quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

JORNALISMO MORTO E CESSAR FOGO AOS TIROS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Jornalismo sem fontes não existe. Um jornalista sem uma agenda exclusiva de contactos (carnet) é um escriturário ou balconista do difícil comércio das palavras. Montar as fontes e mantê-las sempre limpas, desobstruídas, fluentes, é uma das mais importantes tarefas de um profissional. 

Os simpatizantes e não praticantes do Jornalismo confundem essas tarefas com ir para a cama com polícias, ladrões, magistrados judiciais, agentes do Ministério Público ou membros dos serviços secretos. Chamam a essa promiscuidade “jornalismo de investigação”. O resultado está à vista, mataram a profissão de jornalista. Assassinaram barbaramente o Jornalismo.

Os escriturários e balconistas do “ocidente alargado” vão à Ucrânia e entrevistam “vítimas” dos russos. Criancinhas, velhos amargurados, agentes da pide do Zelensky disfarçados de moradores das cidades destruídas. Mas ninguém, até hoje, entrevistou um deputado da oposição ou dirigentes dos partidos da oposição. 

A Ucrânia da liberdade deles prendeu o líder da Oposição, Viktor Medvedchuk, logo no início da operação militar especial. Ninguém nos países democráticos ocidentais manifestou sequer um ligeiro sobressalto. A infâmia atingiu um nível intolerável quando Zelenxky trocou Medvedchuk por prisioneiros nazis do Batalhão de Azov. 

Malé malé malé! Mas pior aconteceu hoje. No editorial do Novo Jornal o director oferece-se ao Miala para colaborar com o “serviço de informações”. Trabalhamos todos com informação. Precisamos todos de informação. Vamos colaborar! 

Nunca jamais em tempo algum um jornalista foi tão directo na venda da honra profissional. Se precisavam de mais alguma prova para terem a certeza de que o Jornalismo morreu e os jornalistas são meros escriturários ou balconistas, aí está. 

Seymour Hersh é um jornalista norte-americano que foi capaz de montar as suas fontes, ampliá-las e mantê-las sempre límpidas. Em 1969, publicou uma reportagem que teve forte impacto no mundo do Jornalismo. Denunciou, com factos indesmentíveis, o massacre de My Lai, no Vietname. 

Centenas de civis, desarmados, nem uma catana tinham, foram fuzilados pelos invasores no dia 16 de março de 1968. Ficaram estendidos na picada 504 vietnamitas. Um hediondo crime de guerra. O massacre aconteceu no distrito de Sơn Tịnh (província de Quang Ngai). Entre os fuzilados estavam 182 mulheres (17 grávidas) e 173 crianças! Mortos a sangue-frio. O jornalista Seymour Hersh contou tudo. Mostrou as imagens dos mortos. Foi galardoado com o Prémio Pulitzer de Reportagem Internacional, em 1970. 

O mesmo repórter voltou a incomodar os escriturários e balconistas do jornalismo quando publicou uma série de reportagens (textos e fotos) sobre a prisão de Abu Ghraib, onde militares e agentes da CIA torturavam prisioneiros iraquianos que se opunham aos ocupantes. O assunto foi rapidamente abafado, mas não conseguiram calar Seymour Hersh. Voltou a perturbar o estado terrorista mais perigoso do nundo quando contou a verdade sobre a morte de Osama Bin Laden, agente da CIA caído em desgraça.

Os propagandistas de serviço queriam promover o Presidente Obama de forma a ser eleito facilmente para um segundo mandato. E fizeram aquele filme que passou em todo o mundo, sem ninguém pôr em causa as fontes que eram a CIA e do Pentágono, logo contaminadas e inválidas. 

Hersh revelou que o chefe da Al Qaeda foi capturado pelos paquistaneses em 2006 e mantido prisioneiro durante cinco anos. O assassinato de Bin Laden pelos norte-americanos, em 2 de Maio de 2011, foi negociado com o Paquistão. Pagaram 25 milhões de dólares. Foi morto, metido num helicóptero e atirado sobre a cordilheira Indocuche, num lugar inacessível, entre o Paquistão e o Afeganistão. 

O “filme” divulgado pelo estado terrorista mais perigoso do mundo mete os rambos disparando numa casa onde supostamente Bin Laden vivia. E Washington pôs a circular que o seu corpo foi atirado ao mar. Tanto quanto apurei, a aldrabice não foi candidata aos Óscares. E a reportagem de Seymour Hersh foi abafada. Amarrada nos subterrâneos do esquecimento.

O atestado de óbito mais terrível à morte do Jornalismo foi passado também por Seymour Hersh quando publicou material sobre a sabotagem do Nord Stream. Televisões, rádios e jornais de todo o “ocidente alargado” garantiram que o gasoduto foi sabotado pelos russos. Alguns escriturários, balconistas, analistas e comentadores ainda lembraram, timidamente, que Moscovo não tinha necessidade de sabotar um equipamento que lhe custou 11 biliões de euros. Bastava fechar a torneira na origem. 

Os sabotadores foram mergulhadores da marinha dos EUA que colocaram explosivos “C4” no gasoduto durante um exercício naval conjunto da OTAN (ou NATO), em Junho do ano passado. Três meses depois, os explosivos foram detonados através de um dispositivo lançado por um avião da marinha de guerra norueguesa. Alguém deu a versão de Hersh? Ninguém. Mas deram grande espaço e tempo de antena à Casa Branca que considerou a reportagem uma fantasia! 

O Presidente João Lourenço está a participar na Cimeira da União Africana. Já teve várias reuniões no âmbito do Conselho de Paz e Segurança. Recordou que do acordado em Luanda para acabar com o conflito entre a RDC e o Ruanda “o único ponto cumprido foi o cessar-fogo, sendo agora importante definir o acantonamento dos rebeldes M23 até se encontrar uma situação estável na fronteira entre os dois países”.

Sinceramente. Juro mesmo! Espero que sua excelência e sua família não se desloquem ao Leste da RDC no meio daquele “cessar-fogo”. Pode acontecer uma desgraça! 

* Jornalista

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