Rui Gustavo, jornalista | Expresso (curto)
Antes que me esqueça: se é
assinante do Expresso (se não for, este é um excelente pretexto para
passar a sê-lo), não deve perder o “Junte-se à Conversa” de amanhã, 22 de
março. Às 14h, o diretor-adjunto David Dinis e o editor de Economia João
Silvestre conversam sobre “Apoios às famílias: as medidas temporárias chegam?”.
Pode participar clicando nestas letras azuis.
Bom dia da poesia,
Num dos inícios mais reconhecíveis da história da literatura, Gabriel García
Márquez avisa: “No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30m
da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo.” Donald Trump nunca será
comparável ao imaginativo autor de “Crónica de uma Morte Anunciada”, mas predisse no último fim de semana que seria preso hoje por
causa de uma investigação da procuradoria-distrital de Manhattan a um
alegado pagamento secreto a Stormy Daniels, uma atriz pornográfica
que se terá envolvido romanticamente com o ex-presidente dos Estados
Unidos da América dez anos antes das eleições presidenciais de 2016 que o
colocariam, algo chocantemente, na Casa Branca.
De acordo com o que escreveu na sua rede social Truth Social (este nome é mesmo
verdade), Trump terá tido acesso a uma “fuga de informação ilegal” do
gabinete do procurador de Manhattan que referia a prisão iminente de um
“ex-presidente” e “candidato” à liderança do país. Ou seja, ele.
Mais do que adivinhar o que seria a sua morte política – se for mesmo
detido, será o primeiro ex-presidente americano a passar por esta experiência
sempre desagradável – Trump apelava a uma espécie de levantamento dos seus apoiantes:
“Protestem, tragam de volta a nossa nação.” A retórica é semelhante à que
precedeu a invasão do Capitólio a seguir às últimas eleições que o magnata
perdeu para o atual presidente americano, Joe Biden. Ainda ontem, um tribunal americano condenou seis participantes
nessa invasão. É a quarta vez que apoiantes de Trump são condenados em
tribunal por causa dos acontecimentos que provocaram a morte a cinco
pessoas, entre polícias e manifestantes.
Alvin Bragg, o procurador que dirige a investigação a Trump, não confirmou nem
negou a prisão anunciada pelo suposto alvo, mas segundo o jornal Politico, garantiu ao próprio staff que “não”
irá “tolerar” qualquer “intimidação” por parte dos apoiantes do
ex-presidente americano que lidera as sondagens para ser o candidato
republicano nas próximas presidenciais.
Mas quais são, afinal, as suspeitas contra o 45º presidente americano?
Segundo o New York Times, a equipa liderada por Bragg estará prestes a concluir uma investigação por falsificação de documentos e violação da lei eleitoral que tem como principal suspeito Donald Trump. E acredita ter indícios suficientes para acusar criminalmente o ex-presidente. É a primeira vez na história americana que isso acontece.
A história começou em outubro de 2016 quando Stephanie Clifford, o nome de batismo da atriz de filmes para adultos, recebeu dinheiro para negar ter tido um caso com o então candidato dez anos antes do ato eleitoral. As autoridades suspeitam que Trump terá pagado o silêncio de Stormy com 130 mil dólares pagos através do ex-advogado do político, Michael Cohen. O advogado começou por negar o pagamento, mas deu-se como culpado e confessou os pagamentos a mando de Trump. Na altura, não houve qualquer acusação.
O candidato venceu mesmo as eleições. E neste momento é investigado em quatro processos diferentes. Mas será sua autoanunciada prisão mais uma fake-news lançada para condicionar a justiça? Essa é a pergunta de um milhão de dólares a que a imprensa americana desta madrugada ainda não sabe responder. Pelo sim, pelo não, um responsável da NYPD garantiu ao NY Times que a polícia “está pronta” para manter a segurança dos nova-iorquinos. E Trump assegurou através de um porta-voz que se entregará se for intimado.
Na obra de Márquez, Nasar é mesmo assassinado à facada pelos irmãos Vicario sem que a cidade, que sabia do plano para o matar, levante um dedo para o salvar.
