quarta-feira, 23 de novembro de 2022

ESTES ECONOMISTAS, PARA QUÊ E PARA QUEM?

João Rodrigues* | Setenta e Quatro

Apoiaram a adesão ao euro, defenderam a troika, foram sempre contra aumentos relevantes do poder de compra do salário mínimo e, agora, estão na dianteira do cortejo fúnebre da endividada economia portuguesa. Fernando Alexandre e Luís Aguiar-Conraria são dois economistas que se empenham neste cortejo. 

Apoiaram a adesão a um euro que esteve associado a duas décadas de dependência externa crescente, investimento decrescente e estagnação persistente.

Ficaram sem saber o que dizer na crise financeira de 2007-2008, mas estiveram na primeira linha de defesa da troika e de uma política destrutiva de austeridade, que levou a taxa desemprego ao dobro do máximo histórico antes do euro, compelindo centenas de milhares de concidadãos a emigrar; uma política totalmente desnecessária se o BCE tivesse feito o que lhe competia – controlar a taxa de juro –, como fez de 2015 a 2021.

Foram sempre contra aumentos relevantes do poder de compra do salário mínimo, questão de dignidade e de boa economia da procura, em linha com duas hipóteses ideológicas que lhes são caras: os salários devem ser sempre a variável de ajustamento em crises, e as relações laborais tornam-se “livres” quando os direitos passam dos trabalhadores para os patrões e as obrigações dos patrões para os trabalhadores.

Estão de novo na dianteira do cortejo fúnebre da endividada economia portuguesa, ao apoiarem os aumentos da taxa de juro impostos pelo Banco Central Europeu (BCE). Sem atender às suas causas, insistem que a inflação se combate com desperdícios chamados recessão, desemprego, falências empresariais e pessoais.

Escolho, entre tantos economistas convencionais, dois académicos ideologicamente empenhados no cortejo: Fernando Alexandre e Luís Aguiar-Conraria.

Foram, há uns anos, coautores de um estudo sobre poupança, escrito para a Associação Portuguesa de Seguros, onde advogaram, que surpresa, a privatização da segurança social, ou seja, que as pensões fossem jogadas no casino financeiro. Tudo em nome da promoção da poupança baseada no medo.

Esqueceram-se de dois pormenores da melhor teoria económica prática: é o investimento que determina a poupança e não o contrário, estando o primeiro dependente das expectativas de vendas; o sistema de pensões por capitalização, como o de repartição, distribui em cada momento entre quem está no ativo e quem não está. Não há almoços grátis, mas nos almoços servidos por capitalização só restam ossos para os reformados, já que a carne foi comida pela finança. Da Argentina à Polónia, esta experiência neoliberal tem sido revertida.

Coerentemente, defendem outra vez os credores, criticando Costa e Marcelo por terem ousado contestar, de forma de resto tão impotente quanto tímida, o BCE. Em entrevista ao Público, Alexandre acusou-os de falta de sentido de Estado. Falta de sentido de Estado é aceitar esta subordinação do país. Falta realmente Estado e sentido para tudo isto.

Tendo feito parte do Governo de Passos Coelho na Administração Interna – menos Estado social, mais Estado penal, já se sabe –, Alexandre nem sequer se dá ao trabalho, na entrevista, de relacionar o processo inflacionário com o choque energético causado em parte, mas só em parte, pela guerra. Nada de forças reais da oferta. Nada de relacionar o processo inflacionário com questões geopolíticas, mesmo quando refere a Estónia, certamente tão do seu agrado. Nada de referir os casinos financeiros internacionais, onde a especulação em instrumentos financeiros ‘derivados’ determina os preços da energia, independentemente da disponibilidade da oferta e da intensidade da procura. E, sobretudo, nada de referir a responsabilidade dos lucros extra e ordinários das empresas da fileira energética ou da distribuição.

Os economistas respeitáveis não falam destas coisas. E muito menos advogam medidas necessárias: da taxação ao controlo de preços, passando pelo planeamento estratégico e investimento público, para fazer face aos bloqueios reais inflacionários, já para não falar de negociações de paz. Toda a economia é política.

Fazendo pendant com Francisco Assis, Alexandre, agora vice-presidente do Conselho Económico e Social, patrocina a maior transferência de rendimentos do trabalho para o capital do milénio, superior à da troika, e um acordo de rendimentos que é uma fraude neste contexto. É um economista da situação: da desvalorização interna à desvalorização real, sempre na defesa da austeridade.

Já Luís Aguiar-Conraria, mais informal e sem ambições políticas conhecidas, tem, enquanto intelectual público, uma fama imerecida de irreverência em círculos progressistas. Na realidade, está perfeitamente alinhado com Alexandre, incluindo na crítica ao presidente e ao primeiro-ministro, acusando-os, na sua coluna do Expresso, de darem ouvidos à turba das redes sociais, ameaçando a sacrossanta independência do BCE.

Todos os economistas têm a obrigação de saber que “independência” quer dizer subordinação dos governos com legitimidade democrática a uma instituição antidemocrática, que governa a pensar excessivamente nos credores. A política monetária nunca, mas nunca, é neutra. Está sempre ao serviço de interesses e por isso tem de ser democraticamente escrutinada. Esta opção do BCE vai provocar desemprego e miséria social. Se isto não é péssima política, o que será?

Nas paredes de uma faculdade chegou a estar escrito: “Estes economistas?! Para quê?!”. Boa questão. E para quem, já agora?

*João Rodrigues - Professor universitário, coautor do blogue Ladrões de Bicicletas e membro do Conselho Editorial do Le Monde diplomatique – edição portuguesa.

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