sábado, 1 de outubro de 2022

Eleições no Brasil | "Não é a figura de Lula, mas a democracia que está em jogo"

João Pedro Soares | Deutsche Welle

O advogado José Carlos Dias, de 83 anos, admite que gostaria de ter "se aposentado" da luta em defesa da democracia. Em agosto, ele foi escalado para fazer a leitura pública de um dos manifestos da sociedade civil em defesa do Estado de direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

#Publicado em português do Brasil

"Não imaginava que, aos 83 anos, eu precisasse voltar novamente à luta para impedir que a ditadura voltasse ao Brasil", afirma o presidente da Comissão Arns, organização criada por juristas e figuras de destaque da sociedade civil em 2019 para defender a democracia e os direitos humanos no país.

Como criminalista, Dias defendeu mais de 500 presos políticos durante a ditadura militar. Tendo se formado em Direito na véspera do golpe de 1964, foi preso três vezes pela repressão. Ex-ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso, o advogado se diz receoso com os possíveis desdobramentos das eleições no Brasil. "Estou preocupado, assustado. Como advogado, eu sinto que nós corremos riscos de uma ruptura do nosso sistema", avalia.

O temor se justifica pela ofensiva do presidente Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro, com apoio de parte das Forças Armadas. No entanto, o advogado demonstra plena confiança na capacidade de resposta das instituições a eventuais tentativas golpistas.

"Eu acredito que nós temos que confiar na posição firme dos governadores, dos parlamentares sérios − graças a Deus, eles existem − e principalmente do STF e do TSE. Essas instituições todas estão muito fortes para defender a democracia brasileira", diz.

Domingo (02/10), primeiro turno das eleições, a Comissão Arns irá se juntar a outras entidades da sociedade civil para uma vigília cívica na sede da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP). Em diálogo com observadores nacionais e internacionais que irão acompanhar a eleição, a vigília tem como objetivo poder reagir a eventuais tentativas de constranger ou desacreditar o processo eleitoral no Brasil.

DW: A poucos dias da eleição, como você avalia a situação da democracia brasileira?

José Carlos Dias: Estou preocupado, assustado. Como advogado, eu sinto que nós corremos riscos de uma ruptura do nosso sistema. No entanto, a campanha do Lula está muito forte, e eu tenho a impressão de que há uma grande perspectiva de ele vencer no primeiro turno. Nesse caso, será muito mais complicado para o Bolsonaro tentar impedir que se consume esse resultado eleitoral.

Eu tenho muita esperança de que haja um respeito muito grande às instituições – ao TSE, ao STF. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, é uma pessoa extremamente aplicada, que conhece o Direito, os instrumentos de segurança. Ele tem uma história de vida marcada pelo respeito ao Direito e à segurança.

Estou muito esperançado. Sei que a OEA e outras entidades internacionais estão vigilantes e acompanhando o processo eleitoral. Nós, sociedade civil, estamos nos organizando para acompanhar e fiscalizar o processo eleitoral. Eu estarei junto com outros companheiros da Comissão Arns e de outras instituições, acompanhando e vigiando, porque nós temos que estar de prontidão para defender a democracia e o Estado de direito.

O que o Brasil pode aprender com seu passado autoritário em meio a essa ameaça de ruptura democrática?

Eu defendi mais de 500 perseguidos políticos, então conheço essa história. Nós temos o dever de mostrar à geração de hoje que o que aconteceu não pode se repetir. Portanto, a nossa responsabilidade é muito grande. Eu imaginava neste momento estar assistindo ao desenvolver do processo eleitoral de uma maneira absolutamente tranquila, em que os debates se travariam de uma maneira eficiente, dura, mas absolutamente aberta.

Não imaginava que, aos 83 anos, eu precisasse voltar novamente à luta para impedir que a ditadura voltasse ao Brasil. Eu me considero um cidadão que está consciente da importância de respeitar os direitos humanos. Por isso, eu faço parte da Comissão Arns, da qual eu sou presidente. Nós temos o dever de zelar pelos direitos humanos no nosso país.

Qual seria a real capacidade das instituições brasileiras para reagir a uma eventual insurgência golpista incentivada pelo presidente Bolsonaro?

Eu acredito muito no sistema eleitoral brasileiro. O sistema de urnas eletrônicas é um modelo para o mundo e sempre funcionou muito bem, desde 1996, quando, pela primeira vez, se utilizou esse sistema. Vai ser muito escandaloso, por parte do Bolsonaro, se ele tentar impedir que seja a respeitada a vontade do povo. Não vejo como isso pode acontecer, mas que eu tenho receio, tenho.

Porque, a meu ver, ele é um psicopata, um homem que está absolutamente atrelado à sua obsessão de poder. Portanto, risco nós corremos. E ele tem instrumentos, milícias e parte das Forças Armadas, que poderão apoiar esse gesto de loucura que ele pode ter, realmente.

Nesse cenário que você projeta, com participações de apoiadores armados, militares e agentes de segurança pública que Bolsonaro tenha a seu lado, como as instituições de Estado poderiam agir para conter um cenário de caos social?

Eu acredito que nós temos que confiar na posição firme dos governadores, dos parlamentares sérios – graças a Deus, eles existem – e principalmente do STF e do STE. Essas instituições todas estão muito fortes para defender a democracia brasileira.

No cenário de um eventual pedido de recontagem e contestação do resultado pela campanha de Bolsonaro e militares, o senhor vê o TSE preparado para responder a essa pressão?

Eu acho que sim, por tudo que está sendo preparado, com a presença dos partidos políticos que foram ao Tribunal e verificaram o sistema de tomada dos votos. Seria escandaloso se o Brasil quisesse, nesse momento, mostrar ao mundo que quer voltar à ditadura. Nós não podemos admitir isso, nós temos que zelar pela democracia. Então, não é a figura do Lula, em quem eu vou votar, mas é a democracia brasileira que está em jogo neste momento, e que nós estamos tendo que defender.

O ex-presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, errou ao convidar os militares para a Comissão de Transparência das Eleições?

Eu acho que não, o que ele está querendo é mostrar, abrir o Tribunal para que todas as instituições possam acompanhar. Portanto, esse gesto de convidar os militares para esta Comissão de Transparência foi um gesto de confiança às Forças Armadas. E eles decretaram uma resposta efetiva de que confiam nas instituições brasileiras.

Os militares que integram a Comissão de Transparência contestaram a confiabilidade das urnas em sucessivos questionamentos enviados ao TSE. Como ex-ministro de Estado, o senhor acredita haver uma clara tendência golpista nas Forças Armadas?

Acredito que não. Eu fui ministro da Justiça, fui também integrante da Comissão Nacional da Verdade e levantamos tudo o que aconteceu durante a ditadura. É um alerta que nós damos para o Brasil de hoje, que não é possível voltar ao que aconteceu. Nós não podemos mais imaginar a convivência do Brasil com a ditadura, eu acho que a democracia está implantada e nós confiamos que realmente nós iremos viver, daqui para frente, um Estado de direito respeitado por toda a população brasileira.

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