domingo, 12 de fevereiro de 2023

DEFENDER “ESTA” EUROPA, PARA NOSSO AZAR

Hugo Dionísio [*]

Na reunião que levou este súbito multimilionário, agora 50% mais rico do que no início do conflito que opõe a NATO à Federação Russa, de acordo com os últimos Pandora Papers, foi possível ouvi-lo afirmar que “é esta Europa que defendemos no campo de batalha”.

Perante o regozijo, do batalhão composto por funcionários, capatazes e outros quadros intermédios do aparato político-corporativo que compõe a cúpula de poder da UE, encabeçado pela sua zelosa CEO Úrsula Von Der “Lata”; o comediante sem graça proferiu o seu vulgar discurso, como sempre, carregado de chavões propagandísticos, tão mais vazios quanto mais cheios estão os seus bolsos, com o papel execrável que desempenha.

Confrontado com a insuficiência de recursos e apoios para fazer face à sua defesa “desta” Europa, o comediante lá vai assumindo uma tónica catastrofista que não joga, minimamente, com o tom triunfalista, de quem dizia, em Setembro passado, que não perderia mais um metro quadrado que fosse, para o inimigo.

Em passo acelerado para completar a destruição do terceiro exército que a NATO lhe coloca ao dispor (o 1º foi logo no primeiro mês; o 2º foi no verão passado; o terceiro está a ir agora), e insistir na chacina de centenas de milhares, às mãos de um exército que decidiu provocar e combater; o comediante promovido a presidente, pelos poderes oligárquicos pró-ocidentais, desdobra-se em reuniões pedindo tudo o que dispare qualquer coisa, velho ou novo, funcionando ou não.

Lembro que a derrota do exército privado que tem ao seu dispor, montado com o dinheiro dos impostos dos europeus e americanos, longe de ser inesperada, era há muito anunciada. Só uma avaliação arrogante, auto-indulgente, imbecil e realizada por gente seguidista sequiosa de agradar aos seus chefes, poderia levar alguém a pensar que a FR é um país susceptível de se deixar vencer no campo de batalha. Tal como os EUA ou a RPC, a FR é um daqueles colossos orgulhosos da sua pátria e história, que prefere perder milhões dos seus filhos a sucumbir a um qualquer poder estrangeiro. A história demonstra-o à saciedade.

Foram e são muitos o que o disseram desde o início, foram e são muitos, os que hoje o passaram a assumir, foram e são muitos os que disseram que a retirada de Kharkov, não era uma derrota da FR, era o início do fim do exército da NATO na Ucrânia. A retirada táctica de Kherson, apresentada aqui como vitória, para além das dezenas de milhares de soldados mortos, que se esmagaram, em vagas sucessivas, contra o muro defensivo então montado, representou o ponto em que, o lutador, assenta bem os pés no chão, para passar ao assalto final. Na imprensa corporativa quase ninguém o constatou…

Hoje, perante os avanços diários em toda a frente, começa a ser indisfarçável o tom derrotista, que denuncia o desespero. Foi esse desespero que o comediante levou a Bruxelas. O que faz todo o sentido, pois ao fazê-lo, finalmente se assume por conta de quem esta marionete mandou para guerra centenas de milhares de jovens, filhos da classe trabalhadora, enquanto os seus fugiram para “esta” Europa, que lhes franqueou as portas, entrando através delas, todo o tipo de representantes das estruturas sociais criminosas que são características de um dos países mais corruptos do mundo. “Esta” Europa recebeu-os de braços abertos! Os trabalhadores ficaram a combater e a morrer por “nós”! É o conto que agora nos contam!

Mas que Europa, diz o comediante defender, no campo de batalha?

Coloca-se a questão de se saber se a Europa que é defendida no campo de batalha será, sequer, uma Europa que valha a pena ser defendida. No fundo, devemos perguntar, se esta Europa, não será tão indefensável, quanto o será incapaz, o mandatário belicoso contratado, de a defender. Se não estarão, os dois, um para o outro.

Começamos logo pela própria escolha do campo de batalha – o território ucraniano –, como sendo o terreno escolhido para a defesa “desta” Europa. Esta escolha, representa, em si mesma, a imagem da razão última, pela qual, “esta” Europa não pode, não deve, nem sequer mereça ser defendida! É que não foi “esta” Europa quem escolheu esta batalha; não foi “esta” Europa quem escolheu este campo de batalha! “Esta” Europa não escolhe, decide ou produz, por vontade própria, muito menos, dos seus povos. “Esta” Europa é apenas instrumento de vontades alheias. Merkel e Hollande bem representam “esta” Europa quando confirmaram o papel execrável que lhes foi encomendado e que tão grande honra mostraram em fazê-lo, mesmo contra a vontade dos povos europeus, ucraniano e da FR.

