Joana Petiz | Diário de Notícias | opinião
“Um governo avalia-se pela composição ou pelos resultados?", perguntou o primeiro-ministro deste país enquanto enfrentava a moção de censura da semana passada, numa patética tentativa de desculpar o vergonhoso absurdo em que se transformou a sua maioria absoluta. À frente de um governo engordado por ilustres desconhecidos que em seu nome apenas têm para mostrar a militância ativa no Partido Socialista, não houve mais explicações sobre os "casos e casinhos" que têm escandalizado o país. Nem sequer indignação por parte dos seus correligionários - honrosas exceções feitas a Alexandra Leitão e Sérgio Sousa Pinto.
Sobre a nomeação e demissão de Miguel Alves para secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro apesar de estar acusado de corrupção, não se ouviu um pio. O caso da ex-administradora da TAP que ascendeu às Finanças, para o presidente do PS, Carlos César, não passou de uma "história indesejável". E ao próprio António Costa até ouvimos defender Carla Alves - "não está acusada de nada" - antes de as contas bancárias arrestadas no âmbito de uma investigação judicial a empurrarem, ao fim de 25 horas, para a porta de saída de um governo que em nove meses foi obrigado a substituir uma dúzia de pessoas envolvidas em polémicas e casos de polícia.
O facto de vir agora o PS em peso atacar Rita Marques só prova que pouco lhe importa esclarecer ou curar o que está podre; o que é urgente é desfocar da quantidade de casos graves consecutivos que têm chegado a público. A isso mesmo assistimos no debate parlamentar de ontem.
Por exemplo, o PM foi perentório na sua certeza "a 99,9%" da ilegalidade da conduta da ex-secretária de Estado do Turismo, contratada para um grupo turístico mês e meio depois de ser expulsa do governo por contradizer o seu ministro (apesar de o ter feito em defesa de Costa, apesar de o PM não o ter feito num momento muitíssimo mais grave, quando o seu então ainda ministro veio anunciar em despacho um projeto estrutural para o país sem aval do chefe do governo e que Costa foi mesmo obrigado a revogar). Mas ele próprio violou a Lei dos Primos, criada por ele em 2019 para pôr fim ao familygate - quando o seu anterior governo se reunia quase todo à mesa de jantar familiar -, ao ter Ana Catarina Mendes e o irmão, António Mendonça Mendes, na sua direta dependência no governo. Nomeações que desvaloriza como "perfeitamente compatíveis com as regras", apesar de ambos terem assento no Conselho de Ministros.
Por outro lado, António Costa mostrou-se ontem firme na sua recente convicção de que Alexandra Reis devia ter devolvido a indemnização recebida da TAP por uma questão de "ética republicana", mas em tempos que ele quer fazer esquecer, o próprio PM pôs um amigo sem vínculo ao governo a tratar do dossier TAP - que aliás insiste agora que não nacionalizou, antes comprou (o que se traduz numa nacionalização que custou dinheiro aos contribuintes na reversão da privatização, na compra do resto da transportadora e no buraco agora público que é preciso tapar antes de... a vender a privados). Ora há quem ainda se lembre que o mesmo Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo que António Costa acabou por nomear administrador da companhia aérea depois de negociar a reversão da privatização, acumulou esse cargo com as funções de consultor (lobista) contratado por uma das empresas do consórcio escolhido pelo governo para construir um megacentro de processamento de dados em Sines.
Voltando à pergunta original, um governo avalia-se pela consistência, pela seriedade e pela responsabilidade. Os meios para atingir os fins contam, a integridade tem valor - e ainda mais quando, como vai acontecendo nos já oito anos desta levada socialista, as grandes montanhas que se anunciam revelam normalmente parir ratos. Essa fatura há de chegar à conta de António Costa. E à caixa de correio do PS.
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