O ex-presidente do parlamento são-tomense, Delfim Neves, rejeitou a conclusão do Ministério Público de que o assalto ao quartel militar, de 25 de novembro, foi motivado por vingança do mentor do crime devido a negócios.
"Como é que uma pessoa vai planificar uma coisa dessa por estar chateada com Delfim Neves? Delfim Neves está no poder? Essa teoria só seria válida se essa inventona ou intentona acontecesse quando eu estava na função de presidente da Assembleia Nacional. Se me disserem que essa armação estava a ser preparada contra Delfim Neves, eu estava de acordo. Agora depois de o Delfim Neves já não estar no poder ele vai fazer uma coisa dessa para vingar Delfim?”, questionou esta sexta-feira (24.02) o ex-presidente do parlamento são-tomense.
Delfim Neves foi ilibado pelo Ministério Público (MP) no caso do assalto ao quartel militar, em novembro, em que foi implicado por Arlécio Costa, orquestrador do ataque e morto sob custódia militar, segundo a acusação divulgada na quinta-feira pela Procuradoria-Geral da República.
Sobre a motivação do assalto ao quartel - que o MP acredita que seria a primeira etapa de uma tentativa de "subversão da ordem constitucional" - estava em causa a propriedade de terrenos atribuídos a Arlécio Costa e outros "ex-búfalos” envolvidos na tentativa de golpe de 2003, após uma amnistia.
Como tudo aconteceu
Os "ex-búfalos” receberam dois talhões de terreno, na Praia das Conchas, no norte da ilha de São Tomé, "em zona de elevado potencial turístico e valor económico”, que deveriam explorar mediante o pagamento de rendas anuais.
Os envolvidos constituíram em
Também integrou, fundou e apoiou vários partidos políticos e, mais recentemente, aderiu ao movimento Basta, de que faz parte Delfim Neves, "com o único propósito de coligir apoio e influência política que lhe permitisse ultrapassar o problema”.
Em março de 2021, o Estado são-tomense voltou a conceder os terrenos, desta vez à pessoa coletiva CNN – Clube Nacional de Negócios, de Delfim Neves, que, menos de dois meses depois, vendeu a empresa, "valorizada em virtude de tais concessões, a um grupo de investidores estrangeiros encabeçado por Titus Gebel, de origem alemã, mediante elevadas contrapartidas”.
Esta venda "aumentou o descontentamento e a revolta do falecido Arlécio Costa, expressos por escrito ao então presidente da Assembleia Nacional, determinando o afastamento entre ambos e motivando o falecido a congeminar e desencadear o assalto ao Quartel do Morro”.
"A única pessoa que falou sobre o eventual caso do terreno fui eu. Não foi o Arlécio nem nenhum outro membro envolvido nesse processo, e quando falei no Tribunal é sobre a oportunidade temporal de colocarem-me numa espécie de grande relação de amizade com o Árlecio […] e que naquela altura não havia esta relação. Que fique bem claro, aqui não está [em causa] nada de venda de terreno”, sublinhou hoje Delfim Neves em conferência de imprensa.
Um dos advogados do ex-presidente do parlamento são-tomense acrescentou que "não foi Arlécio que disse que houve alguma relação entre ele e o Delfim Neves”.
"Aliás ele está falecido e nós não temos nenhuma palavra dita por si, diretamente. Quem disse isso é o outro arguido e sobre tortura [..] por isso são informações que nenhum dirigente do Estado que se preze usaria”, referiu Pedro de Carvalho, acrescentando que durante os cerca de três meses de investigação, Delfim Neves "nunca foi ouvido pelo Ministério Público”.
"Devo também lamentar de forma muita clara a atitude dos responsáveis do Estado que precipitadamente fizeram declarações fúteis e de muita irresponsabilidade, quando antes mesmo da conclusão falavam da possibilidade de golpe de Estado, citaram nome de algumas pessoas envolvidas, nalguns casos intencional […] hoje fica provado que não é minimamente verdade aquilo que disseram”, disse Delfim Neves, ladeado por quatro dos seus advogados.
Na manhã de 25 de novembro, o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, anunciou que o ataque tinha sido neutralizado e que Delfim Neves tinha sido detido, afirmando que "tudo indica" que o ataque ocorreu "a mando de algumas personalidades".
Delfim Neves vai pedir indemnização contra o Estado
Além da queixa-crime e pedido de indemnização apresentada contra o chefe do Governo por difamação e calúnia, o advogado Hamilton Vaz disse que Delfim Neves vai pedir indemnização contra o Estado são-tomense.
"Quiseram matar o Delfim Neves fisicamente e psicologicamente. Todo o são-tomense sabe dos danos que esse cidadão sofreu, fustigado em praça pública, quiseram acabar com a sua carreira política e acabar fisicamente com esse cidadão que já esteve no corredor da morte”, enfatizou Hamilton Vaz.
Outro advogado, Carlos Semedo, explicou que a "ação de indemnização contra o Estado” será fundamentada por terem detido Delfim Neves "sem mandado judicial, fora do flagrante delito” e ainda porque a estrutura militar, o Ministério Público e a Polícia Judiciária, "mantiveram o sequestro do Delfim Neves, que só cessou” quando foi apresentado ao juiz de instrução criminal, quatro dias após a detenção pelos militares.
"Nós vamos levar isto até a última consequência. O Estado vai ter que indemnizar, e saibamos todos que mesmo essa indemnização não vai ressarcir os danos que esse cidadão e a sua família sofreram”, disse o jurista Hamilton Vaz.
"Vamos agora verificar se o primeiro-ministro tem a maturidade de pedir desculpa pública em toda a televisão da acusação que fez contra a pessoa do Delfim Neves. Ao mais alto magistrado da Nação, refiro-me ao Presidente da República, Carlos Vila Nova […] merece pedir uma desculpa pública ao cidadão Delfim Neves e à sua família”, acrescentou o advogado.
Na madrugada de 25 de novembro, quatro homens atacaram o quartel das Forças Armadas, na capital são-tomense, num assalto que as autoridades classificaram como tentativa de golpe de Estado. O oficial de dia foi feito refém e ficou ferido com gravidade devido a agressões.
Três dos quatro atacantes detidos pelos militares, e Arlécio Costa, um antigo combatente do batalhão sul-africano 'Búfalo' - detido posteriormente, em casa -, morreram horas depois no quartel.
Fotos e vídeos dos homens com marcas de agressão, ensanguentados e com as mãos amarradas atrás das costas, ainda com vida e também já na morgue, e com militares a agredi-los, foram amplamente divulgadas nas redes sociais.
O Ministério Público são-tomense acusou esta quinta-feira dez arguidos, nove militares e um civil, pela prática, em coautoria e concurso efetivo, de um crime de alteração violenta do Estado de Direito, sete crimes de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, um crime de sequestro agravado e um crime de detenção de arma proibida, no caso do ataque ao quartel-general.
Sobre o processo relativo à morte dos quatro homens, com 20 arguidos, 11 dos quais em prisão preventiva, o MP esclareceu que "se prevê para breve a dedução do respetivo despacho de encerramento da instrução preparatória, terminando o prazo máximo para o efeito a 18 de março, ou seja, três meses depois da primeira detenção efetuada".
Segundo o MP, em ambos os processos, a investigação dos factos foi delegada e realizada pela Polícia Judiciária, coadjuvada pela Polícia Judiciária portuguesa, com a supervisão do Ministério Público de São Tomé e Príncipe, que beneficiou para o efeito do apoio formativo e técnico de magistrados do Ministério Público português".
Deutsche Welle | Lusa
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