Como defender “esta” Europa, numa batalha em que actua como mero fio condutor de um poder que não é seu? De um poder que não lhe pertence? De um poder que não controla, mas que, ao invés, é controlada por ele?

A Europa que o comediante diz defender é uma Europa sem ligação à vida real, não passando de uma superestrutura desconectada da vida dos povos que a compõem, apenas funcionando, entre ambos, uma ténue ligação unidireccional, posicionada de cima para baixo, estabelecida pelos órgãos de propaganda institucional a que chamamos de Imprensa. Se a imprensa transmite aos povos as pretensões dessa Europa, manipulando e construindo o consentimento social necessário (o que Noam Chomsky escreveu sobre isto!), tão pouco esta Europa admite, que os povos resistentes ao consentimento construído, possam ter uma voz no desenho e aplicação das suas acções. Não é a eles que esta Europa responde.

Esta Europa responde mais acima, como um qualquer director corporativo responde ao seu CEO, ou este, aos seus accionistas, aqui transformados na elite oligárquica que financia, emprega, enriquece e suporta, como funcionários bem qualificados – nas universidades e colégios mais caros que só o dinheiro pode comprar – os directores que compõem “esta” Europa.

A Europa que muitos, enganadamente, pensam ver defendida nos campos de batalha do leste europeu, e que ontem o comediante disse defender, é a Europa que decidiu, sem qualquer discussão democrática, fazer todos os estados membros (com excepção da Áustria e Hungria) entrar em guerra com a FR. Num total desprezo pelas estruturas representativas nacionais, a cúpula da Comissão Europeia, um organismo sem base democrática, decide, em nome dos povos europeus, enviar milhares de milhões de euros de material bélico ofensivo que, directamente, nos coloca em guerra com os alvos finais de tais armas.

Não contente, é esta mesma Europa que decide que os nossos países, uma vez mais, sem qualquer discussão democrática, passem a ser usados como campos de treino para mercenários e emigrantes ucranianos, nesses territórios, colocando-nos como agentes directos do armamento, treino e envio de forças para o campo de batalha. Esta Europa, sem ouvir o povo Português, arrastou o nosso país para a guerra! Claro que, esta Europa, é também a mesma Europa que no seu âmago tem governos que não a comprometem, que não a questionam, ou lhe impõem limites. Esta Europa, é a Europa da desconsideração das soberanias, da independência e liberdade dos povos para decidirem do seu destino.

Acresce que, comportando-se como meros tentáculos “desta” Europa, como miúdos bem comportados numa escola militar, com medo de umas reguadas do professor, os governos nacionais “desta” Europa são os mesmos que não dizem uma palavra sobre o facto de, principalmente, a partir 2014, sabermos que a Ucrânia é um país dominado por milícias paramilitares – agora transformadas em tropas regulares – de extrema direita, e de se inspirar na doutrina, nos símbolos e na prática, na odiosa ideologia de Bandera, bem visível na profusão simbologia nazi por todo o país.

E se silenciar isto tudo é extremamente complicado para gente – como Santos Silva – que diz querer combater a extrema direita, esta Europa é a mesma que, enviando cada vez mais milhares de milhões de euros dos nossos impostos, nos diz, ao mesmo tempo, que temos de suportar o aumento das taxas de juro e a perda das nossas casas. Esta Europa, que o comediante diz defender no campo de batalha, convive optimamente com o crescente número dos homens e mulheres sem abrigo, que povoam as pontes e arcadas das nossas cidades mais ricas, enviando tanto mais dinheiro para a guerra, quanto mais o nega para o investimento público necessário, em habitação, saúde, segurança social ou educação.

E se, quando aprovam os inúmeros pacotes de “ajuda”, para uma guerra que visa proteger, não “a” Europa, mas “esta” Europa, não há défice que resista, quando se trata de responder aos graves problemas sociais que crescem de dia para dia, lá vem o Eurogrupo – mais uma estrutura oligárquica não eleita que manda nos ministérios das finanças – dizer “cuidado com défice”.

