Joana Petiz* | Diário de Notícias | opinião
Em seis meses, o PS, que se prometia "de diálogo" apesar da maioria absoluta, chumbou (repetidos) pedidos de audição de nove ministros no Parlamento. Na Saúde, entendeu que Temido, de saída, não devia explicações e Pizarro ainda não estava dentro de temas relevantes, como o caos nas Urgências. Não considerou igualmente justificarem-se esclarecimentos sobre temas como apoios na investigação e no Ensino Superior e à cultura, a trapalhada do novo aeroporto anunciado e regressado à gaveta em menos de 24 horas, os fundos europeus atribuídos a Mário Ferreira, a decisão de retirar competências à PJ pondo em causa a separação de poderes, o gravíssimo ciberataque que abriu acesso a documentos classificados da NATO. Os pedidos foram feitos e recusados. Todos. Em seis meses.
A comprovar a regra, a exceção de ontem, que não o é: o PS chumbou os requerimentos da oposição, fazendo a sua própria carta de chamada a Pedro Nuno Santos. Não foi estética, foi mesmo truque. E nem sequer foi o único ou o melhor - o fogo de artifício foi preparado, carregado e disparado, cumprindo a sua função lúdica na perfeição.
A razão para Pedro Nuno Santos ser chamado a explicar-se era uma suposta incompatibilidade de um ministro do governo de Costa. Mais uma. Em causa, desta vez, estava a participação de um governante no capital de uma empresa maioritariamente detida por seus familiares diretos e que assinara contratos por ajuste direto com o Estado superando 1 milhão de euros. Uma situação sobre a qual o próprio terá pedido parecer à PGR dando o assunto como encerrado, uma vez que ninguém se mostrou incomodado. Agora que o incómodo surgiu, Pedro Nuno Santos explicou aos deputados que irá "esperar pelo processo de averiguações do Ministério Público ou do Constitucional" e cumprir a decisão que daí venha. Mas se essa decisão for a condenação, sentir-se-á "injustiçado", em nome individual e coletivo (pela família, pela empresa e até pela democracia).
Explicações dadas, caso encerrado em menos de uma hora e sem indignações, tirando a do próprio. O PS de Costa fizera por isso. A preceder o debate da alegada incompatibilidade, agendou outro tema, (mais uma) troca de acusações sobre a inclassificável novela TAP. Uma primeira audição que esgotou a emoção e a energia dos presentes, ao fim de três horas a correr em círculos.
O maior truque, o mais brilhante
foguete, foi disparado logo à partida: a TAP andou a gastar mais dinheiro do
que devia
Alguém se lembrou porque é que só agora, praticamente cinco anos depois da saída, soaram campainhas relativamente a quem esteve à frente da TAP durante quase duas décadas? Alguém questionou o estado da frota substituída ou a quantidade de rotas acrescentadas à operação da companhia (várias delas agora canceladas) e seus resultados? Alguém explicou que os 50 aviões comprados são topo de gama e energeticamente eficientes?
Alguém sequer se lembrou que nem há 15 dias a TAP 100% pública e com 3,2 mil milhões de euros injetados, com milhares de despedimentos feitos e cortes salariais aplicados aos que ficaram, encomendou 50 BMW topo de gama e ainda poderá pagar 500 mil euros de indemnização pelo cancelamento do contrato? Meio milhão por carros, não aviões, que não vai receber.
Pela enésima vez, perorou-se sobre a impossível opção de ter uma companhia pública. Defendeu-se o fim dos cortes nos salários sem se questionar que nível salarial poderá suportar um abatimento de 25% a 50%. Criticou-se a privatização que pôs fim ao sorvedouro de fundos públicos (leia-se, dinheiro dos contribuintes), modernizou e fez crescer a companhia, pondo-a a caminho de resultados positivos. E Pedro Nuno ainda conseguiu convencer com a nova narrativa do próprio governo que renacionalizou a TAP mais de um ano antes de se pensar sequer em pandemias. "Não há cambalhotas. Sempre quisemos privatizar." Disse isto sem se rir. E motivos não lhe faltavam.
*Subdiretora do Diário de Notícias
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