Artur Queiroz*, Luanda
A Constituição da República em vigor desde 2010, consagra o regime presidencialista e pôs fim ao período de transição, iniciado com o Acordo de Bicesse. Os críticos da Lei Fundamental dizem que o Presidente da República tem demasiados poderes e isso é mau para a democracia. Eu prefiro destacar a aposta do Legislador na estabilidade política.
Entre 1975 e 1991, os presidentes tinham o poder todo mas como não existia estabilidade política, só tinham o poder de dirigir a luta contra os invasores estrangeiros. Tudo o resto era letra morta. Entre 1991 e 2010 o Presidente José Eduardo partilhava o poder com o Governo e Assembleia Nacional. Mas de nada lhe serviu esse poder, porque foi preciso enfrentar a rebelião armada de Jonas Savimbi e da UNITA. Um caso de polícia que exigiu a participação total das Forças Armadas Angolanas. Sem estabilidade política, de nada serviu o regime semi-presidencialista.
Em 2010, esse problema crónico ficou resolvido com a mudança de regime, consagrada na Constituição da República. Confesso que não estrou preocupado com isso de termos um Presidente com demasiados poderes. Porque a Assembleia Nacional é um poder poderosíssimo. São as deputadas e os deputados que decidem quem é o Presidente da República. Tarefa que tem sido fácil porque o MPLA averba maiorias qualificadas. Mas se apenas existirem maiorias simples, o Presidente da República e titular do Poder Executivo depende de uma negociação que garante uma base de sustentação alargada e a indispensável estabilidade política.
O grande poder do Presidente da República é a palavra. Agostinho Neto usou-a com uma mestria inigualável. Quando disse aos quadros angolanos TODOS PARA O INTERIOR fez tremer o poder colonial. Ao definir, na célebre conferência da Universidade de Dar es Salam QUEM É O INIMIGO, derrubou muros, paliçadas, aduelas que delimitavam quintais e quintalões, salas de festas e salões. O cerco interno e internacional ao MPLA, em 1974, tornou-se de tal forma perigoso que Neto proclamou a RESISTÊNCIA POPULAR GENERALIZADA. A tenaz das tropas invasoras ia apetando no Norte e Sul de Angola. Agostinho Neto avisou: Somos milhões e contra milhões, ninguém combate!
Os inimigos externos foram postos em sentido quando Agostinho Neto disse no Estádio da Cidade: A nossa luta continua na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul. Angola é trincheira firme da revolução em África.
Neto não tinha poder para
governar, só para lutar contra os inimigos internos e externos. Faltavam-nos
quadros, superiores e intermédios, técnicos especializados. Faltavam as
máquinas e quem as operasse. Estava destruída a rede de produção e distribuição.
Agostinho Neto não cruzou os braços e impôs o seu programa de governo: Em
primeiro lugar temos de resolver os problemas do Povo! Ainda hoje essa palavra
ecoa
O Presidente José Eduardo dos Santos também usou sabiamente o Poder da Palavra sendo ele um homem de poucas palavras. Começou no discurso da tomada de posse. Para combater expectativas injustificadas avisou: “Esta não é uma substituição fácil nem me parece uma substituição possível, é apenas uma substituição necessária”.
A manobra mais arriscada e
perigosa da sua longa carreira política foi ter liquidado a República Popular
de Angola e abdicado do modelo socialista. Aderiu à democracia representativa e
ao capitalismo. Mas ao mesmo tempo pôs o poder
Nos EUA e nas principais potências europeias foram cozinhadas as Primaveras Árabes que causaram autênticas catástrofes humanitárias no Médio Oriente e Norte de África. O Presidente José Eduardo dos Santos tomou medidas preventivas e quando percebeu que tinha gente no seu partido mobilizada para o projecto destrutivo, usou do Poder da Palavra avisando: Em Angola a Primavera Árabe não pega!
Nas eleições de 2008 José Eduardo dos Santos resguardou-se. As eleições ficaram nas mãos da direcção do MPLA. Mas quando se apercebeu que a sua palavra era necessária, entrou em força na campanha. A Oposição gritou fraude, alegando que o Presidente da República era apenas árbitro, não podia ser jogador. No meio do alarido, chamou os Media nacionais e internacionais e disse isto: “Sendo eu cabeça de lista do MPLA sou jogador. Por isso entro no jogo. Rebentou com a Oposição. A UNITA ficou reduzida a dez por cento!