E não havendo défice que resista, também não há cativação ou contenção orçamental que não seja removida quando se trata de pagar milhares de milhões à Pfizer (cujos contratos se recusam a divulgar), construir altares megalómanos ou premiar os grandes grupos económicos com isenções e incentivos de toda a espécie, enquanto promovem a desregulação do trabalho, a precariedade e a manutenção dos salários em níveis inaceitáveis. É este o tipo de governo que vive “nesta” Europa.

Uma Europa que nos censura a comunicação social que não se limita a reproduzir os comunicados da NATO, Casa Branca ou G7, que persegue nas redes sociais e pratica a ideologia do cancelamento, contra todos os que têm a coragem de denunciar a sua corrupção moral, material e política.

Numa Europa em que, desde 2002, os salários cresceram em média 0,3%, mas os 1% mais ricos se apropriaram, no mesmo período, de mais de metade da riqueza produzida, enquanto assistimos a uma degradação, sem precedentes, das condições de vida; ainda temos de assistir a uma escalada belicista, que pode acabar em nuclear, que vem resultando, para já, na destruição e deslocalização da industria europeia, para engordar uma elite, de um país, que não se encontra neste continente, mas noutro.

Não, quem conhece a história e sabe que a Europa se reconstruiu, no pós guerra, maioritariamente por acção da energia e matérias primas baratas vindas da URSS e, mais tarde, da FR, processo iniciado na “guerra fria”, não pode acreditar que é a FR quem quer destruir o modo de vida europeu, quando tanto lucrava com ele. Quem destrói o modo de vida europeu é quem promove uma Europa, “esta” Europa, das divisões, dos blocos e das sanções.

E, quem promove “esta” Europa, da pilhagem dos povos, dos seus próprios povos, é quem se diz português, espanhol ou italiano, mas tem o sonho de estudar nas melhores universidades americanas e inglesas, dando voz a um complexo neocolonial, de que, o que é estrangeiro, é que é bom. E fazem-no, sabendo que, só por ali, e mesmo só por ali, acedem à cúpula de poder “desta” Europa. Pois é “só por ali” que recebem os ensinamentos que os amestram como bem-comportados – e acríticos – moços de recados. O selo de qualidade dos “melhores” colégios, das mais “prestigiadas” universidades anglo-saxónicas e das mais bem sucedidas corporações, equivale a uma mordaça, acompanhada de palas nos olhos. Faz… Mas nunca questiones. E se questionares, nunca o faças acima… E, acima de tudo, nunca, mas nunca, questiones a narrativa! A narrativa constitui o fio condutor da acção… Apenas da acção. Porque o pensamento, “nesta” Europa, não existe! Uma vez mais, arrepiante a precisão de 1984 de Orwell!

A Europa que o comediante diz defender no campo de batalha, é uma Europa que só pode ser ali defendida, porque é “esta” Europa! Fosse outra Europa, a “nossa” Europa, e não haveria sequer necessidade de a defender. Porque os povos nunca querem guerra. E quanto mais vejo o regozijo daquela cúpula europeia com a revelação de que “estamos todos em guerra”, mais me convenço disto mesmo. Quem quer a guerra, nunca é quem nela morre!

Ora, por ser o que é, “esta” Europa não merece defesa possível. A “Europa” do comediante não é a Europa dos europeus, é a Europa dos grandes interesses.

Não admira, portanto, que apenas gente como ele, corrupta, vende-pátrias, traidora dos seus povos irmãos, traidor da sua língua (este traidor foi criado e crescido a falar russo, perseguindo no seu país quem agora o fala), considere estar ali a defender tal Europa.

“Esta” Europa, é a Europa que nos oprime, é a Europa que nos mente, que nos censura e que nos desrespeita todos os dias. É a Europa que faz a guerra em vez da paz, que promove a discórdia ao invés da fraternidade, que divide para reinar!

O comediante está certo! É “esta” Europa que ele defende! Para azar do seu povo e do nosso!

P.S. O jornal Público vem dar uma notícia de que “há denuncias” de que Erdogan e Assad fizeram ataques hediondos aproveitando o terremoto! “Denuncias”… A tristeza em que se transformou este pasquim! Só mesmo um doente mental para não perceber o que se pretende com tais “denuncias”!

11/Fevereiro/2023

[*] Jurista. Telegram: https://t.me/canalfactual

O original encontra-se em canalfactual.wordpress.com/ .

Este artigo encontra-se em resistir.info

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