A abolição da pena de morte inscrita no novo código penal da Guiné Equatorial entra em vigor a dia 7 de dezembro, após as eleições gerais, mas a pena mantém-se inscrita na Constituição, advertem juristas.
"O Código Penal tem a data de publicação no Boletim Oficial do Estado (BOE) de 7 de setembro, pelo que tudo que for diferente na nova moldura penal apenas se aplica depois das próximas eleições legislativas e presidenciais, marcadas para 20 de novembro. A lei tem uma "vacatio legis" [período de tempo que medeia entre a publicação de um diploma no jornal oficial e a sua entrada em vigor no ordenamento jurídico do país] de 90 dias e entra em vigor em 7 de dezembro", confirmou à Lusa um membro da Comissão Equato-guineense de Juristas (CEJ), sob condição de anonimato.
Por outro lado, sustentam a CEJ e a APROFOR - uma plataforma apoiada pela União Europeia de apoio, proteção e fortalecimento de ativistas e organizações da sociedade civil na defesa dos direitos humanos na Guiné Equatorial - o problema da abolição da pena de morte, em concreto, é que "continua em vigor o código de justiça militar, que, a ser aplicado, prevê a pena de morte".
"Em todo o caso, há muitos anos que não temos conhecimento de sentenças de morte. O que temos tido é conhecimento de mortes em circunstâncias obscuras, em dependências pertencentes às forças de segurança, que deviam ser investigadas", acrescenta a CEJ.
A esta circunstância, os juristas equato-guineenses contactados pela Lusa acrescentam uma terceira: "A Constituição da Guiné Equatorial ainda prevê a pena de morte e, por isso, a qualquer momento, podemos deparar-nos com um cenário em que, perante determinados factos, eles [Governo do país] criem uma lei extraordinária em que volte a plasmar-se a pena de morte", afirmou à Lusa outro jurista da CEJ, mais uma vez sob condição de anonimato.
"Teodoro Obiang é a lei"
"A Guiné Equatorial não é um Estado de direito. [O Presidente] Teodoro Obiang é a lei. Se as leis são favoráveis aos cidadãos, não se aplicam. Apenas se aplicam para reprimir. Não penso que vá haver grandes mudanças com esta nova lei", declarou à Lusa Alfredo Okenve Ndoho, defensor e ativista dos direitos humanos, que há anos denuncia violações dos direitos humanos e corrupção na Guiné Equatorial.
"Tudo é arbitrário, a ausência de norma é a norma do país. Portanto, se este é um regime que não respeita a Lei Fundamental e os direitos constitucionais, o novo Código Penal será apenas um instrumento que se usará quando se quiser reprimir certas pessoas e não para garantir os seus direitos", acrescentou Okenve.
Numa "passagem breve" pelos novos tipos de penas inscritos no novo Código Penal do país, sublinhou à Lusa um jurista da APROFOR, novamente sob condição de anonimato, "há um capítulo preocupante, que se chama literalmente, 'sobre o exercício abusivo dos direitos fundamentais' e que limita os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição" equato-guineense.
O capítulo em causa, a que a Lusa teve acesso, detalhado entre os artigos 221º e 224º, impõe penas e multas aos responsáveis ou participantes em "infrações" tipificadas como "limitações impostas pelas leis de direito de difusão de informação"; "qualquer reunião ou manifestação não pacífica"; atividade de "associações ilícitas" -- descritas nomeadamente como aquelas atentem contra o "normal desenvolvimento da convivência" -, entre outras.
"Penso que este capítulo é inconstitucional", sublinhou o jurista da CEJ, ao limitar os direitos reconhecidos pela Constituição, e é ainda mais estranho que ocorra num código penal. Um código penal pode eventualmente regular um conjunto de penas a aplicar no caso de, por exemplo, distúrbios no exercício do direito de manifestação, ou danos, etc., mas não é o que acontece aqui", afirmou o jurista da CEJ.
Intenção é "ganhar apoio internacional"
As fontes contactadas pela Lusa foram unânimes ao atribuir a publicação do novo código penal a uma tentativa do Governo de Teodoro Obiang "criar alguma boa vontade internacional", na expressão de Alfredo Okenve.
"Se isto foi anunciado agora e desta forma foi porque havia a intenção de se ganhar apoio internacional, o que é já habitual. É uma questão de ganhar algum protagonismo internacional", afirmou o jurista da APROFOR.
"A ironia é que a repressão vai continuar e com as eleições [previstas para novembro] está a aumentar, como já estamos a sentir2, acrescentou a mesma fonte, chamando a atenção para a existência de "várias pessoas que estão a ser detidas".
"Pelo menos, há seis ativistas detidos, a quem estamos a tentar prestar ajuda. O último foi Anacleto Micha, defensor dos direitos humanos, detido arbitrariamente esta semana. Mas há ainda o caso de um partido político da oposição, ilegalizado em 2019, que está a ser acusado de uma alegada tentativa de atentar contra estações de combustíveis em Bata e Malabo. Enfim, tudo isto está relacionado com as eleições, esperamos que as coisas não fiquem pior", afirmou.
"A verdade é que todos nós percebemos que a garantia dos direitos fundamentais está 'atrás das grades' na Guiné Equatorial. Nos últimos dias houve detenções, citações para várias pessoas testemunharem, sob a alegação de que houve uma tentativa de golpe de Estado", afirmou uma outra fonte.
"O período de campanha eleitoral será muito quente e as violações dos direitos fundamentais serão generalizadas, como é sempre o caso nestes períodos. Penso que desta vez não será diferente", concluiu.
O fim da pena de morte foi um dos compromissos assumidos pelo país no processo de entrada na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 2014.
Deutsche Welle | Lusa
Guiné
Equatorial está muito aquém do exigido na abolição da pena de morte
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