Artur Queiroz*, Luanda
Luanda, a cidade das fortalezas,
tem
Salvador Correia de Sá e Benevides expulsou os holandeses e a fortaleza foi
abandonada. Mas em 1703, o Nobre Senado da Câmara de Luanda, que governava a
colónia, por morte do capitão general e governador Bernardo de Távora, resolveu
criar uma bateria superior, “a olhar para terra” e mandou fazer as muralhas
actuais, de pedra e cal.
Durante quase quatro anos, a metrópole nem sequer se dignou enviar o substituto
do defunto Bernardo de Távora. A lei determinava que no impedimento do capitão
general e governador nomeado pela metrópole, o Senado da Câmara devia assumir o
governo da colónia. E assim foi durante quase quatro anos. As obras de
edificação das muralhas de São Pedro da Barra demoraram três anos e foram pagas
exclusivamente pela Câmara de Luanda hoje Governo Provincial.
Os documentos da época dão nota que o forte “fica a uma légua da cidade de
Loanda” e do lado de terra há duas colinas, no tempo cobertas de cajueiros e
excelentes pastagens. Numa das colinas há uma fonte de água sulfurosa, a Fonte
de Cassandama. Os jesuítas fizeram a exploração dessas águas termais. Mas só
mais tarde, já com a administração portuguesa restaurada, foi construído um
canal de telhas de meia cana e tijolos, que transportava a água até às
proximidades da esplanada da fortaleza. A bica corria para um grande tanque onde
o gado bebia e os camponeses se abasteciam para consumo e para rega das
plantações.
Os padres jesuítas construíram ao lado de São Pedro da Barra um hospício que
acolhia todos os loucos que vagueavam pelas ruas de Luanda. Muitos eram
criminosos condenados ao degredo e que devido aos maus-tratos e à sífilis
acabavam por enlouquecer. O hospício e a prisão do forte de São Pedro da Barra também serviram como centros de
detenção dos hereges e sobretudo daqueles que atentavam contra os “bons
costumes” promovendo a feitiçaria, os chamados xinguilas.
“A porta principal da fortaleza de São Pedro da Barra foi aberta na parede
interior do reparo”. E lá foi colocada uma lápide com esta inscrição: “D. Pedro
II rei de Portugal e da Etiópia mandou fazer este forte, e o fundou o Nobre
Senado da Câmara, governador e capitão general destes reinos. Ano d
e1703”.Alápide ignora os holandeses, verdadeiros fundadores da fortaleza, como
atestam todos os documentos da época e que o general Francisco Xavier Lopes
confirma, no seu relatório produzido em 1846, após uma inspecção aos fortes de
Luanda e de Angola.
O Governador da Meia-Noite
Passados 50 anos, a fortaleza de São Pedro da Barra estava praticamente arruinada. O governador e capitão general, D. António Álvares da Cunha (1753-1758),mandourestaurar o forte “quase desde o seu pé”.
O governador ia todos os dias ver o andamento das obras. O general Francisco Xavier Lopes faz esta referência pitoresca: “ele saía do Palácio depois da meia-noite para evitar o sol”. Os artífices tinham que trabalhar dia e noite. Mal começava a nascer o dia, o conde da Cunha recolhia ao Palácio e as obras continuavam à luz do dia
Em 1772, o governador e capitão general D. António de Lencastre (1772-1779) resolveu dar melhor forma à bateria inferior, que olha para o mar. Foi rebaixada porque estava colocada a uma altura exagerada, o que levava a errar os tiros contra os navios piratas. Como esta é a bateria escavada nos rochedos da falésia, o trabalho foi penoso e demorado. As obras só ficaram concluídas no governo de D. José Gonçalo da Câmara (1779-1782).
Nesta época, São Pedro da Barra passou a ser a peça principal na defesa da barra. E cruzava fogo coma fortaleza de Nossa Senhora da Flor da Rosa, construída na ponta da Ilha do Cabo. Mas não se trata do lugar onde está o farol ou o Ponto Final. Violentas calemas lamberam quase metade da Ilha e a fortaleza desapareceu! Nunca mais foi reconstruída.
Existe pouca informação sobre a fortaleza de Nossa Senhora da Flor da Rosa, mas um documento autêntico do século XVII, recolhido por Augusto Bastos, dá conta que ela
foi construída durante o governo do capitão general Henriques Jaques de Magalhães (1694-1697).