A esta hora que recebe o Curto – são quatro e meia da manhã
OUTRAS NOTÍCIAS
O corpo de Rui Nabeiro desce à terra hoje ao meio dia. O homem unânime, que nasceu pobre, foi contrabandista e
criou uma multinacional do nada, é enterrado no Cemitério Municipal
de Campo Maior, vila do interior alentejano onde ergueu o império dos Cafés
Delta e que decretou cinco dias de luto. Partiu aos 91 anos, de insuficiência
respiratória, e em 2021 já tinha entregado a liderança do grupo a um dos netos, Rui Miguel Nabeiro. O empresário foi elogiado pelo
primeiro-ministro, António Costa, que o considerou “inspirador” e pelo
presidente Marcelo que destacou a sua "preocupação social e
participação cívica". Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da
República, prevê que “permanecerá na memória de todos”. O futuro do grupo continuará nas mãos da família.
A TAP está no ar: a companhia aérea portuguesa, mergulhada
em mais uma crise politica, voltou aos lucros dois anos antes do previsto e
registou mais de 65 milhões de lucros, o primeiro resultado positivo em cinco
anos. A empresa ainda presidida por Christine Ourmières-Widener (despedida na
sequência do caso Alexandra Reis) reportou também um crescimento do
número de passageiros transportados, de 5,8 milhões em 2021 para 13,7 milhões
em 2022.
O Ministério Público decidiu adensar o drama à volta do motim no NPR
Mondego e adiou sem grandes explicações o interrogatório dos 13 marinheiros que recusaram a
ordem do comandante para seguir um navio russo suspeito de espionagem alegando
falta de condições de navegabilidade da embarcação. O caso provocou a fúria
pública do CEMA, almirante Gouveia e Melo, que acusou os homens de
“insubordinação” e, pior, “ingenuidade”.
O presidente da Câmara de Lisboa inaugurou com alguma pompa e até uma
certa circunstância uma residência oficial para estudantes no Campo
Pequeno. “Trabalhamos diariamente para aumentar a oferta de habitação:
através do setor público e do privado, do setor social e cooperativo",
elogiou-(se) Carlos Moedas na cerimónia em que descerrou uma placa alusiva à
ocasião. Detalhe: segundo o Polígrafo/SIC, os quartos mais pequenos da
Nido (é o nome do empreendimento), com 12 metros quadrados, custam €695 por mês.
Os mais caros custam 1096 euros mensais e a área não aumenta por aí além:
O Governo francês nomeado por Emmanuel Macron sobreviveu a duas moções de censura e o aumento
da idade de reforma dos 62 para os 64 anos vai mesmo avançar. Para hoje, estão
previstos mais protestos que têm descambado em confrontos violentos com a
polícia. Lembrete: em Portugal, a reforma começa aos 66,4 anos e não
houve grande agitação social por causa disso.
Xi Jinping e Vladimir Putin estão numa relação. O presidente chinês precisa de amigos e cumpre hoje o
segundo dia de visita a Moscovo.
Hoje é Dia Mundial da Síndrome de Down. Para assinalar a data, o Café Joyeux, que emprega pessoas com deficiência, lança
uma campanha em que desafia todos os portugueses a usar uma meia diferente em
cada pé.
FRASES
"Aproximando-me do fim e a minha saudade era de poder viver mais tempo"
Rui Nabeiro, na hora do adeus
“O pacote da habitação é inoperacional”
Marcelo Rebelo de Sousa
amuniciando a morte do programa do Governo para resolver a crise da habitação.
“A humanidade caminha sobre gelo fino e este gelo está a derreter-se
rapidamente”
António Guterres, secretário-geral
da ONU, dando mais um aviso sobre a morte anunciada do planeta.
"É absolutamente inédito e inaceitável que um comandante militar, perante
um caso de insubordinação, faça uma espécie de comício e num barco, numa
cerimónia militar, convidando a televisão, a rádio e os jornais."
