quinta-feira, 9 de junho de 2022

GOLPISTAS ROMANCISTAS E RAINHAS PLATINADAS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Os golpes de estado são como o xis, têm muitas formas e feitios. Quanto a linguagens, nem se fala. O meu amigo Dudu cantava um tema que comparava o xis ao imperialismo, sempre muito disfarçado, muito dissimulado, Umas vezes era xê, outras vezes era zê e também xi. Os golpes de estado podem ser à bruta e armados. Ou terem a forma palaciana, aparentemente inocente mas sempre tenebrosa. 

Adalberto da Costa Júnior acaba de anunciar um golpe de estado palaciano. O seu mentor, Abílio Camalata Numa, mais bruto, mais primário mas menos aldrabão, diz que se as eleições derem para o torto, vai mesmo a ferro e fogo. Cuidado com os criminosos de guerra da UNITA. Como foram amnistiados, estão convencido0s de que a amnistia é uma espécie de licença para continuarem a cometer crimes até ao último suspiro. Estão enganados. Se continuarem na senda criminosa, vão perceber que a água não corre duas vezes debaixo da mesma ponte, mesmo daquelas que eles partiram, de norte a sul do país e que o Povo Angolano teve de pagar, enquanto os destruidores roubavam os diamantes de sangue.

Adalberto da Costa Júnior diz que em Angola há muito por fazer. É verdade. Mas tudo o que ainda não foi deve-se à UNITA. Se os sicários do Galo Negro não tivessem ajudado os racistas sul-africanos a partir Angola de Norte a Sul, se não tivessem disparado contra o Povo Angolano ao lado dos racistas de Pretória, se não tivessem andado anos a lutar contra a soberania nacional, pondo em causa a integridade territorial, hoje Angola era o paraíso. Estava tudo feito, a felicidade corria livre como a correnteza dos nossos rios, a abundância era uma marca do nosso quotidiano. Todos tinham saúde e educação de qualidade, habitação digna e trabalho com direitos e salários justos.

O chefe do Galo Negro avisa que se ganhar as eleições “vai reformar o país de uma ponta à outra, a começar pelas instituições do Estado”. Cuidado! Isto é um pronunciamento de golpe palaciano. As “reformas” da UNITA, normalmente acabam nos cemitérios ou em valas comuns. O aviso foi feito. Mas Adalberto da Costa Júnior está tão confiante no triunfo da golpada que disse isto:

"É parte da nossa proposta eleitoral, é um compromisso que nós temos reafirmado, se queremos uma Angola genuinamente desenvolvida, é incontornável que se faça a reforma do Estado, a revisão da Constituição, que haja uma diminuição dos poderes do Presidente da República e a retomada imediata da eleição direta do Presidente”. Um pormenor. Quem redige etas coisas está em Portugal, porque escreve segundo o acordo ortográfico que os angolanos não subscrevem. Reparem na expressão “eleição direta”. Nós escrevemos directa.  A nossa Língua Portuguesa ainda respeita o étimo latino, porque ela nasce do Latim. É uma língua novilatina. Adiante.

Tradução da declaração do engenheiro à civil: Estas palavras querem dizer pura e simplesmente golpe de estado. A Constituição da República não pode ser revista como quem faz uma lista de compras no supermercado. Tem limites. E o regime político está nesses limites. Alterar a forma de eleição do Presidente da República é mudar o regime. Nas eleições não vamos votar para mudar o regime político ou rasgar a Constituição da República. Vamos eleger deputados e o cabeça de lista do partido mais votado é eleito Presidente da República. O nosso regime é este. A Nossa Constituição da República é esta. Ninguém tem votos para violar a Constituição e mudar o regime.

Quem se servir dos votos para alterar o regime político e rasgar a Constituição está a dar um golpe palaciano. Adalberto disse claramente que dá o golpe. Querem maior boicote às eleições do que este? Querem maior subversão da ordem constitucional do que esta? Querem ataque mais demolidor ao regime político do que este? Impossível. A UNITA e seus aliados querem transfrormar eleições gerais num referendo ao serviço de um golpe palaciano.

Querem mais golpismo? O cabeça de lista da UNITA (pelo menos presume-se) anunciou que “o partido concorre em conjunto com o Bloco Democrático, o Abel Chivukuvuku e representantes da  sociedade civil, unidos numa só plataforma, a Frente Patriótica Unida. Mas vai às eleições com o seu nome e os seus símbolos”. Mais um golpe palaciano. Um embuste. Um ataque violento ao regime democrático e às regras eleitorais.