Esplendor e Decadência
Afortaleza de São Pedro da Barra teve o seu momento de esplendor em 1779 e nos anos seguintes. Mas em 1826 tinha apenas uma pequena guarnição comandada por um sargento de artilharia. O porto de Luanda ficou vulnerável e em 1826 foi restaurada a casa do governador, para lhe devolver a importância na defesa da cidade. Foi construído um amplo quartel para os soldados e um armazém para as munições e a pólvora.
A fortaleza ficou com uma grande cisterna “com27 pés e meio de comprimento,
Ao lado direito da entrada foi construída, em
Fonte de Cassandama
Os jesuítas construíram nas imediações de São Pedro da Barra a Fonte de Cassandama. Enquanto os prisioneiros escavavam os rochedos para construir a bateria inferior
que recebeu os canhões de defesa do porto de Luanda, ao lado, nascia uma obra que visava
aproveitar as águas termais, que brotavam na encosta de uma colina próxima. A Companhia de Jesus tinha que abastecer o hospício, quase sempre cheio de loucos ou de hereges e infractores dos bons costumes.
Na estrada de acesso, do lado dos outeiros, foi erguido outro forte que foi baptizado com o nome de Nossa Senhora da Conceição. Na inspecção feita pelo general Francisco Xavier Lopes, em1846, esta fortificação ainda tinha três peças de artilharia montadas. Mas estava tudo arruinado.
O governador-geral Bressane Leite ainda mandou rasgar uma estrada mais directa, em direcção ao forte de Nossa Senhora da Conceição. Mas ele morreu com os trabalhos a meio e o projecto foi abandonado pelos seus sucessores.
Águas Milagrosas
Na colina em frente à esplanada da fortaleza de São Pedro da Barra a fonte de água sulfurosa foi muito famosa na época. A ela se atribuíam qualidades curativas para algumas doenças, que iam da pele ao fígado! O governador Manuel Vieira Tovar (1819-1821) mandou explorar a nascente mas os trabalhos foram mal sucedidos.
Em 1836, o governador Saldanha encarregou o major de engenharia Bernardino José da Costa de prosseguir os trabalhos e ordenou a construção de um canal para transportar a água até à esplanada das fortificações. Os trabalhos só foram concluídos no tempo do governador Vidal 1837-1838).
O canal foi assente em “tijolos burros” e era constituído por telhas de meia cana. A água servia para as guarnições dos fortes, para o hospício e o tanque era bebedouro do gado e servia para a rega das plantações. Alguns anos depois, o sistema estava muito degradado e a estrada de acesso à esplanada ficou praticamente intransitável. De tal forma que era penoso fazer deslocar as peças de artilharia.
Na área existia uma grande cerâmica que produzia tijolos, telhas e louças, sobretudo moringues. Era a principal unidade industrial no fornecimento de materiais para construção e utensílios domésticos
Grilhetas e Monangambas
A fortaleza de São Pedro da Barra tem a forma de um quadrado (bateria superior) com quatro meios baluartes, que constituem quatro frentes ligadas por cortinas. “A frente que olha para o mar tem três baterias”.
A bateria inferior, escavada na rocha, foi guarnecida pelos holandeses com sete peças de artilharia, que “permitem ricochetear os navios que passarem a
O pórtico tem apenas sete pés de altura. Na fachada existiam duas canhoneiras, nos flancos, uma, e na cortina, quatro. Ao todo eram dez bocas-de-fogo na bateria superior, que “olha para terra”.
Em 1846, o forte de São Pedro da Barra tinha ao seu serviço, para tarefas civis, quatro prisioneiros com grilhetas (trabalhos forçados) e duas monangambas. “Limpavam o caminho, forneciam água à guarnição, quartel do governador e à prisão, cortavam e carregavam a lenha e iam à cidade de Loanda buscar comestíveis”.
Em 1961, este forte serviu de centro de detenção e de tortura. Muitos luandenses presos na sequência do 4 de Fevereiro passaram pela prisão da fortaleza. E há relatos de que alguns presos foram atirados vivos, da esplanada inferior para o mar.
Em 1974/1975 a fortaleza de São Pedro da Barra voltou a ser utilizada como centro de detenção. Durante um curto período, forças estrangeiras ligadas à FNLA ocuparam o forte. Para lá foram levados muitos luandenses que eram submetidos à tortura e depois mortos. Muitos eram lançados das muralhas para o mar.
