Artur Queiroz*, Luanda
Castro Soromenho (foto) é nome de escritor angolano nascido em Moçambique, filho de português e mamã cabo-verdiana. Morreu na condição de apátrida, porque lutou contra o fascismo e o colonialismo português. Viveu em Paris onde conviveu com Câmara Pires, Mário Pinto de Andrade, Paulo Jorge, Pepetela e outros angolanos notáveis. Colaborou activamente com o MPLA. Internacionalista, deu uma mão à luta de libertação da Argélia. A extrema-direita francesa condenou-o à morte e teve de refugiar-se no Brasil, onde faleceu.
Durante os anos em que viveu exilado em Paris, trabalhou na editora Gallimard e colaborou regularmente nas revistas Présence Africaine e Révolution, onde publicou contos e dois trabalhos fundamentais sobre a Rainha Jinga. Fernando Costa Andrade (Ndunduma), sobre as suas actividades no exílio parisiense escreveu:
“Castro Soromenho e Mário Pinto de Andrade catapultaram a Literatura Angolana, a própria e a dos nomes grandes da “Mensagem”, com destaque para o prisioneiro de Santo Antão, poeta Agostinho Neto, a dos jovens da revista “Cultura”, para as páginas e os livros de várias línguas, significando a primeira mensagem revolucionária e literária do Povo Angolano levada às suas audiências”.
Perseguido pelos terroristas da
OAS (extrema-direita francesa contra a Independência da Argélia) Castro
Soromenho viu recusado o seu visto de permanência temporária
Em Angola o jovem Castro
Soromenho foi aspirante e chefe de posto na Lunda, Moxico e Luchazes. As terras
do Império do Muata Iânvua foram a sua paixão. Trabalhou como “aspirante”
A leitura de Terra Morta levou-me
a conhecer o fabuloso Mosaico Cultural do Cassai, após uma reportagem sobre o
rio Zambeze no seu curso
Não me chorem
Por ter pena
De estar vivo
Mortos são os ausentes
Saudosos das águas mansas
Do Luchico.
A sepultura da mãe do cungo
É à sombra do mucondo
Não me chorem
Por ter pena
De me sentir vivo
E ainda pescar no Luchico.
Morta está a bela Namariata
Vestia pano de seda
Mas a fome dói tanto
Quem nada tem morre cedo
Os jovens não sentem medo
Deitam fora o feitiço.
Uma árvore gigante
Sozinha na imensidão da chana
É apenas minúsculo galho
Onde chora o cungo sem ninho.
Castro Soromenho foi jornalista do “Diário de Luanda” e colaborador do “Província de Angola” (Jornal de Angola). Em Portugal trabalhou no Diário de Lisboa, Diário Popular, Seara Nova e O Século. Deste Jornalista e Escritor Angolano, deixo-vos uma parte desta crónica sobre a Ilha do Príncipe, escrita em 1936, como se fosse hoje:
Mar sereno. O mundo, todo o mundo é azul em redor de mim. Azul o céu imenso e azul o mar profundo.
Navega o barco no Atlântico, rumo ao Continente Africano – caminho aberto ao destino dos homens aventureiros…
O barco deixa atrás de sua jornada longa estrada branca, ferida rasgada, a sangrar, por vigorosa hélice.
Seu sangue é branco de neve e brancas são as suas lágrimas.
O mar chora e geme…
À ré, o olhar perdido nos longes do Oceano, vejo desaparecer no seio das águas de onde brotou, a estrada branca dos sofrimentos do mar.
O Oriente começou a tingir-se de laivos róseos.
E ao longe, como numa aparição, ergue-se na placa azulina do Atlântico uma montanha toda envolvida num manto diáfano de nuvens. E sua crista, de tão altaneira que é, dir-se-ia gritar a loucura de querer romper o azul do infinito!
Aqui começa a tragédia da montanha que quer ser céu…
Paisagem de lenda.
As mãos do sol entraram a desnudar lentamente, com carícias de sultão, as vestes leves como sombras que cingem durante a noite a mais bela e a mais feroz ilha do Atlântico.
A Ilha do Príncipe – diamante verde encastoado no azul do mar – deixa-se desnudar e deixa-se possuir pelo sol fecundo, suprema alegria da vida!
E o barco aproxima-se devagar, lentamente rasgando o mar sereno.
A Ilha do Príncipe, miradouro do Equador, abraçada pelo sol, agora já sol alto e africano, é verde, toda verde, doidamente verde!
Esta alucinação de verde e azul é quadro de encantos, tela de maravilhas, sonho nado do génio dos deuses!...
Príncipe, paisagem de sonho, foram,
decerto, os deuses que te ergueram
O mar, o mar que é tão bravo e grita tanto quando encontra a terra, à tua beira é manso, e meigo, e leve, e voluptuoso.
O mar é o teu amante.
Lá do alto da montanha, mirante do Sonho… às braçadas sobre braçadas, até junto do mar quietinho e caricioso, parece que rolam sem nunca mais acabar esmeraldas de estranho fulgor (…).
Esta amostra da crónica de Castro Soromenho é dedicada ao Ivo Pizarro, filho da Vera e do Mário, que me salvou da escuridão e do corte das telecomunicações. Assim continuo vivo, comunicando.
Se Castro Soromenho fosse um retornado ressabiado, portuguesito saudoso do colonialismo como o Agualusa, seria seguramente distinguido pelo governo de turno. Mas é simplesmente um escritor angolano que nasceu em Moçambique e morreu no Brasil na condição de apátrida. Lutou sob a Bandeira do MPLA.
A sua Trilogia Camaxilo (Terra Morta, Viragem, A Chaga) e a obra “Descripção da Viagem à Mussumba do Muatianvua” (1892), de Henrique de Carvalho, deviam ser editadas pelo Ministério da Cultura e distribuídas às bibliotecas de todas as escolas angolanas. Uma informação: Já não há direitos de autor porque essas obras caíram no domínio público.
A obra de Henrique de Carvalho tem oito volumes com cerca de mil páginas, cada um. Os quatro primeiros são exclusivamente relatos e desenhos da viagem. O último volume inclui um tratado da Língua Chokwe. Não me apontem a pistola por falar de Cultura!
*Jornalista
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