Pacheco Pereira, sobre o
almirante Gouveia e Melo e a forma como o militar popularizado pela campanha de
vacinação viu no motim do NRP Mondego uma sabotagem às suas aspirações
políticas.
“Quando a autoridade de recurso, em termos disciplinares, toma publicamente uma
posição, evidentemente (…) esse processo disciplinar está ferido de morte
porque nenhum oficial da Marinha se vai atrever a contrariar, nas suas
conclusões desse processo disciplinar, as conclusões que o senhor almirante já
avançou.”
Garcia Pereira, advogado de
defesa dos amotinados.
“Alguém me perguntou uma vez se quando estou em casa sou igual à pessoa que o
público vê
David Gahan, vocalista dos
Depeche Mode, num momento “People are People”.
“De acordo com o Direito Internacional, um povo define-se pela História,
cultura, língua, moeda e liderança. Quem foi o primeiro rei palestiniano? Qual
é a língua palestiniana? Houve alguma vez uma moeda palestiniana? Existe
História ou cultura palestinianas?”
Bezalel Smotrich, ministro das Finanças israelita, defendendo a tese de que o
povo palestiniano “não existe”. Este original pacifista é líder do Partido
Sionismo Religioso.
O que eu ando a ler
“Mais receitas do que barriga”
Matthew Schneier
“O Milagre das Canetas Para Emagrecer”
Luís Pedro Nunes
Estes artigos da revista do Expresso foram publicados nas duas últimas semanas
e o tema é o mesmo: o Semaglutido. Um milagre em forma de caneta / seringa que,
apesar de ter sido criado para tratar a diabetes, está a ser usado no mundo
ocidental para conseguir o que todo o homem e mulher modernos perseguem: a
magreza, o ventre plano, o corpo instagramico. São cinco quilos a menos sem
qualquer esforço, garante o artigo publicado há duas semanas que descreve a
feira das vaidades americanas povoada por gente magra e feliz por ser magra.
Nem sempre funciona, avisa o cronista da E que inchou como um dirigível até
desistir da nova panaceia. O perverso deste método – além dos afeitos
secundários que vão da diarreia à obstipação, passando pelos enjoos e as
erupções cutâneas – é que o uso paralelo está a esgotar o medicamento para quem
realmente precisa: os diabéticos.
Por hoje – dia da poesia, relembro – é quase tudo. Despeço-me com “Arte
Poética”, de Adília Lopes:
Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer
Ah: as sempre avisadas sugestões da equipa multimédia do Expresso:
PODCASTS A NÃO PERDER
Mistérios que o capital tece: "o aventureirismo" sem limites dos banqueiros e a "pior geração de políticos europeus" em cem anos. O fantasma da crise na banca voltou e deixou à vista perigos que se julgava estarem ultrapassados. O tema está em destaque em Miguel Sousa Tavares de Viva Voz. Não faltam críticas aos gestores bancários, aos supervisores e aos Governos, "sempre dois passos atrás da banca". O cronista diz que os problemas se agravam numa Europa de más lideranças que "só tem olhos para a guerra"
Com ou sem crise mundial, seguimos por caminhos apertados? No Economia Dia a Dia, novo podcast diário do Expresso, Teresa Amaro Ribeiro conversa com Isabel Vicente, jornalista do Expresso, sobre uma possível crise mundial, depois da queda de três bancos americanos e do tremer de um suíço. Quais foram as razões, o que nos espera o futuro e o impacto da crise do Credit Suisse
O que é feito da Síria? Em guerra há 12 anos, o ordenado médio dá para dois dias e o terrorismo continua a fazer vítimas. O conflito está relativamente congelado, mas a vida de quem ficou no país é ainda pior hoje do que era nos piores dias da guerra: falha a água corrente, proliferam doenças que já não são deste tempo, a luz vem e vai, a comida tem preços incomportáveis para 80% da população. Em O Mundo a Seus Pés, Ana França recebe Ghalia Taki, síria residente em Portugal, e Cátia Moreira de Carvalho, especialista em movimentos extremistas
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