*Jornalista
Fortaleza Atacada pelos heróis de Fevereiro
Artur Queiroz*, Luanda
A Fortaleza do Penedo foi
construída para defender o porto de Luanda e fazer a contagem dos navios que
chegavam e partiam com suas preciosas cargas. O registo de navios chegou muito
mais tarde, quando foi decidido retirar essa função ao forte do Cacuaco. Os
angolanos conhecem esta fortificação por Casa de Reclusão e entrou na História
de Angola, porque foi um dos objectivos atacados pelos revoltosos do 4 de
Fevereiro de 1961. Os outros foram o barracão de zinco que alojava a Emissora
Oficial de Angola, ao lado dos Correios da Cuca, a cadeia de São Paulo e o
quartel da Polícia Móvel na Estrada de Catete, onde os combatentes
nacionalistas provocaram baixas ao inimigo.
A data da fundação da fortaleza é desconhecida. Mas documentos por mim
consultados revelam que em 1684 o governador e capitão general Luís Lobo da
Silva (1684-1688)“mandou que fosse reedificada”. Isso significa que já existia
antes uma fortificação, ainda que precária. Foi guarnecida com seis peças de
artilharia.
Em
O governador e capitão general
Manuel de Almeida de Vasconcelos 1790-1796) mandou ampliar a fortaleza,
dando-lhe a forma actual. Foi nesta época que a fortificação ganhou um pórtico
de cantaria, comas armas reais,
No centro das três armas está gravada a seguinte inscrição em Latim: Tempus et
tunda vorax, istam quam cernitis arcem jam prope colapsam sustinuere duo: Sousa
et Almeida primi debentur honores fulget nunc, hostis tempus e tunda tremunt –
Em frente da entrada do pórtico, na muralha da bateria superior, há uma lápide
com uma inscrição em verso onde pode ler-se esta inscrição: “este forte que vês
foi levantado/ Por Sousa ilustre, na memória eterno./ E pelo grande Almeida,
consumado/no quinto ano do seu feliz governo”. A lápide é de 1795.
Na parede foram inscritas estas palavras: “Subordinação Vigilância Limpeza”
conceitos muito caros aos militares.
A Fortaleza de S. Francisco do Penedo foi erguida em cima de um rochedo, nas
imediações da praia da Rotunda. Tem a forma de um pentágono irregular e forma
duas baterias. A bateria inferior foi armada com 37 canhoneiras a que
correspondiam outras tantas bocas de fogo. A bateria superior, designada por
“barbete” permitia assentar 23 canhões. Era muito fogo para
defender o porto de Luanda e manter os piratas longe da formosa capital da
então colónia de Angola.
Infantaria e Artilharia
As duas baterias eram ligadas por uma rampa com“ seis pés e três polegadas de
largura,
A bateria superior da Fortaleza de S. Francisco do Penedo “goza das vantagens
das baterias de costa”. As balas dos canhões eram atiradas sob o ângulo de
quatro a cinco graus e podiam atingir os navios inimigos “a cem toesas de
distância”.
O general Francisco Xavier Lopes inspeccionou a fortaleza em 1846 e recomendou
ao capitão general de Angola a instalação de “canhões Paixhans de calibre 24
por quanto atirando horizontalmente com projécteis ocos, ainda que o tiro seja
menos certo, basta que uma ou duas bombas acertem, para tirar a força moral à
guarnição do navio”.
A segunda bateria da fortaleza (interior) tem uma casamata à prova de bomba.
Esta medida de defesa tem uma justificação. Nesta zona estavam os paióis,
armazéns, quarteis da guarnição, as prisões, uma ermida consagrada a S.
Francisco e a cisterna, com capacidade para fornecer água durante um mês e
meio. A guarnição tinha nesta zona camaratas para 350 homens e ainda a casa do
governador, que era um major.
No relatório de inspecção do general Francisco Xavier Lopes é revelado que a
fortaleza tem“47 peças de artilharia, das quais seis de bronze, montadas em
reparos de sítio e de praça, e de marinha, em mau estado.
A guarnição nesta época era diminuta. O destacamento de infantaria tinha apenas
um oficial, um sargento, três cabos, um tambor e 32 soldados. Como as peças
estavam em mau estado, apenas existia um cabo e três soldados de artilharia.
Contagem de Navios
A Fortaleza de S. Francisco do Penedo defendia o porto de Luanda e no ano de
1820 passou a ter a responsabilidade de fazer a contagem de navios. Por isso,
não era aceitável a degradação existente. Para além da fortaleza existia
naquele tempo um anexo, também fortificado: O fortim de Nossa Senhora das
Necessidades que foi, durante muitos anos, armazém de pólvora.
