Artur Queiroz*, Luanda
O Acordo de Bicesse obrigou à mudança de regime. Em troca da paz e da reconciliação nacional o MPLA abdicou da democracia popular e do socialismo. Extinguiu as FAPLA. Enterrou o Partido do Trabalho. Pôs o poder em disputa nas primeiras eleições multipartidárias. Até os herdeiros do golpe de estado militar de 1977 criaram um partido. Um dos líderes da Revolta Activa, Joaquim Pinto de Andrade, apareceu alinhado com os restos dos golpistas. Só mais tarde se soube que estava em marcha uma golpada para colocar a UNITA no poder, sem eleições ou com eleições, se os resultados fossem desfavoráveis a Savimbi.
A armadilha para exterminar o
MPLA foi montada pelos serviços secretos dos EUA, Reino Unido, França e
Portugal. A antiga potência colonial até disponibilizou o Presidente Mário
Soares, que desde 1986 apoiou, atrás dos arbustos, a agressão militar da África
do Sul contra Angola. Tudo começou quando James Baker, Secretário de Estado dos
EUA, pediu uma audiência ao Presidente José Eduardo dos Santos,
O argumento de James Baker tinha lógica e pode resumir-se assim: A Namíbia está independente. O regime de apartheid acabou. Em breve a África do Sul vai ser governada pelo ANC, um partido que é vosso aliado. A UNITA e Jonas Savimbi estão fortemente armados. Se forem empurrados para a situação de párias, podem criar grande instabilidade na África Austral. Angola tem todo o interesse em integrar os derrotados. É o preço da paz.
O Presidente José Eduardo dos Santos consultou a direcção do MPLA e a proposta de James Baker foi acolhida. Assim se chegou ao Acordo de Bicesse. Mas por trás de Jonas Savimbi, durante as negociações, estavam os norte-americanos e Mário Soares. Ditaram exigências acolhidas no texto final.
Apenas cinco dias depois da assinatura do Acordo de Bicesse, o comandante DeA mensagem secreta tem a data de 5 de Junho de 1991. O Acordo de Bicesse foi assinado em 31 se Maio de 1991. As bases militares tinham estes nomes de código: Girafa, Palanca, Tigre e Licua. Tive acesso à mensagem secreta mas apenas em 2014. Demasiado tarde para evitar dez anos de banditismo armado da UNITA, com milhares de mortos e o país destruído.
O diário de Jeremias Chitunda, encontrado em 1992 na sede da UNITA no Bairro de São Paulo em Luanda, foi precioso para compreender tudo o que aconteceu entre 31 de Maio de 1991 e a publicação dos resultados eleitorais. A UNITA foi estrondosamente derrotada.
Chitundfa escreve que o sul-africano Sean Cleary, “conselheiro” de Jonas Savimbi, tinha tudo pensado nestes termos:
“Se a UNITA ganhar as eleições, tudo bem, o seu governo toma posse. Mas se perder, dizemos que houve fraude eleitoral e tomamos o poder pela força. Se os crioulos resistirem, ocupamos o país militarmente. Tornamos a vida impossível às populações nas aldeias. Fogem todos para as vilas. Tornamos a vida impossível nas vilas. Fogem todos para as cidades. Tornamos a vida impossível nas cidades. Fogem todos para Luanda. Como temos o país ocupado, o excesso da população na capital vai funcionar como uma bomba atómica social. Quando rebentar, o governo cai e nós ocupamos o poder”.
O plano foi executado ao pormenor
após a derrota eleitoral da UNITA. Milhares de homens armados saíram das bases
secretas do Cuando Cubango e em menos de duas semanas ocuparam praticamente
todas as províncias excepto Luanda, parte de Benguela e parte do Cuanza Sul.
Milhões de angolanos fugiram da soldadesca do Galo Negro e concentraram-se
Savimbi sim rebentou nas matas do Lucusse, em 2002. Mas a bomba atómica social continuou em Luanda, E a matéria explosiva vai chegando todos os dias, de todas as províncias. Luanda é uma cidade onde não há qualidade de vida. Os problemas sociais atingem uma dimensão preocupante.
As últimas eleições mostraram que a “bomba atómica social” continua activa e muito perigosa. A derrota do MPLA no círculo provincial de Luanda foi ditada por ela, em grande parte. Mas também pelos 55 por cento de abstenção, além dos votos brancos e nulos. Como hoje os mais de 500 membros do Comité Central do MPLA analisaram o relatório das eleições, sabem que assim foi.
As eleições de 24 de Agosto também revelaram que a UNITA está esgotada como partido de governo. A “frente patriótica unida”, os financiamentos milionários, a transferências dos deputados da CASA-CE e a “bomba” não chegaram para ganhar o pleito eleitoral. Jamais ganha. Porque as estrelas nunca mais voltam a conjugar-se. Foi o fim. Os problemas internos são muitos e a desagregação é muito possível, antes das eleições de 2027. As outras forças da “frente patriótica” não existem. Os restantes partidos que elegeram deputados, todos juntos, somaram menos votos do que os “brancos e nulos”. São eleitoralmente irrelevantes.
A “bomba atómica social” ganha cada vez mais energia e o MPLA está cada vez mais distante das bases, apesar de ter centenas de dirigentes nacionais mais os provinciais. Desengane-se quem pensa que a impressionante manifestação no funeral do músico Nagrelha tem a ver com o defunto. Nem pensar. É a “bomba” que começa a dar sinais de rebentar. O Nagrelha foi apenas um rastilho.
Assim entrámos em manifestações inorgânicas, que ninguém controla. A profecia de Sean Cleary estava certa. A bomba social ia rebentar. Mas só dá sinais disso quando Jonas Savimbi está morto. E a UNITA fechou todas as portas de acesso ao poder por via eleitoral. Anda no ar um cheiro a ingovernabilidade. O MPLA tem de regressar às bases. Urgentemente.
*Jornalista
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