segunda-feira, 4 de abril de 2022

A relação da NATO com organizações fascistas, para além da Ucrânia

Angeles Maestro*

A aliança entre os EUA, a UE, a NATO com grupos nazis não começa na Ucrânia. Vem de longe, e iniciou-se ainda decorria a 2ª Guerra Mundial. Logo então as potências ocidentais iniciaram a recuperação possível de todas as organizações fascistas. A criação da NATO gerou o necessário sistema de coordenação entre essa rede criminosa de organizações, governos e serviços secretos de numerosos países. Os fascistas e neo-nazis que são hoje aliados privilegiados dos EUA-UE-NATO na Ucrânia (e os heróis dos media ao seu serviço) inserem-se directamente nessa linhagem.

É possível que muitas pessoas, que se atrevem a procurar o que vai para além do que a propaganda oficial repete, tenham ficado espantadas e indignadas ao constatar a colaboração directa da UE e dos EUA com o golpe fascista na Ucrânia em 2014, que envolveu a inclusão das milícias nazis no exército e na polícia, e que iniciou os massacres quotidianos no Donbass que mataram 14.000 pessoas, segundo dados oficiais.

Tal como aconteceu com a pandemia de Covid, construir uma história – exactamente a mesma na maioria dos países - e repeti-la incansavelmente por todos os meios de comunicação, alinhando-a oportunamente com a censura de posições discordantes e com a repressão - é fundamental para não despertar o povo, que poderia fartar-se ​​de pagar com as suas condições de vida as consequências das suas aventuras militares e, sobretudo, de serem “carne para canhão”.

No caso da Ucrânia, revelar que os aliados das “potências democráticas” exibem cruzes suásticas junto à bandeira da NATO, que empreendem a limpeza étnica da população de cultura russa, cigana, judaica ou de raça “não ucraniana”, que usam reiteradamente a população como escudo e que exibem nas ruas os que resistem, seminus, com uma bola na boca, envoltos em plástico e amarrados a sinais de trânsito, desfaria em pedaços a propaganda oficial. Entraria em colapso o discurso prenhe de mentiras e meias verdades destinado a justificar a política imperialista da NATO e de uma UE inteiramente submetida aos EUA, mesmo que à custa dos seus próprios interesses.

Não veria a opinião pública de forma diferente a situação na Ucrânia se fosse dito que aqueles que estão a receber armas, treino e apoio militar directo no terreno - por exemplo, de um destacamento da BRIPAC espanhola - são os herdeiros directos daqueles que colaboraram com Hitler no gigantesco massacre realizado na própria Ucrânia, na Bielorrússia e na Rússia, que custou à URSS 27 milhões de mortos (na maioria civis)? E se ainda por cima se soubesse que existe uma Ucrânia antifascista que resiste com armas - que os seus parentes que vieram à Espanha lutar contra o fascismo nas Brigadas Internacionais ainda recordam - e que milhares de refugiados que fogem do fascismo armado e treinado pela NATO se refugiam na Bielorrússia e na Rússia?

E, finalmente, não mudaria a percepção das pessoas, não apenas sobre a situação na Ucrânia mas também sobre a natureza dos governos e da grande maioria das forças políticas na UE, se soubessem que não se trata apenas dos nazis ucranianos, mas que os governos da UE, dos EUA e da NATO colaboram desde imediatamente após a Segunda Guerra Mundial com os grupos nazis que perpetraram os ataques terroristas mais sangrentos na Europa?

Os exércitos secretos da NATO

Em 2005, Daniele Ganser, historiador suíço, especialista em relações internacionais e professor da Universidade de Basileia, publicou um livro com o mesmo título, fruto de um extenso trabalho de investigação sobre as relações entre a NATO, as redes de organizações fascistas e o serviços secretos de grande número de países - muitos deles europeus - com o conhecimento e colaboração dos seus governos. O resultado foi uma enorme lista de ataques terroristas destinados a desestabilizar governos e, em geral, à “luta contra o comunismo”.

O elemento que desencadeou a sua investigação foi a confirmação feita em 1990 por Giulio Andreotti, primeiro-ministro da Itália, perante uma Comissão de Investigação do Parlamento italiano, da existência da Rede Gladio. Nela, os serviços secretos italianos actuavam sob as ordens da NATO. Assinalou além disso que a Rede continuava activa e que redes semelhantes existiam em muitos outros países.

No seu relatório, Andreotti confirmou que a Rede Gladio possuía uma grande quantidade de armamento, fornecido pela CIA, que estava escondido em 139 lugares, localizados em florestas, campos, igrejas e cemitérios, e que incluía: “armas portáteis, munições, explosivos , granadas de mão, facas, punhais, morteiros de 60 milímetros, canhões sem recuo calibre .57, espingardas com mira telescópica, transmissores de rádio, binóculos e vários outros tipos de equipamento”.