O general Francisco Xavier Lopes, no seu relatório de inspecção propôs ao
governador e capitão general de Angola, que fossem instaladas na fortaleza do
Penedo 60 bocas de fogo mais três morteiros, 120 artilheiros e 250 infantes num
total de 370 homens.
O general descreve assim a fortificação: “toda a defesa desta fortaleza, é para o lado do mar, defendendo o ancoradouro e servindo de registo dos barcos que entram no porto de Luanda. Para o lado de terra há quatro peças que batem a ponte e quatro seteiras para fuzilar os que se dirigirem à porta, situada no meio do lado, que deita para SSO (Sul Sudoeste) que olha para a estrada”.
Foram estas peças e seteiras que
os heróis do 4 de Fevereiro de 1961 enfrentaram de peito ao vento, armados de
paus e catanas.
Fortaleza na Barra
O governador e capitão general de Angola, D. António Álvares da Cunha
(1753-1758) não estava satisfeito com a fortaleza do Penedo e andou fazer uma
fortificação “no meio da barra, fundada sobre grossa estacada, e grandes
pedras, que a fariam sólida e respeitável”. E as obras começaram. Mas o seu
sucessor, D. João Manuel de Noronha (1713-1717), abandonou o projecto, “por
isso o trabalho e a despesa, e obra tudo se perdeu”. Hoje essas fundações são
santuários de moreias gigantes!
A Fortaleza de S. Francisco do Penedo (Casa de Reclusão) foi reedificada e em
1846 as suas muralhas “estavam muito bem conservadas”. Para fazer o controlo
dos navios que aportavam a Luanda, tinha ao seu serviço um escaler, quatro
remadores, quatro carregadores e oito galés.
A alameda que liga à fortaleza foi restaurada e embelezada em 1845. Ficou uma
bela “boulevard” com exuberante arvoredo. Mas as calemas no cacimbo e as chuvas
torrenciais destruíam a faixa de rodagem. A formosa avenida foi construída
quando era governador e capitão general, D. António de Lencastre (1772-1779).
“A meia distância desta alameda fica o Passeio Público, construído pelo
governador e capitão general Motta Feo”. O general Francisco Xavier Lopes, no
seu relatório de inspecção diz que “é uma obra que deve servir de exemplo”.
Na época, o Passeio Público foi o mais importante centro social de Luanda, à
beira-mar, frequentado pela alta sociedade luandense, onde brilhava a
intelectualidade da burguesia negra, jornalistas e homens de letras, que
lançaram as sementes da liberdade e da independência.
O negócio da Pólvora
Ao lado da fortaleza existia o anexo fortificado de Nossa Senhora das Necessidades
que servia de armazém de pólvora. Francisco Xavier Lopes diz no seu relatório
que “toda a pólvora da colónia de Angola era aqui guardada”. Mas não apenas
aquela que tinha fins militares. Os comerciantes também guardavam nestas
instalações a pólvora que importavam e coma qual faziam negócio, sobretudo no
“Paiz dos Dembos” e no Congo.
Os particulares pagavam uma quantia mensal ao governador: “Cinco reis por cada
arrátel de pólvora que sai para o sertão o que monta mensalmente em20 a 25 mil
réis”. O general que inspeccionou a fortaleza dá-nos conta que existia também
um grande armazém fora das muralhas onde era guardado “carvão de pedra para os
cruzadores ingleses”.
Na época, Londres e Lisboa estavam de costas voltadas, precisamente por causa
das colónias portuguesas em África, e o general fez este comentário no seu
relatório: “Só a política pode explicar o modo por que se consentiu um tal
estabelecimento”. O armazém foi obra do governador Saldanha mas só foi
concluído pelo governador Vidal.
Monumento Nacional
A Fortaleza de S. Francisco do Penedo ou Casa de Reclusão é monumento nacional
e está sob responsabilidade do Ministério da Cultura. Em 2012, o Executivo quis
transformar a velha fortaleza no museu da resistência ao colonialismo, o que
fazia todo o sentido. Os nacionalistas que foram julgados
Depois de
Mas tendo sido a prisão dos que conspiraram contra o poder colonialista, antes
do 4 de Fevereiro de 1961, faz todo o sentido instalar na Fortaleza de S.
Francisco do Penedo o museu da resistência ao colonialismo antes que “o tempo
hostil e a onda voraz” a faça desaparecer para sempre.
*Jornalista
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