quarta-feira, 10 de maio de 2023

TRAFICANTES DA LIBERDADE NA IMPRENSA | Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Ministério da Informação do Governo de Transição emitiu um comunicado no dia 1 de Fevereiro de 1975 onde anunciava que me proibia de exercer a profissão. Motivo: Denunciei no jornal português Diário de Notícias que o General Nataniel Mbumba, líder dos “gendarmes catangueses”, tinha sido preso por militares zairenses na escadaria do Palácio da Cidade Alta quando ia assistir, como convidado, à tomada de posse dos membros do Colégio Presidencial e do gabinete ministerial. 

Os e as jornalistas da Emissora Oficial de Angola (RNA) opuseram-se e ameaçaram com uma greve. O DIP do MPLA emitiu um comunicado denunciando o “atentado contra a liberdade de imprensa”. No dia 4 de Fevereiro de 1975, o Presidente Agostinho Neto, em conferência de imprensa, pediu-me desculpa “pela gafe do nosso ministro”.

No dia 15 de Fevereiro de 1975 o Ministério da Informação do Governo de Transição decidiu impor a censura prévia aos jornais das 13 e das 20 horas da Emissora Oficial de Angola (RNA). O director da estação aceitou. Os líderes da Direcção de Informação (António Cardoso, Manuel Rodrigues Vaz e Artur Queiroz) recusaram a censura, quando os secretários de Estado Hendrick Vaal Neto (FNLA) e Jaka Jamba (UNITA) se apresentaram para censurar as notícias. A maka foi levada ao líder do MPLA, Agostinho Neto. E ele falou claro: Os jornalistas não podem aceitar a censura!

Por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o Bureau Político do Comité Central do MPLA condenou todas as manifestações que impedem os jornalistas de exercerem a sua actividade de forma livre, plural e independente. Exortou todos os jornalistas “ a manterem-se intransigentes na defesa dos seus direitos”. E convidou os profissionais a um “trabalho conjunto” para reforço de acções no sentido de aprofundar a liberdade de imprensa. Alguns escribas de pasquins infectos manifestaram a sua admiração por esta declaração. Alguns são jornalistas porque o MPLA lhes deu essa oportunidade e formação. 

Esqueceram a lição número um que lhes dei na Rádio Nacional e no Diário de Luanda: Só é Jornalista quem souber viver entre as fronteiras da honra e da dignidade. Todos compreenderam. Mas alguns hoje vendem a liberdade de imprensa por uns restos dos diamantes de sangue e uns trocos das embaixadas, nomeadamente da União Europeia, EUA ou Reino Unido. Ainda não perceberam que ao venderem a honra ficaram paupérrimos.

O “relatório” dos comerciantes Repórteres sem Fronteiras diz que em Angola, nos últimos anos diminuiu “a segurança dos jornalistas” aumentou “a pressão política” e existe “a ausência de pluralidade e fragilidade social”. Conversa para boi dormir. Fui investigar e as autoridades não registaram, nos últimos dois anos, qualquer denúncia contra a segurança dos jornalistas angolanos.

Sobre “pressão política” só há registo (queixas!) contra a Rádio Despertar. Nem individualmente nem por via do Sindicato dos Jornalistas existe qualquer queixa de pressão política sobre profissionais nos Media do sector empresarial do Estado. No ano passado, a jornalista Ana Margoso, militante da UNITA, denunciou falta de democracia no seu partido e anunciou a sua saída para exercer livremente a profissão. Este episódio e as makas na Rádio Despertar não são suficientes para colar a Angola o rótulo de pressões políticas aos jornalistas. Não refiro a palhaçada dos computadores do Sindicato dos Jornalistas por uma questão de higiene.

Os comerciantes da Repórteres sem Fronteiras denunciam no seu role de mercearia “ausência de pluralidade” em Angola. Não sabem ler, são ceguinhos e surdos. Poucos países no mundo são tão plurais nos Media.

Quanto à “fragilidade social” vou recorrer novamente à memória. Em 1992 fui convidado a integrar os quadros da Rádio Nacional. Agostinho Vieira Lopes, líder do projecto, incumbiu-me de analisar a situação dos jornalistas. Concluí que existiam profissionais com graves problemas sociais e o nível salarial era muito baixo. Foi criado imediatamente um pacote de apoios sociais financiado por publicidade, que até então não existia na antena. Duplicámos os salários. Adoptámos um programa de incentivos. Passaram a ser os jornalistas mais bem pagos do país! Criámos um Gabinete de Formação Permanente com formadores de alto nível: Horácio da Fonseca e Ricardo Branco.

Em 2005, fui trabalhar para o Jornal de Angola. José Ribeiro pôs em marcha políticas de valorização dos salários e um vasto programa de apoios sociais. Criou um Gabinete de Formação Permanente que de dois em dois meses ia às províncias formar os profissionais. Em 2007, os salários tinham triplicado! O programa “habitação digna” beneficiou quase metade dos jornalistas. Tanto quanto sei, este quadro não foi alterado.

A honestidade dos cantineiros da Repórteres sem Fronteiras mede-se por factos concretos. O salário médio de um Jornalista em Portugal é de 810 euros. São 500 euros abaixo da média salarial portuguesa. A remuneração de um Jornalista em Portugal  pode começar com um salário base médio de 540 euros. O salário máximo vai aos 2000 euros por mês. Os cantineiros da Repórteres sem Fronteiras colocam Portugal em nono lugar.

Claro que as “mãos autorizadas” do Big Brother (Balsemão, Barqueiro da TVI/CNN, herdeiros do Belmiro de Azevedo ou dono do Correio da Manhã/CMTV) ganham muitíssimo acima destes números, em nome da liberdade de venda da honra e da dignidade.

Os cantineiros da Repórteres sem Fronteiras têm quitanda em França. A média salarial de dos jornalistas naquele país é de 2.710 euros por mês. A remuneração  máxima em Paris é de 4.000 euros. Fora da capital é muito menos. As “mãos autorizadas” pelos donos podem ganhar até 15mil euros! A Noruega está em primeiro lugar na lista dos cantineiros da Repórteres sem Fronteiras. O salário médio de um jornalista é de 3850 euros. As “mãos autorizadas” pelos donos podem ganhar até seis vezes mais! O mesmo acontece no Reino Unido onde o salário médio de um jornalista é de 2290 euros mas as “mãos autorizadas” da BBC, por exemplo, ganham cinco vezes mais!

Até ao fecho desta edição, o bispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, o deputado da UNITA Raul Tati e a direcção da associação de malfeitores ainda não condenaram os terroristas da FLEC que assassinaram dois trabalhadores no Miconge.

*Jornalista

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