quarta-feira, 3 de maio de 2023

Portugal | Qual é a tua, ó meu? Andares a dizer “Quem manda aqui sou eu”!*

Pedro Cordeiro, editor da Secção Internacional | Expresso (curto)

Bom dia!

Antes de mais um convite: hoje, 3 de maio, às 14h, Junte-se à Conversa com David Dinis, Paulo Baldaia e Vítor Matos. Desta vez sobre “A crise do Governo e os limites do Chega”. Inscreva-se aqui.

A de ontem foi uma noite para political junkies, como dizem os camaradas da secção de Política do Expresso. João Galamba esteve demissionário, mas menos tempo do que Paulo Portas há dez anos, durante a crise do “irrevogável”. Dessa vez foram dias, agora escassas horas. Intensas, e a equipa cá de casa esteve em direto a explicar tudo o que se passava.

O ministro das Infraestruturas pediu a demissão ao início da noite, em prol da “necessária tranquilidade institucional”, devido à perceção pública do caso do assessor Frederico Pinheiro, por si exonerado e que alegadamente protagonizou cenas de violência no Ministério. Galamba assegurava “em momento algum ter agido em desconformidade com a lei ou contra o interesse público” ou ter sonegado dados à comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP, e pedia desculpa aos afetados por esse episódio.

António Costa surpreendeu grande parte do país quando, pouco depois, recusou a demissão. Explicou o primeiro-ministro que “seria muito mais fácil seguir a opinião unânime dos comentadores, ouvir a generalidade dos agentes políticos e aceitar a demissão”, mas tal violaria a sua consciência. Entregar de bandeja a cabeça de Galamba seria “dançar a dança do populismo”. Na visão do chefe do Executivo, o ministro “não fez nada de mal”. Também Costa pediu desculpa pelo ocorrido no Ministério, responsabilizando o assessor afastado, a quem acusa de ocultar informações à Assembleia da República.

“Lamento desiludir os que vou desiludir”, ironizou Costa, para afirmar o seu poder: “Cabe-me a mim decidir”. A ele e não ao mais ilustre dos comentadores nacionais, o que preside à República. Marcelo Rebelo de Sousa não demorou a reconhecer que “não pode exonerar um membro do Governo sem ser por proposta do primeiro-ministro”, sublinhando que discorda de Costa “quanto à leitura política dos factos e quanto à perceção deles resultante por parte dos portugueses, no que respeita ao prestígio das instituições que os regem”. Ou seja, por ele Galamba saía. Ou talvez nem devesse ter entrado.

Ao afrontar em público o Presidente, Costa eleva a parada e não segue o aviso com que o David Dinis recordava a demissão, há 23 anos, de Armando Vara por pressão do Presidente Jorge Sampaio. Ouvi, bem entrado o serão, análises de quem acha que o primeiro-ministro confia que Marcelo não tem trunfos para ripostar, já que dissolver a Assembleia da República seria de alto risco (o PS podia ganhar; a aritmética parlamentar subsequente tornar o país ingovernável; ou, pior, abrir as portas do poder à extrema-direita, a quem o PSD as fechou, mas não trancou, no entender até de militantes laranja. Há ainda quem creia que Costa quer ir já a votos, antes que seja pior para o PS.

Em relação a Belém, cujo inquilino vai estar fora do país entre sexta e quarta-feira que vem, há igual cisma: uns garantem que o Presidente retaliará, sob pena de perder autoridade; outros asseguram que preferirá deixar queimar o Governo em lume brando, aguardando pelo fim da comissão de inquérito (onde o PS foi criticado) ou, quiçá, que algo mexa no PSD e o partido que Marcelo um dia liderou se torne alternativa a Costa. Estará Marcelo sequestrado, como defende no “Público” a Ana Sá Lopes? O desafio à autoridade presidencial é inegável, explica a Rosália Amorim no “Diário de Notícias”.

A maior formação da oposição foi a única representada no Parlamento que não reagiu de viva voz à demissão abortada. Um curto comunicado promete algo pelas 12h30, após reunião interna, e critica um Governo “sem liderança efetiva, com inegável falta de autoridade e numa tentativa teatral de ultrapassar tantas fragilidades”. Do líder social-democrata, ficou um tweet que depressa perdeu atualidade, a celebrar a saída de Galamba quando esta já fora revertida. A IL e o Chega consideram que o Executivo chegou ao fim; o PCP, o BE e o PAN preferem criticar a política do Governo; e o Livre recusa bravatas.

O título deste Curto é tomado de empréstimo a uma célebre canção de José Mário Branco, a quem saberá sempre bem recordar e homenagear no mês de maio

Outras notícias

PONTA DELGADA Os Açores podem ser a região europeia que mais cresce graças aos fundos comunitários, anunciou a Comissão Europeia e noticia a Joana Nunes Mateus.

KIEV O Presidente da Assembleia da República esteve na capital da Ucrânia, como lhe contámos na cobertura minuto a minuto da guerra. Augusto Santos Silva não levou na delegação o PCP (que também não queria ir) nem o Chega (a quem pune pela má-criação na recente receção a Lula da Silva). A segunda figura do Estado defendeu ainda que pode chamar a polícia para expulsar deputados desrespeitadores.

FARO A capital do Algarve é a cidade portuguesa com mais alunos estrangeiros. É em Loures que mais se chumba e em Lisboa que há mais desigualdade, escrevem as camaradas Isabel Leiria e Joana Pereira Bastos, que estudaram dados do Ministério da Educação.