Estas armas foram utilizadas em ataques que eram sistematicamente atribuídos às Brigadas Vermelhas e que deram origem a inúmeras prisões e medidas repressivas entre as organizações operárias.

Os terríveis atentados na Piazza Fontana em Milão, da estação de Bolonha, na Piazza de la Loggia em Brescia e vários outros, que causaram a morte de 491 pessoas e feriram e mutilaram outras 1.891, juntamente com os assassínios de juízes e jornalistas que procuraram investigá-los, mostraram a autoria da organização fascista Ordine Nuovo, em estreita colaboração com a NATO, a CIA e os serviços secretos italianos, com a conivência dos governos de turno.
No quadro de grandes mobilizações operárias e populares contra a Guerra do Vietname, o objectivo dos ataques era, nas palavras de um terrorista arrependido, “pressionar o governo italiano a declarar o Estado de Emergência e promover um regime autoritário em Itália.”

Ferdinando Imposimato, presidente honorário do Supremo Tribunal de Cassação, análogo ao Supremo Tribunal, resume os resultados das investigações por ele realizadas, nas quais estabelece o papel da NATO, da Ordine Nuovo e dos serviços secretos militares nos massacres que ensanguentaram a Itália. Transcrevo as suas palavras, que podem ser consultadas aqui: “No decurso das investigações que realizei sobre as tragédias que assolaram a Itália, desde os atentados na Piazza Fontana, ao comboio Italicus Express que liga Roma a Munique, da Praça Loggia em Brescia, à tragédia de Bolonha, e no decurso de cujas investigações foram assassinados os meus colegas Giovannni Falcone, Paolo Borsellino e outros, ficou confirmado que o explosivo utilizado veio das Bases da NATO. ( …) Escrevi tudo isso num livro e ninguém o desmentiu. Nessas bases, “terroristas negros” reuniam-se com representantes da NATO, mafiosos, políticos italianos e maçons na véspera dos atentados. Tudo isso foi confirmado por testemunhas directas e ocorreu ininterruptamente (…) O problema é que o silêncio da imprensa impede a opinião pública de conhecer esta tremenda verdade: é a Operação Gladio quem ameaça a paz e a segurança e quem ameaça desencadear uma grande guerra”.

A lista de ações dos chamados stay-behind, fórmula utilizada para estabelecer a já mencionada colaboração entre a NATO, os serviços secretos e as organizações fascistas locais para a realização de acções terroristas, em muitos casos consumadas, com o objectivo geral da luta contra o comunismo e a desestabilização de governos, é longa: França, Áustria, Suécia, Alemanha, Noruega, Turquia, Argélia, Itália, Portugal, Grécia, Moçambique, Dinamarca, Espanha (massacre dos advogados dedicados ao direito do trabalho de Atocha), Holanda, Bélgica, Suíça.

Daniele Genser destaca que a primeira intervenção num massacre popular ocorreu na Grécia durante a Segunda Guerra Mundial. A resistência antifascista grega foi, tal como em França e em Itália – destaca Daniele Ganser – impulsionada pelos comunistas. Depois de ter derrotado definitivamente as tropas fascistas foi em 1944 convocada uma grande manifestação pacífica, prelúdio de uma greve geral, em apoio ao poder popular vitorioso. As forças armadas britânicas, juntamente com a polícia e os direitistas massacraram a manifestação com dezenas de mortos e feridos. Depois dela, Churchill impôs a monarquia da família da rainha Sofia, que foi definitivamente expulsa da Grécia após o referendo popular de 1974.

A NATO, organização terrorista

Estas linhas servem para documentar a colaboração da NATO com as organizações fascistas e com os serviços secretos das potências “democráticas” para impedir, precisamente, que as organizações que representam legitimamente a soberania popular possam aceder ao poder. A dominação do capital e do imperialismo é o seu objectivo e para o conseguir usam qualquer aliança que sirva os seus interesses.

O fascismo não é mais do que a forma concreta que o capital utiliza para subjugar os povos. Como se dizia no filme Novecento, “os fascistas não são como os cogumelos, que nascem assim numa noite, não. Foram os patrões quem plantou os fascistas”.

