domingo, 1 de outubro de 2023

Portugal | SINAIS

Ouvi ontem (29.9), com tristeza, mas profunda gratidão, a última crónica de Fernando Alves no seu programa de todas as manhãs da TSF: Sinais.

Pedro Neto | TSF | opiniã

Na bíblia, os evangelhos, no novo testamento, descrevem e contam muitos episódios - e a reflexão em torno de si - da vida, do tempo e da passagem pela Terra dessa figura maior da história, e figura maior de fé para tantos e tantas, que é Jesus Cristo.

Todos os evangelhos tentam na sua narrativa demonstrar que Jesus Cristo era o Messias esperado pelos judeus. Todos tentam enquadrar a História de Israel como um grande rio que vai dar a este menino nascido numa gruta, ao homem crucificado por fazer milagres, por falar de igualdade, por juntar à justiça, o Amor.

Todos eles valorizam a figura central de Jesus, tentando mostrar por A mais B que ele era O esperado. É assim compreensível a estratégia literária de contar e descrever muitos milagres, fenómenos impossíveis à ciência e à compreensão humana. Caminhar pelas águas, devolver a vista aos cegos, curar leprosos, redimir pessoas cheias de pó, prostradas no chão, marginalizadas pela sociedade de então, como agora.

Há, no entanto, um evangelho que nunca menciona a palavra "milagre". Usa sim a palavra "sinais". Tudo o que João foi escrevendo e contando eram sinais. Sinais do tempo, sinais de espanto. Sinais.

Cresci a ouvir os sinais, os de Fernando Alves, nesta rádio. Ao longo dos anos deu-nos o privilégio do seu olhar sobre os acontecimentos as suas reflexões acutilantes e profundas em crónicas de dois minutos. Foi-nos contando muitos milagres dos tempos modernos. Na crónica de ontem percebeu-se que foi a última na TSF. Vai dedicar-se a outras artes agora este repórter e diseur que é referência para tantos e tantas de nós.

Um dos sinais de hoje é com certeza a manifestação pela habitação que acontece por todo o país.

De acordo com dados de dezembro de 2021, são mais de 38 000 as famílias sem uma habitação condigna em Portugal. Hoje, o número deverá ser maior e isso vai-se percebendo quando vemos famílias a viver em tendas, famílias de gente que trabalha e já não consegue ter um lar. A falta de casa não afeta só os pobres, mas também já os que não o eram e que com créditos à habitação crescentes, veem-se de abrigo em risco.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos refere a necessidade imperativa de todas as pessoas terem direito a habitação digna, a segurança social, a cuidados de saúde e a subsistência. A Constituição da República diz o mesmo e a recente lei de bases da habitação o repete.

Por princípio, as leis que regem a sociedade são boas, justas, dignas e nobres.

Mas os sinais, são outros. E levam-nos a reagir: um outro mundo tem de ser possível. Esse é o maior sinal.

Obrigado, Fernando Alves, por tantos sinais, por tantos faróis.

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