PEQUIM O vice-presidente da China estará a fazer as malas para ir à coroação de Carlos III, em Londres, de onde seguirá para Lisboa. A Salomé Fernandes explica o sentido da visita de Han Zheng.

LISBOA Alunos de escolas de Lisboa retomaram as ocupações para exigir ação em relação às alterações climáticas. A Carla Tomás viu tudo, ao ritmo de “Terra Ciao”, nova iteração de uma canção que serve para tudo.

PARIS Houve feridos nos protestos do 1º de Maio em França. A repórter Mariana Abreu esteve lá, a acompanhar uma equipa de voluntários socorristas.

CASCAIS Um juiz exige uma avaliação médica independente de Ricardo Salgado, para apurar se o antigo dono do BES está ou não incapacitado, como alega a sua defesa, escrevem Liliana Valente e Rui Gustavo.

Frases

“As mesas eleitorais são asseguradas por mulheres. Mas os coordenadores eram sempre homens. Este é um bocadinho o retrato do Paraguai. Para o trabalho de base as mulheres”
Maria Manuel Leitão Marques, eurodeputada portuguesa que fez parte da missão de observadores às eleições do Paraguai (onde ganharam os do costume), convidada de um episódio extra do podcast “O Mundo a Seus Pés”, moderado por Manuela Goucha Soares

“Com o aproximar do fim da guerra na Síria, poder-se-ia aproveitar para fazer um balanço da Primavera Árabe. E é evidente que é uma desilusão. Há países em guerra civil, outros no caos, outros de volta a situações ditatoriais mais ou menos disfarçadas”
Leonídio Paulo Ferreira num artigo para o “DN” sobre um gorado sonho de liberdade há 12 anos

O que ando a ler, ver e ouvir

Nos últimos dias dias li sofregamente “O Retrato de Casamento” (disponível em português na Relógio d’Água), da norte-irlandesa Maggie O’Farrell, a quem no ano passado elogiei neste espaço “Hamnet” (que, by the way, tem agora versão teatral). A escritora mantém-se no romance histórico e a atenção que ali deu ao filho de William Shakespeare é dada agora a Lucrezia de Medici, duquesa de Ferrara. Num enredo recheado de intrigas palacianas na Itália renascentista, de novo com um protagonista de vida efémera, O’Farrell prende o leitor com descrições detalhadas da corte, diálogos de ritmo acelerado e divagações internas mais alongadas. Presa está também a miúda a quem aos 15 anos casaram com um homem poderoso e que às tantas se convence de que este quer matá-la. Recomendo convictamente.

Vou esta tarde à Culturgest ver o documentário “A casa de dentro de Carlos Nogueira”, realizado por Luís Alves de Mato. O assunto é o percurso e o processo artístico de um homem singular de quem tive a sorte de ser aluno e a quem tenho a fortuna de chamar amigo. Feita a declaração de interesses, o filme de cerca de uma hora revela um artista multidisciplinar, a sua obra e a estreita relação de um e de outra com o seu espaço de viver e trabalhar.

Na música, ando encantado com o sul-africano Bongeziwe Mabandla, que descobri através de alma generosa que partilhou canção sua nas redes sociais (e a quem agradeço penhorado, embora não me recorde de quem foi). Compõe em idioma isiXhosa, com forte inspiração nos desafios que a vida lhe impôs e recuperando e trazendo para o presente os sons tradicionais da província do Cabo leste. Lança esta sexta-feira um novo álbum, o seu quarto, com o ítulo “amaXesha”, ou seja, “Tempos”. O diário inglês “The Guardian” já ouviu e gostou.

Noutro estilo e mais perto de casa, Peu Madureira estreia-se em disco com “Espera”. Desde cedo ligado ao fado, mas não por ele manietado, o cantor português deu-se a conhecer no Festival RTP da Canção de 2018, com a belíssima “Só por ela”. Agora brinda-nos com pouco mais de meia hora da sua doce voz.

Despeço-me com estas sugestões, a que acrescento abaixo as da equipa de podcasts do Expresso. A palpitante atualidade nacional e internacional continua à sua disposição no Expresso, enquanto vamos preparando a edição impressa para depois de amanhã. Até lá, até breve e até sempre!

Podcasts a não perder

É sobre crises, sobre lidar com o inesperado, sobre capacidade de adaptação, sobre o papel do líder nestes momentos e sobre estigmas que esta semana falamos. Neste episódio de O CEO é o Limite recuamos ao momento mais crítico da pandemia e à chegada das primeiras vacinas ao mercado. Ouça o podcast que contou com Paulo Teixeira, CEO da Pfizer em Portugal.

Com o novo romance, “Um Cão no Meio do Caminho”, a escritora Isabela Figueiredo aponta desta vez o foco a um dos grandes males da vida moderna, a solidão que mora nas periferias dos grandes centros. Desta vez, as personagens estão menos coladas a si, mas continuam a dar corpo e voz a muitas das feridas a que Isabela sempre regressa para curar. Ouça a escritora falar sobre a sua obra e a influência das discussões woke no podcast A Beleza das Pequenas Coisas .

Esta semana, Miguel Sousa Tavares traz uma reflexão sobre a jovem democracia portuguesa nos 49 anos do 25 de Abril, e um olhar crítico para o Chega na cerimónia de boas-vindas a Lula da Silva. Fique a par da opinião do cronista sobre o acontecimento com Miguel Sousa Tavares de Viva Voz .

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