domingo, 6 de novembro de 2022

Portugal | Mudança de Secretário-Geral do PCP. Sai Jerónimo, avança Paulo Raimundo


"Afetos" e "solidez ideológica" marcaram 18 anos de liderança. Jerónimo também "não vai continuar" como deputado do PCP

Jerónimo de Sousa adiantou, este domingo, que "não vai continuar" como deputado do PCP. Em conferência de imprensa esta manhã, o líder cessante dos comunistas afirmou que "houve uma alteração qualitativa" das suas capacidades.

"Gostaria aqui de reafirmar de viva voz que como seguimento de uma avaliação própria, resultante de uma reflexão sobre as minhas condições de saúde e as exigências correspondentes às responsabilidades que tenho vindo a assumir como secretário-geral do PCP, coloquei a minha substituição nestas funções", sustentou.

"Há uma alteração qualitativa das minhas capacidades, que não se compadece com ausências, e temos uma solução capaz de dar mais força e dinâmica ao grupo parlamentar", explicou.

O antigo deputado e jovem dirigente comunista Duarte Alves é o nome seguinte na lista de candidatos à Assembleia da República pelo círculo eleitoral de Lisboa, por onde Jerónimo de Sousa foi eleito. Sem referir o nome de Duarte Alves, o líder cessante referiu: "Posso afirmar que estamos em condições de avançar com uma solução dinâmica."

Questionado sobre quando será a sua última intervenção parlamentar, Jerónimo afirmou que "tem de ser no ritmo certo", admitindo não fazer mais nenhuma intervenção. "Se não estiver lá eu estará outro deputado."

Jerónimo de Sousa abordou a situação económica e social do país e do aumento do custo de vida. "O país assistiu à total inércia do Governo", afirmou, sublinhando que "as medidas do Governo fogem ao essencial".

Com a "redução do rendimento das famílias num quadro continuado aumento dos juros" e relembrando as políticas seguidas pelo atual Governo, Jerónimo de Sousa considerou que há "um risco de empurrar rapidamente o país para a recessão económica".

Para o PCP, o Orçamento do Estado não dá resposta aos problemas dos trabalhos e da população: "O Orçamento agrava a injustiça fiscal", disse.

"Portugal precisa de política alternativa", sustentou Jerónimo de Sousa, apontando como prioridades do partido a defesa dos serviços públicos e dos salários e a importância da produção nacional.

"O PCP está munido de um programa alternativo para o país", disse, acrescentando: "É com confiança que encaramos o futuro."

O sucessor Paulo Raimundo: "Um camarada estudioso e que conhece os problemas"

Relativamente ao seu sucessor, Paulo Raimundo, Jerónimo disse que é de uma geração "mais jovem", com uma experiência de vida "diversificada" e que está "preparado para uma responsabilidade que associa a dimensão pública com a ligação, contacto e identificação com os trabalhos e as massas populares, com o trabalho do partido, as suas organizações e militantes".

Jerónimo de Sousa adiantou que "houve uma ampla convergência" na escolha de Paulo Raimundo como seu sucessor.

Paulo Raimundo é "um camarada estudioso, que conhece os problemas, que tem tido tarefas de reforço da organização do partido, acompanhando grandes regiões e setores". "É um homem "sensível", "modesto" que compreende as coisas de forma "célere" e que "ouve muito os outros".

"É uma solução segura, que corresponde às necessidades do partido neste momento e tenho profunda confiança de que vai ser capaz de dar conta do recado, ainda por cima pertencendo a uma nova geração que só prestigia e garante ao partido e o seu futuro."

O líder cessante do PCP referiu que o Comité Central "não fez esta opção por ser mais ou menos desconhecido. Naturalmente isso é importante, não estamos a desvalorizar, mas o Paulo está bem sustentado".

"Afetos" e "solidez ideológica" são marcas do líder Jerónimo

"Segui um conselho de um camarada mais velho que me dizia: procura ser o que tu és", contou. "Isto não é fácil de explicar, particularmente numa componente não muito apontada ao PCP, que é a política dos afetos. Mesmo perante adversários, jornalistas incómodos, sempre existiu grande franqueza, sendo como sou."

Jerónimo referiu a "dimensão dos afetos" e a "solidez ideológica" como as suas marcas enquanto líder do PCP. A geringonça "não" é "de todo" uma dessas marcas, considerou.

"Saio de cabeça erguida. Procurei fazer o melhor que sabia. Conheci derrotas, vitórias, avanços, recuos, uma experiência vivida, e isso devo-o ao meu partido", afirmou, lembrando que, no sábado, no Comité Central, despediu-se com um "até amanhã".

"Saio como entro, no plano económico e financeiro, de consciência tranquila", sustentou.

Sobre os maus resultados do PCP, Jerónimo de Sousa sublinhou a "dimensão solidária do coletivo partidário". "É algo que não encontrará noutro partido. Nós, muitas vezes acusados de ser duros e inflexíveis, temos esta vantagem imensa: as vitórias não são de um homem só, as derrotas não são deste ou daquele protagonista. Nas horas boas e más encontramos sempre esse coletivo solidário."

Questionado sobre qual foi sua maior vitória enquanto líder do PCP, Jerónimo indicou que foram "momentos diversos". "A questão das alegrias e das tristezas seria uma lista longa. Nem as derrotas me desanimaram nem as vitórias me descansaram. Mas ninguém é dono da saúde. Hoje estamos bem, amanhã podemos estar mal."

A geringonça e a maioria absoluta do PS

Sobre a geringonça, Jerónimo lembrou que mesmo com um PS muito "contrariado e recuado" foram feitas "coisas muito importantes" para o país, como a reposição das pensões, os manuais gratuitos ou os passes sociais. "Mas conforme os anos se foram sucedendo, verificámos que o PS tentava ficar para trás e não corresponder a propostas concretas, fundamentais", como o aumento dos salários e das pensões, a defesa do Serviço Nacional de Saúde e legislação laboral.

"O PS não tinha resposta e colocou-se a questão: como poderíamos continuar a ter compreensão política quando no fundamental desvalorizou as nossas propostas? E agora? O que faz o PS com esta maioria absoluta? O que está a fazer não é brilhante e merece uma profunda crítica", atirou.

Jerónimo de Sousa contou que, no sábado, o Comité Central aplaudiu-o "quatro minutos de pé". "Sabe mesmo muito bem sentir o abraço solidário e afetivo dos meus camaradas, militantes e muitas vezes até adversários que mantêm consideração e respeito."

Sobre a relação com Costa, Jerónimo disse que o problema não é com António Costa individualmente. O Governo "não está a resolver os problemas e tinha a consciência antes disto de que não os iria resolver".

Jerónimo de Sousa, de 75 anos, abandona a liderança do PCP, após quase 18 anos no cargo.

O PCP anunciou na noite de sábado que o secretário-geral, Jerónimo de Sousa, vai deixar o cargo depois de uma reflexão sobre a sua saúde. Paulo Raimundo, de 46 anos, vai ser o sucessor de Jerónimo de Sousa, que estava na liderança do partido há 18 anos.

O secretário-geral cessante tinha mandato até 2024 e vai ser substituído por um dos poucos dirigentes que faz parte dos órgãos mais restritos do partido - a Comissão Política e o Secretariado. Paulo Raimundo é uma figura proeminente para as bases comunistas, mas desconhecida na esfera mediática.

Carolina Quaresma | TSF

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