quarta-feira, 5 de julho de 2023

Angola | O COMBOIO TRANSPARENTE – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Presidente João Lourenço foi ao Lobito abrilhantar a festa da entrega do Corredor do Lobito a um consórcio multinacional. No seu discurso afirmou que Angola mostrou ao mundo que é possível entregar infraestruturas vitais a estrangeiros, com toda a transparência. 

Portugal entregou a Robert Williams o Caminho-de-Ferro de Benguela. Lisboa também falou de transparência mas o zé povinho chamou-lhe uma traição, uma capitulação ante Inglaterra, “essa impúdica bacante” como lhe chamava o poeta Guerra Junqueiro. Enfim, Angola só abdicou da joia por 30 anos. Transparência. 

Uma criancinha foi levada pelo papá ao desfile real porque sua majestade ia vestir um manto belíssimo, nunca antes visto. Quando a carruagem real passava no meio da multidão, todos diziam embasbacados: O manto real é belíssimo. É belíssimo. 

Quando a carruagem chegou junto da criancinha e seu papá, o miúdo disse espantado: O Rei vai nu! O rei vai nu! E ia mesmo O monarca era tão vaidoso, tão tolo, tão arrogante que exigiu ao alfaiate uma fatiota única, jamais vista. Depois do rei reprovar mil modelos, o pobre homem pediu a sua majestade que se despisse, todo nu! Fingiu que lhe vestiu um manto fabuloso. Ele viu-se ao espelho e murmurou: Este sim é um traje digno de mim. E foi nu para o meio da multidão.

Eu sou como a criancinha e ouso perguntar: Angola precisava de entregar as infraestruturas nacionais do Corredor do Lobito a um consórcio multinacional? Não tem 250 milhões de dólares para investir? Precisamos mesmo da esmola do Joe Biden? Precisamos mesmo da Trafigura? Não temos figuras nacionais para fazer o mesmo, isto é, meter ao bolso o dinheiro dos lucros? Não temos uma empreiteira disponível para ganhar dinheiro, precisamos mesmo da empresa do fascista Paulo Portas da UNITA? 

Transparência é, sem dúvida, o Presidente João Lourenço citar os EUA e a intervenção de Joe Biden na cimeira do G7 quando disse que o Corredor do Lobito é estratégico. Muita transparência, obrigatório reconhecê-lo, é citar o anúncio de Joe Biden na cimeira dos ricaços: Vamos investir 250 milhões de dólares no Corredor do Lobito.

Mais transparência não há. Porque investir 250 milhões de dólares em 30 anos no Corredor do Lobito é mais ou menos o que os EUA investem por mês na guerra contra a Federação Russa por procuração passada à Ucrânia.

O Presidente João Lourenço elogiou muito a União Europeia mas não disse quanto o cartel investiu no projecto. Elogios merecidos. Bruxelas já investiu na guerra da Ucrânia, em 500 dias, 70 mil milhões de euros. E quer investir mais 50 mil milhões. Vai investir. Porque o obstáculo Hungria é facilmente removido com mais uns fundos comunitários despachados para Budapeste. Só a Itália em 500 dias roubou aos “oligarcas” russos dois mil milhões de euros, para investir no negócio da Ucrânia. O Corredor do Lobito, visto nesta perspectiva, é um beco.

Transparência é dizer ao mundo que as empresas que vão abocanhar o Corredor do Lobito são do melhor que existe! E com larga experiência no sector, A Trafigura é uma coisa de dinheiro e não de comboios. A Mota Engil, que se saiba, até agora só via passar os comboios. Quanto aos outros, não sei. Mas convinha que todos soubéssemos quantas empresas ferroviárias já geriram e onde. Transparência.

Transparência é recordar ante os Chefes de Estado da República Democrática do Congo e da Zâmbia que Jonas Savimbi e seu bando terrorista, ao serviço dos racistas da África do Sul destruíram o canal ferroviário, entre Catengue e o Luau. Nem os pequenos pontões foram poupados. Obrigado camarada Presidente por ter lembrado esses crimes contra o Povo Angolano. 

Transparência é agradecer ao Presidente José Eduardo dos Santos por ter destinado uma grande fatia do dinheiro emprestado pela República Popular da China para reconstruir as vias férreas, as estações ferroviárias e compra do material circulante. Milhares de milhões investidos e que agora ficam ao serviço de empresas estrangeiras, pelo menos durante 30 anos. Que eu saiba, o comboio já circula entre o Lobito e o Lau sem a Mota Engil, a Trafigura e outras figuras. Mesmo sem os 250 milhões de investimentos prometidos por Joe Biden em nome do estado terrorista mais perigoso do mundo.

Eu sou pela transparência, aprecio a transparência mas nem por isso gosto da Trafigura (muita sombra, muito lodo, muito truque, muita ganância) ou da Mota Engil, nem quando era uma pequena empreiteira do senhor Mota, que fazia uns trabalhos laterais para o novo aeroporto de Luanda, chamado Craveiro Lopes e depois baptizado de 4 de Fevereiro.

Isso da Engil nem sei o que é mas sei que o Paulo Portas, um político português de extrema-direita, amante da UNITA, depois de encher a pança com a compra transparente de submarinos, ganha ainda mais no consórcio como administrador, quando o rapazola nem sequer sabe a tabuada.

Eu sou pela transparência. Lá se foi o Corredor do Lobito durante 30 anos. Para os angolanos é fuba podre, peixe podre, porrada se refilares. Não sou capaz de entrar nessa festa. Sobretudo quando o chefe dos empresários do sal disse à TPA que os salineiros do Tombwa podem ganhar muito com o Corredor do Lobito. Ou não sabe onde fica o Tombwa ou está a atirar-nos com sal aos olhos. Arde mais do que poeira.

Transparência é isto: Pequim cancelou a visita do Josep Borrel, belicista da União Europeia travestido de diplomata. Entrada cortada na República Popular da China. A Europa vai pelo cano abaixo.

*Jornalista

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