O Poder da Palavra do Presidente da República é importantíssimo na gestão de conflitos. Sendo um fã incondicional de todas as palavras, mesmo as malditas, que ninguém me leve a mal por dar opinião sobre o mau uso da palavra.
O presidente do MPLA, João Lourenço, terminou uma reunião na sede do partido e acompanhado dos seus seguranças e alguns camaradas, desceu as escadas, chegou ao local onde estavam jornalistas e usou da palavra a propósito da morte do Presidente José Eduardo. Desacordo total e absoluto. Não tinha nada que falar naquele momento. Primeiro, o Chefe de Estado, com a Bandeira Nacional e as Insígnias, fazia uma comunicação à Nação Angolana. Depois o líder partidário podia falar. Não o fez. Tratou o seu antecessor como um pilha galinhas que morreu no estrangeiro. Mais errado é impossível.
As palavras ditas, depois de descer as escadas, são reprováveis. Porque num momento de luto nacional mas também familiar, provocar filhas do Presidente José Eduardo é uma bravata sem sentido, um trungungo desnecessário, uma confrontação dolorosa para quem foi vítima de tal comportamento.
Também se dispensava a hipocrisia e o cinismo. O presidente do MPLA disse que familiares de José Eduardo dos Santos residentes no estrangeiro podem ir a Luanda ao funeral. Eis as suas palavras (cito de memória): Nenhuma autoridade angolana pode impedir um cidadão angolano de entrar no seu país.
É verdade, camarada João Lourenço. Mas para quê a provocação? A engenheira Isabel dos Santos e a Dra. Welwitschia dos Santos sabem muito bem que podem entrar em Angola quando quiserem. Não sabem é se podem sair. O irmão delas, José Filomeno dos Santos, não pôde sair de Luanda e ir a Barcelona dar um beijo ao pai, vivo. Não, não gostei mesmo nada de ver aquela declaração do presidente do MPLA, no fim da escadaria, ladeado por seguranças, provocando duas mulheres que estão seguramente devastadas pela dor.
A palavra tem muita força. Os Media portugueses, estabilizados num nível rastejante, ignoraram o maior feito do Presidente José Eduardo ao longo do seu mandato: a Derrota do regime racista de Pretória. E até acham que o líder político que enfrentou a coligação mais agressiva e reacionária do planeta (EUA, França, Reino Unido, Zaire de Mobutu, África do Sul do apartheid mais os restos dos fascistas portugueses agregados no Exército de Libertação de Portugal- ELP) foi um ditador. O Líder político que aceitou disputar o poder, em eleições multipartidárias, com uma unidade especial das forças armadas da África do Sul, a UNITA, foi um ditador.
Registei as palavras dessa gentalha. Dizem que quando o Presidente Agostinho Neto faleceu, “José Eduardo dos Santos tomou o poder” ou “José Eduardo dos Santos foi nomeado”. Estão a ver a falsificação? Não, não tomou o poder. Não, não foi nomeado. O Presidente José Eduardo foi eleito. Eleição.
A TPA e as pessoas que vai ouvir, tratam sempre o Presidente José Eduardo dos Santos por “ex-presidente”. Ordens superiores. O Presidente é outro. Verdade. Mas para os angolanos será sempre o Presidente José Eduardo.
Por aqui fico. Sem antes deixar escrito este desabafo. Eu pensava que tenho um toque de irresponsável e um grãozinho de loucura. Desde o momento que foi anunciada a morte do Presidente José Eduardo dos Santos, sou um rapaz muito ajuizado e muito responsável (que peso insuportável!). Registo que o Bureau Político do MPLA só reagiu à morte do seu presidente emérito seis horas depois, da notícia vir a público. A OMA e a JMPLA reagiram seis horas e mais uns minutos depois. Uma eternidade, camaradas!
Quanto à declaração do presidente do partido está tudo dito. Falou tarde e mal. Em vez de unir, dividiu. O Chefe de Estado primou pelo silêncio. Um silêncio tumular.
O general Furtado, ministro de
Estado e Chefe da Segurança e Casa Militar do Presidente da República está
*Jornalista
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