatos com opositores e matá-los, que o seu dinheiro continuará «em porto seguro». Se o fizerem, podem bombardear o Iémen, decapitar opositores, manter as mulheres numa escravidão feudal, que o seu dinheiro continuará «em porto seguro». Se o fizerem, podem ocupar um país vizinho e obrigar o seu povo a 50 anos de exílio no deserto e ter as cadeias cheias de presos políticos, que o seu dinheiro continuará «em porto seguro».
Se não obedecerem, então «o Ocidente» roubar-lhes-á o dinheiro que eles roubaram aos povos, e como «ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão» continuará a ostentar aquela máscara de superioridade moral que esconde a mais nauseabunda hipocrisia e uma postura puramente colonialista.
Uma última reflexão. Para nos libertarmos de todas as visões coloniais. É que «as elites» da UE também vivem de roubar os povos (da UE e do resto do mundo), também aqui legalizam o muito que roubam. Por isso acham normal serem «o porto seguro» para guardar o dinheiro roubado em todo o mundo, e cobrar o dízimo por esse serviço.
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