sábado, 12 de novembro de 2022

Angola | DO NEGÓCIO DAS OSSADAS À EXTORSÃO


Artur Queiroz*, Luanda

A memória é muito falível e quando falha pode criar prejuízos a terceiros ou mal entendidos incómodos. Ontem escrevi sobre a chegada da primeira delegação oficial do MPLA a Luanda. E recordei que o movimento ficou instalado em vivendas da Vila Alice, mobilizadas por Hermínio Escórcio, Aristófanes Couto Cabral e Correia Mendes. Antes que choviam recriminações e protestos, desde já declaro que a minha memória falhou. Porque excluiu os manos Antas (Chico e Lindo) os nossos ministros da habitação e transportes. Casa e carro para quem precisava, fosse das FAPLA ou da direcção do MPLA, era com eles. 

Graças à Vice-Presidente da República, Esperança da Costa, Angola teve uma presença excelente na cimeira mundial do clima (COP27), que decorre no Egipto. As suas declarações aos Media, hoje, revelaram que a cientista é uma política com pensamento bem estruturado. Domina o tema com grande segurança. As suas palavras têm conteúdo. É bom sabermos que a sua eleição se deve mais às qualidades e sabedoria que demonstra do que a ser mulher, embora isso seja importante. Precisamos de cada vez mais mulheres no poder. 

A propósito, o MPLA não tem uma mulher de alto nível para o lugar do senhor ministro Marcy Lopes? Sua excelência concentra nele quantidades industriais de mediocridade e subserviência.

O seu antecessor fez pela vida no sector mineiro e com o negócio das ossadas. Marcy Lopes vende amnistias que são autênticos atentados aos direitos humanos e à Constituição da República. Aproveito esta oportunidade para lhe explicar umas coisas muito simples, mas que devem ser do conhecimento de quem é ajudante do titular do poder executivo na área da Justiça e dos Direitos Humanos.

Errico Malatesta definia anarquia como “o sonho de justiça e amor entre os homens”. Ao contrário, o capitalismo na versão democracia representativa é a melhor maneira de sujeitar um povo à escravatura, “dando-lhe a ilusão de estar a participar nas decisões”. O pensador italiano remata assim o tema do capitalismo: “Todas as grandes fortunas, todos os ricos, resultam de um qualquer conluio com o Estado”. 

Antes de vos enfadar, vou rematar. A maquineta do capitalismo só funciona se meterem no depósito três combustíveis ao mesmo tempo: exploração de quem trabalha, corrupção e ladroagem que pode ir ao extremo do latrocínio. Perguntem aos professores do ensino superior e aos enfermeiros o que é isso de exploração. Mas podem perguntar a qualquer trabalhadora e trabalhador por conta de outrem. A luta de classes existe!

O combate à corrupção no regime capitalista é uma piada de mau gosto. Porque se acabam com a corrupção, acabam com o capitalismo. A maquineta avaria e adeus ricalhaços. Adeus à criadagem que os serve na política. Adeus ao ópio do povo que faz temer a deus e aos ricos. Adeus clero e nobreza. Combater a corrupção consiste em afastar uns para dar lugar a outros. Afastar dos cofres do Estado as clientelas de uns, para dar lugar a outros. Por exemplo, até 2017 eram uns. Agora são outros, graças ao combate à corrupção. E o povo aplaude freneticamente a dança das cadeiras à volta do Orçamento Geral do Estado.

Angola nasceu como uma República Popular. As suas Forças Armadas eram populares. O regime político era a democracia popular. Os “pês” caíram todos. O MPLA abdicou do socialismo e levou o país para a democracia representativa e a economia de mercado (capitalismo). A direcção do partido teve o cuidado de tomar medidas para que a burguesia, a classe dominante, os ricos, fossem todos angolanos. As riquezas de Angola são para os angolanos. Os estrangeiros podiam comer alguma coisa, mas sempre em minoria. Os investidores podiam criar empresas em Angola mas eram obrigados a constituir sociedades onde os angolanos tinham obrigatoriamente mais de 50 por cento. 

Assim nasceram os nossos milionários, à força toda e rapidamente. Mal por mal, que sejam os nossos a deter os meios de produção e a alta finança. Foi assim que fiquei com muitos amigos ricos, muito ricos e riquíssimos. Os bancos e outras empresas do sector financeiro são deles. As fábricas são deles. As grandes fazendas são deles. Os estrangeiros foram remetidos para o papel de sócios minoritários. Bem pensado. Se não podemos viver no socialismo, vivemos no nosso capitalismo. Os genocidas, os imperialistas, os colonialistas levam os restos. Muito bom!

Hoje os ricos angolanos do início do processo estão a ser confiscados, extorquidos, despojados dos seus bens. A amnistia do senhor ministro Marcy Lopes, oficializa e legaliza os esbulhos. Tudo perdido a favor do Estado. E os ricos intocáveis? Ainda bem que não foram aliviados das suas riquezas, obtidas sempre, sempre, através de um qualquer conluio com o Estado como nos ensina Errico Malatesta.  O problema é que muita dessa riqueza está a ser entregue de mão beijada aos imperialistas, aos colonialistas e aos genocidas. 

Bem me parecia que um dia seríamos iguais aos outros países africanos. Os que continuaram a viver no colonialismo mas com outra bandeira, outro hino nacional e um presidente fantoche. Alguns ainda vivem com a antiga moeda francesa, o franco, chamado CFA.

Após a assinatura do Acordo de Alvor, o Presidente Agostinho Neto reuniu em Lisboa, Casa de Angola, com jovens estudantes angolanos em Portugal. Quase todos queriam regressar no dia seguinte mas o líder do MPLA pediu-lhes que continuassem os estudos até se licenciarem. Íamos precisar muito de quadros bem preparados. Chegámos a Luanda e nem uma semana depois, vários desses jovens também desembarcaram. Alguns estavam com pressa de ir à panela da comida. 

Um deles chama-se Aguinaldo Jaime. Meteram-no Ministério da Comunicação social. Hoje é milionário e fala grosso. Anunciou que vai cobrar 500 milhões de dólares à empresária Isabel dos Santos. Como é um desavergonhado, pergunto: Ninguém quer saber donde vem a fortuna do cobrador Aguinaldo? Claro, claro, ele serve o poder desde o início de 1975. Portanto faz parte da casta real promovida pelo Big Brother da Canata. Mas é bom não dar nas vistas. Porque daqui a cinco anos podem montar na PGR uma caçada aos ricos da corte. E assim o máximo que vamos conseguir é fazer de Angola um sítio mal frequentado.

*Jornalista

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