Efectivamente, o imperialismo é o terrorismo. Só quem não tenha memória pode ignorar que após a queda da URSS se multiplicaram as guerras de destruição perpetradas directamente pela NATO ou pelos seus países membros camuflados no que chamam “coligação internacional”, deixando atrás de si milhões de mortos, países destruídos e múltiplas organizações terroristas que agem sob as suas ordens e a quem financiam, armam e treinam. A lista de horrores é longa: Iraque (1991), Iugoslávia (1991 - 2001), Afeganistão (2001), Iraque (2003), Líbia (2011), Síria (2011), Iémen (2014). Governos de países com uma trajectória criminosa, como Colômbia e Israel, que não cessou de massacrar o povo palestiniano desde 1948, actuam como membros de facto da NATO.

A isso há que acrescentar a participação directa ou encoberta dos EUA e das potências europeias numa infinidade de golpes, instigação de guerras civis, desestabilização de países, sanções e bloqueios que causaram a morte de milhões de pessoas, a fome e a doença na América Latina, África e Médio Oriente.

Nesta história criminosa de massacres devemos destacar a destruição perpetrada pela NATO, sendo seu secretário-geral o dirigente do PSOE, Javier Solana, da República Federativa da Jugoslávia. A participação directa da UE, em aliança com os EUA de Bill Clinton, e com a NATO, contou com a participação no terreno dos fascistas da Croácia, os Ustachis, aliados de Hitler e apoiados pelos serviços secretos da RFA desde 1979 . Da mesma forma, a tríplice aliança ocidental apoiou-se numa organização criminosa, o Exército de Libertação do Kosovo (KLA) ligado a todas as redes de tráfico de heroína do Afeganistão e da Turquia, para instalar a maior base militar dos EUA no mundo, Camp Bondsteel, sob o comando da KFOR, ou seja, da NATO.

Finalmente, após o infame anúncio do Governo do PSOE - Unidas Podemos de reconhecer a soberania de Marrocos sobre o Sahara, foi noticiada a realização de prospeções petrolíferas em águas saharauis e das Canárias por empresas israelitas e do reino Alahuita. Imediatamente depois realizava-se uma “histórica” reunião de Israel, EUA, Egipto, Marrocos, Emirados Árabes Unidos e Bahrein (país que acolhe a Quinta Frota dos EUA), precisamente no kibutz onde viveu Ben Gurion, o primeiro-ministro sionista que perpetrou os mais terríveis massacres contra o povo palestiniano. Nesta reunião, a primeira que alia Estados Árabes com Israel e os EUA, decidiu-se criar uma aliança militar, uma mini-NATO – segundo as suas palavras - para enfrentar o Eixo da Resistência que, com princípios anti-imperialistas e anti-sionistas, agrupa a resistência palestiniana, Hezbollah e outras organizações marxistas e nacionalistas libanesas, Iémen, Síria e Irão.

Anti-imperialismo e anti-fascismo

A história da NATO e a sua aliança - uma vez mais - com as mais brutais organizações fascistas da Ucrânia mostra-nos o caminho. Quando um governo “progressista”, membro da NATO após violar todas e cada uma das condições do Referendo de 1986, é o seu primeiro campeão e vende uma propaganda da guerra que, além do mais, está a afectar directamente as condições de vida da classe operária e das classes populares não há outra resposta senão ligar a luta antifascista e a luta anti-imperialista.

O apoio militar da UE, dos EUA e da NATO às organizações nazis que estão a massacrar a Ucrânia antifascista, às mesmas que colaboraram decisivamente com o fascismo alemão assassinando milhões de pessoas e que hoje praticam os mesmos métodos criminosos contra a população civil ucraniana, deve ser confrontado pelas organizações antifascistas e, em geral, pelo movimento operário.

É indispensável desmontar o discurso oficial de que as legítimas mobilizações contra as gravíssimas repercussões da sua opção belicista sobre as camadas populares, tal como as sanções contra a Rússia, são produto da extrema-direita. São os governos da UE, incluindo o nosso, os responsáveis ​​pelo sofrimento do povo e quem favorece objectivamente o crescimento das posições fascistas. São eles, a NATO, a UE e os EUA quem está a armar e a organizar os nazis ucranianos contra a Ucrânia antifascista.

É hora de nos apropriarmos da nossa história, da luta geral internacionalista e antifascista, que tantas raízes tem na nossa luta operária e popular, para a resgatar daqueles que nos enganam e a usurpam para a entregar, precisamente, aos inimigos de qualquer projecto de emancipação.

Hoje, tal como outras vezes fizeram gerações anteriores na nossa história, é necessário vincular a luta operária e popular em defesa de suas condições de vida com a luta anti-imperialista e contra aqueles que se apoiam em organizações fascistas para levar a cabo os seus planos de dominação. Hoje, mais do que nunca, o lema é: Socialismo ou barbárie.

Publicado em O Diário.info

Abril de 2022

Fonte: https://www.lahaine.org/est_espanol.php/la-relacion-de-la-otan

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