quarta-feira, 2 de novembro de 2022

A UCRÂNIA TEM POR HERÓI NACIONAL UM COLABORADOR NAZI E DO HOLOCAUSTO

Uma publicação no Facebook apresenta duas imagens: uma estátua erguida na cidade de Lviv e uma coleção de selos, ambas homenagens a Stepan Bandera, um ultranacionalista ucraniano bastante controverso na história da Europa de leste pela sua ideologia de extrema-direita e colaboração com os nazis. No post em causa, a autora afirma que “Stepan Bandera foi um colaborador nazi ucraniano do Terceiro Reich, colocado por Hitler em 1944 à frente de um governo fantoche e organizador do terrorismo na Ucrânia após a derrota da Alemanha. Ele matou e mandou matar dezenas de milhares de Polacos e judeus”.

“Em 2015, o novo regime "democrático" da Ucrânia aboliu o feriado de 9 de maio, que celebrava a derrota do nazi-fascismo, e, em vez dele, decidiu "celebrar" o aniversário do criminoso Bandera como uma celebração patriótica nacional. Nossos guerrilheiros lutaram contra aqueles como Bandera, que as milícias ucranianas hoje têm em suas bandeiras, como o infame "Batalhão Azov" (que é diretamente inspirado nas SS), enquadrado nas forças especiais do exército regular ucraniano", continua o texto.

Quem era afinal Stepan Bandera?

Se para uns é um mártir e um herói, para outros é um criminoso de guerra com ligações nazis. Stepan Bandera foi um dos líderes da milícia Organização Ucraniana Nacionalista (OUN), um grupo com ideias ultranacionalistas que defendia a independência da Ucrânia e o fim do domínio polaco da região de Lviv.

Em 1934, Bandera organizou o assassinato do ministro polaco do Interior, Bronisław Pieracki, pelo qual foi condenado a prisão perpétua – a sua libertação aconteceu quando os nazis invadiram a Polónia. A partir daí, o líder da OUN foi treinado pelos alemães para atuar como contraespião nas regiões ocupadas pela União Soviética.

Bandera queria acabar com o domínio Soviético na Ucrânia e declarar o país independente e livre. Quando, em 1941, os nazis tomaram a região de Lviv, Bandera assinou uma declaração de independência da Ucrânia, proclamando aliança com a Alemanha nazi. Porém, não eram esses os planos de Hitler que recusou a reconhecer a independência da Ucrânia, chegando a ordenar a Bandera que retirasse a declaração. Ao recusar a ordem do Führer, Bandera foi preso no campo de concentração de Sachsenhausen, tendo sido libertado em 1944.

A ideologia defendida por Bandera era coincidente com a os nazis, principalmente no ódio aos judeus. Afirmava que os judeus na Ucrânia estavam na origem do imperialismo comunista, que eram apoiantes da revolução bolchevique e, por isso, deveriam ser destruídos, escreve Norman J.W. Goda, professor de estudos sobre o Holocausto na Universidade da Flórida, no History News Network.

Mais de 1,5 milhões de ucranianos judeus foram mortos durante este período. Na cidade Drohobych, onde há também uma estátua em homenagem a Bandera, praticamente todos os 15 mil judeus que lá viviam foram assassinados. Também a OUN, que manteve a atividade mesmo durante o período em que Bandera estava preso, levou a cabo o assassínio de milhares de polacos e procedeu a operações de limpeza étnica nas regiões de Volhynia e na Galicia de leste. Estima-se que durante os dois anos em que realizaram campanhas, mais de 100 mil pessoas foram mortas.

A lenda por trás de Bandera está relacionada com a luta que travou contra o domínio Soviético e pela independência da Ucrânia. Por ter sido assassinado em 1959 por agentes do KGB (serviços secretos russos) fez com que os emigrantes ucranianos o apelidassem de mártir. Na altura da sua morte, o antigo líder da OUN já tinha sido afastado da liderança pela crescente oposição interna que recusava a suas táticas totalitárias.

“É um triste comentário sobre a memória ucraniana que o homem declarado Herói da Ucrânia em janeiro [de 2010] tenha liderado um movimento profundamente envolvido no Holocausto. É mais gratificante saber que, na época da morte de Stepan Bandera, a maioria dos líderes ucranianos o rejeitava há muito tempo como um charlatão perigoso que prejudicou a sua própria causa. Na época da sua morte, Bandera estava reduzido a 'dançar' com a agência de inteligência mais comprometida da Guerra Fria, onde os soviéticos podiam observar cada movimento seu. Aqueles que hoje o classificam de herói, em outras palavras, são tão tolos quanto ofensivos”, escreve ainda Norman J.W. Goda.

Homenagens a Stepan Bandera na Ucrânia

É verdade que, em 2010, durante o mandato de Viktor Yushchenko, Bandera foi declarado “Herói da Ucrânia”, um título que lhe foi retirado em 2011, quando Viktor Yanukovych – um Presidente com ligações à Rússia – subiu ao poder. Em 2014, após a queda de Yanukovych e da invasão da Crimeia pela Rússia, o Concelho da Cidade de Kiev decidiu renomear a Avenida de Moscovo como Avenida Stepan Bandera.

Filipa Traqueia | Sapo

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