quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Portugal | OS PROFESSORES GANHAM MAIS DO QUE DEVIAM?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

Uma das coisas insólitas do debate público em torno da luta dos professores é aparecer frequentemente o argumento de que os professores auferem salários que se situariam acima da média do que ganham pessoas que trabalham em outras profissões com o mesmo grau de qualificações académicas.

Ouvi isso de opinadores ideologicamente conotados com a direita política, que, noutras alturas, quando ouvem opinadores mais à esquerda, como eu, falar do excesso de diferenças salariais entre quem está no topo das administrações das empresas e quem está na base da hierarquia (em várias empresas portuguesas do PSI20 a remuneração de topo chega a ser mais de 150 vezes a remuneração da base) rapidamente acusam ser essa uma análise suportada num "preconceito ideológico", num conceito social de "igualitarismo basista" e numa visão "niveladora por baixo", que atrasa o progresso da sociedade.

Passe a contradição de a direita aplicar a professores esse alegado "preconceito", esse "basismo" e esse "nivelamento" que não aceita aplicar a gestores, a verdade é que essa afirmação tem por base um relatório anual da OCDE intitulado Education at a Glance, que a Direção-Geral de Educação habitualmente resume e coloca no seu site, em português, com os destaques que entende serem mais relevantes.

Aí a imprensa vai buscar informação que já deu títulos como este (cito um do Expresso em 2020, mas a abordagem é generalizada): "Professores em Portugal ganham mais 40% do que a média dos licenciados (ao contrário do que acontece na maioria dos países da OCDE)"

Pelo meio fica esquecida uma leitura do mesmo relatório, na íntegra, como o de 2022, que está disponível em inglês, onde se explicam que os salários iniciais dos professores em Portugal, com valores corrigidos pela Paridade do Poder de Compra, são 3196 dólares anuais mais baixos que a média da União Europeia e 2598 dólares mais baixos que a média da OCDE, enquanto os salários de topo, nomeadamente das direções escolares, custam mais de 21 mil dólares por ano do que as médias da União Europeia e da OCDE.

Essa diferença entre o topo e a base, se for verdadeira, pode explicar por que é que a média final permite afirmar que os professores ganham mais 40% do que os licenciados de outras profissões, mas na verdade não prova que a esmagadora maioria dos professores esteja nessa situação, dada a distorção que a minoria que ganha o alegado salário de topo provoca, quando se compara com o resto da OCDE.

Além disso, parece-me que há um erro de base: quase todos os professores não são licenciados, são obrigados a ter um mestrado, um grau académico superior, e isso deveria mudar a comparação, que deveria ser feita com profissionais com mestrados e não com os licenciados.

Por exemplo, se aceitarmos como bons os dados do Livro Branco: Mais e Melhores Empregos para os Jovens, com dados de 2019, os jovens com mestrado em início de carreira ganham mais 22% do que os jovens licenciados e auferem, em média, 1617,16 euros.

Se formos ao site Pordata ver os salários dos professores em início de carreira, constatamos que a média do vencimento de um jovem professor é de 1030 euros, quase 600 euros abaixo da média nacional dos jovens com mestrado - e aí o argumento de que os professores "ganham mais do que os outros", com estudos idênticos parece cair pela base.

Se compararmos os salários dos professores com as outras carreiras especiais da Função Pública, para ver se por aí temos um termo de comparação fácil, descobrimos que os professores, afinal, ganham em média menos que os diplomatas, os professores de ensino superior, os militares, a GNR, a PSP, os médicos, os enfermeiros, os magistrados, mas mais do que os bombeiros e os guarda-prisionais.

E há uma coisa que o relatório da OCDE diz e que não vejo destacado neste debate sobre os salários dos professores: é que entre 2010 e 2021 o valor médio dos seus salários reais caiu mais de 5%, uma das maiores descidas da OCDE.

A utilização de leituras aparentemente objetivas de números para condicionar o debate político joga com o facto de, dada a complexidade dos dados envolvidos, ser impossível aos cidadãos e aos jornalistas fazerem uma contra-análise dos inúmeros estudos que aparecem, ou mesmo de procurarem dentro desses estudos e desses dados outros ângulos de apreciação que, porventura, contradigam ou deem outra explicação para o resultado obtido.

Não só os estudos, mesmo metodologicamente sérios, podem ser, à partida, orientados para conseguirem o resultado mais aproximado possível das intenções políticas de quem a encomenda (a pergunta para a qual se procura resposta, pode logo condicionar o resultado mediático), como a sua leitura pode ser ainda contaminada pelas convicções apriorísticas de quem os analisa. A batalha política sobre a Educação em Portugal (tal como sobre a Saúde) é uma constante vítima dessa perversão.

*Jornalista

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