O golpe palaciano abrange também a Justiça. Adalberto da Costa Júnior anunciou que vai criar um Tribunal Eleitoral, “independente do poder Executivo porque o Tribunal Constitucional, está hoje também afetado no seu funcionamento”. O português que escreveu isto não sabe que no nosso português se escreve “afectado”. Mas o que conta é a golpada. E o insulto soez às instituições da Justiça. O golpe palaciano da UNITA não deixa pedra sobre pedra.

E se a UNITA perder as eleições? Claro que o golpe palaciano é impossível. Mas aí entra em campo Abílio Camalata Numa que já revelou o programa golpista do Galo Negro. Depois de recusar tudo, desde o Acordo de Alvor, a Proclamação da Independência Nacional e a eleição do Presidente João Lourenço em 2017, o golpista bruto escreve isto:

 “Vai marcar a luta política em Angola nos próximos 3 a 4 meses, uma luta política que vai sair da Assembleia Nacional, do Tribunal Constitucional e da CNE para as ruas por se terem esgotado a conciliação das diferenças entre o governo que viola o Artigo 4º (Exercício do poder político) e os partidos políticos que, em nome do soberano, defendem o Artigo 3º (Soberania) todos da Constituição da República de Angola para anular o golpe constitucional articulado pelo Sr. Presidente da República de Angola para as eleições gerais de 2022”.

Portanto, já não se trata de um golpe palaciano. É mesmo nas ruas, com armas, à maneira do 27 de Maio de 1977. Ou de 1992, nas ruas de Luanda, após a proclamação dos resultados eleitorais. O problema é que as heroínas e os heróis que enfrentaram e derrotaram os golpistas naquele tempo, hoje estão velhos e a cair da tripeça ou já morreram. Há força humana para enfrentar os golpistas comandados por Abílio Camalata Numa e seus parceiros da Jamba?

O golpista Abílio Camalata Numa anunciou desde já que para o seu golpe vai convoar “a solidariedade internacional dos povos amantes da liberdade, apelar aos povos dos Estados da União Europeia, aos povos dos Estados Unidos da América e ao Vaticano para conciliar os angolanos para que os processos democráticos e as eleições em Agosto de 2022 se realizem de acordo com o sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto conforme a constituição e a lei.” É à maneira da Ucrânia. A partir de agora todas e todos sabem o que vem aí. As angolanas e os angolanos, nas próximas eleições vão ter de decidir se querem as fogueiras da Jamba e os restos do regime racista de Pretória ou a democracia. 

Cada qual assuma as suas responsabilidades. Primeiro diziam que o MPLA não queria eleições. Depois anunciaram uma esquina chamada Frente Patriótica, que não legalizaram. Mais tarde puseram a circular que iam fazer um túnel entre o novo edifício da Comissão Nacional Eleitoral e o Palácio da Cidade Alta. Quando a obra ficou concluída foram chamados a mostrar o  túnel. Fugiram envergonhados. Agora foi marcada a data das eleições e eles anunciam um golpe palaciano. Se falhar, é mesmo armado, nas ruas. 

E por aqui me fico. Hoje à tarde quis ir ver os cavalos com a rainha platinada mas ela telefonou-me e disse que sentia um certo desconforto, é uma forma elegante de me dizer que está pior da perna, sem me preocupar muito. Mas logo à noite não contem comigo. Vou à Praça de Trafalgar ver o espectáculo de 1500 artistas em honra da rainha platinada. 

Em boa verdade, vou participar. Um dos números é o Agualusa escrevendo ao vivo, o seu novo romance. Ele redige, perante todos, o texto seguinte: “Gosto muito da rainha platinada”. Eu tenho de ficar por trás dele. Quando desenhar uma letra abaixo da linha, leva logo um cascudo. E só não lhe tocam umas reguadas porque temos de ter paciência com os diminuídos mentais, por muito atrevidos que sejam.

Este momento cultural de grande impacto mediático vai ser filmado pela porcina Margarida Cardoso. Dá uma fossa de longa-metragem para concorremos ao festival de Cannes, onde o Zelensky faz o discurso de abertura, ceguinho dos dois olhos, sem uma perna, um braço e a dentadura. Todo feito num oito, graças à sua vitória sobre a Federação Russa.

Adeus. O meu jacto privado está à espera e não quero chegar atrasado ao jubileu da rainha de copos. Desejem-me boa viagem e boa sorte com o romance do Agualusa que se chama O Apaixonado da Rainha Platinada e seu Professor Chanfrado. Um texto muito difícil. Já imaginaram o que é escrever “eu gosto muito da rainha platinada”? Nem o Roland Barthes é capaz de decifrar tais conteúdos. Só mesmo a mim podia tocar tão espinhosa missão. Sou mesmo vítima do imperialismo.

*Jornalista

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