sábado, 9 de julho de 2022

Angola | KAPUTO SABIAS QUE… -- Artur Queiroz


Artur Queiroz*, Luanda

Sabias que José Eduardo, Zédu para o Povo Angolano, foi eleito pelos seus colegas do sexto ano do Liceu Salvador Correia, chefe de turma? Sabes quantos negros estudavam nessa altura nas escolas médias angolanas? Nem eu. Mas sei quantos aluno existiam nesse nível de ensino em toda a Angola, quando o futuro Presidente José Eduardo dos Santos se matriculou: 40.920 alunos. Ensino Superior não existia. Devias ter vergonha, Kaputo. 

Sabias que o jovem José Eduardo, quando se matriculou no Liceu Salvador Correia, vivia numa colónia cuja rede viária asfaltada tinha 80 quilómetros? Uma estrada entre Benguela e Lobito, outra entre Luanda e Catete. Devias pedir desculpa aos angolanos até ao fim dos teus dias, Kaputo. Porque na imensa Angola, 14 vezes maior que Portugal, só existiam 20 mil quilómetros de vias, em terra batida, e 35 mil quilómetros de picadas. Só tu, que vivias entre nós mas tinhas o poder nas mãos, podias aceitar isto. 

Como aceitaste, Kaputo, ser servo da gleba e consentiste o direito de pernada dos suseranos. Violavam as tuas mães, irmãs e esposas na tua frente. E tu bendizias o pedaço de miséria que te cabia. Aceitaste, rezando fervorosamente, ser carne para a fogueira da Inquisição. Escravo das caravelas. Viveste, feliz, sob a pata dos ingleses. Nunca mais conseguiste viver na vertical. Aceitaste, cantando e rindo, o ditador Salazar quase meio século. E quando Otelo te libertou, não descansaste enquanto não o meteste na cadeia. Os comunistas libertaram-te e tu odeias os libertadores. Como odeias José Eduardo dos Santos porque te libertou do império colonial.

Kaputo, sabes quantos automóveis existiam em Angola quando José Eduardo, o nosso Zédu, se matriculou no Liceu Salvador Correia? Ligeiros, 9.472. Pesados (de trabalho…) 4.947. Motociclos, 2.532. Tu viveste com isto sem um grito de revolta. Domesticado, enroscado aos pés dos donos, atento, venerando e obrigado. Pobre de ti, Kaputo!

Sabias, Kaputo, que a colónia de Angola, quando José Eduardo dos Santos se matriculou no Liceu Salvador Correria, tinha apenas estruturas de saúde em Luanda, Congo (hoje é território das províncias do Uíje, Zaire e Cabinda) Malanje, Bié, Benguela e Huíla? Nota bem, Kaputo, Angola tinha apenas 85 delegados de saúde! Vou dizer-te, Kaputo, qual era o quadro de médicos e enfermeiros no Congo Português porque eu estava lá.

Toma nota: Um chefe dos serviços sanitários (médico), no Uíje, um enfermeiro e três auxiliares de enfermagem. No Songo existia um enfermeiro e três auxiliares. No Bembe, um enfermeiro e três auxiliares. No Lucunga, um enfermeiro e um auxiliar. Em São Salvador do Congo (Mbanza Congo), um enfermeiro e três auxiliares. Em Santo António do Zaire (Soyo), um enfermeiro e um auxiliar. Em Cabinda, um médico, um enfermeiro e três auxiliares. Kaputo, se tivesses dimensão humana, condenavas o colonialismo para todo o sempre! Choravas ao nosso lado a morte do Presidente José Eduardo dos Santos.

Sabias, Kaputo, que José Eduardo dos Santos foi um desportista de eleição? O seu clube do coração era o “Luanda”, filial do F. C. Porto. Um dragão flamejante. Se Maradona o visse jogar, ficava cheio de inveja. Se Messi o visse fintar, pedia-lhe um autógrafo. Se Ronaldo visse a sua capacidade atlética, passava mais horas no ginásio. 

José Eduardo era um grande futebolista, um grande portista, o melhor jogador da selecção do Liceu Salvador Correia. Faço-te uma concessão, Kaputo, o Justino Fernandes também era craque. Mas tu nunca tiveste olhos para os nossos craques. Só o Eusébio conseguiu meter-se pelos teus olhos dentro e de menino da Mafalala, chegou a rei. Viva o rei Eusébio! 

Sabias, Kaputo, que José Eduardo dos Santos, em 1961, era um dos melhores alunos do Liceu Salvador Correia? E já trabalhava! Conseguiu emprego no laboratório e na farmácia do Hospital Maria Pia e estava a aprender análises clínicas e a manipular medicamentos! Em Novembro de 1961 protagonizou uma fuga de jovens estudantes negros, para o Congo Kinshasa. Juntou-se à luta armada da libertação nacional Ele também te libertou do fascismo, Kaputo! Tu não mereces, mas não tiveste outro remédio que não fosse aceitar a liberdade porque o MPLA, o PAIGC, a FRELIMO e o Movimento dos Capitães (MFA) te libertaram. 

Sabias, Kaputo, que José Eduardo dos Santos foi o primeiro angolano a usar da palavra na Assembleia Geral da ONU? Sabias que ele, ao lado de Kurt Waldheim, ajudou a içar a Bandeira Nacional de Angola na sede da ONU? Não sabias. Os treus donos não te deixam ver, ouvir, falar. És um macaco amestrado. Ainda não percebeste o que Antero de Quental descobriu há mais de 100 anos: os povos peninsulares estão mergulhados na mais triste decadência. Kaputo, és um triste! Nem aprendeste connosco a rir dos ocupantes, dos capatazes, dos soldados armados que nos matavam por dá cá aquela palha. Metes pena, Kaputo!

Sabias, Kaputo, que José Eduardo dos Santos, foi nomeado por Agostinho Neto Presidente da República Popular de Angola, interinamente, quando partiu para Moscovo onde foi procurar alívio para a doença? Foi ele que anunciou ao Povo Angolano e ao Mundo, a sua morte. Tu não sabes, Kaputo, mas aquele homem tinha apenas 37 anos! E quando tomou posse, o seu primeiro despacho oficial foi abolir a pena de morte em Angola.

Sabias Kaputo, que o Presidente José Eduardo fez tudo para unir os angolanos de todas as etnias, de todos os credos, de todas as opções ideológicas? Ao mesmo tempo tu, Kaputo, conspiravas contra a República Popular de Angola. Apoiavas tudo quanto era agressor do Povo Angolano. Tu, Kaputo, não mereceste viver connosco nem um segundo dos séculos durante os quais nos impuseste a tua presença. Nem uma fracção de segundo. Tu não prestas, Kaputo. 

Porque mesmo depois do Acordo de Bicesse até o teu presidente recebeu o Savimbi no Palácio de Belém. Tu vivias para tramar Angola e os Angolanos. Tu, Kaputo, trajaste luto quando José Eduardo dos Santos e seus companheiros de armas derrotaram o regime de apartheid da África do Sul. Ficaste órfão duplamente, Kaputo. Primeiro do fascismo. Depois dos nazis de Pretória. És um triste, Kaputo. 

Sabias que os angolanos estão a chorar pelo Presidente José Eduardo dos Santos, Kaputo? Como choraram por Agostinho Neto. Sabes porquê? Foram eles que fizeram de ti um rato insignificante, desdentado, fedorento, imprestável. Como diria Almada Negreiros, pum, pum, pum! Morra o Kaputo, morra!

*Jornalista

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