sexta-feira, 23 de junho de 2023

ATAQUES DA CIA E DAS FORÇAS ESPECIAIS DOS EUA

Os Estados Unidos vinham realizando duas campanhas militares separadas no Iêmen, que foi mantida praticamente em segredo do público americano. Uma das campanhas estava sob a autoridade da CIA usando drones, e a outra estava sendo executada por tropas de elite dos EUA do Comando Conjunto de Operações Especiais (JSOC).

Shane Quinn | Kateon | # Traduzido em português do Brasil

O presidente dos EUA, Barack Obama (2009-17), pediu para ver as "listas de mortes", com as biografias dos militantes islâmicos a serem alvo de guerra com drones e ataques militares (1). O Bureau of Investigative Journalism, com sede em Londres, informou em janeiro de 2015 que, sob o governo Obama, os americanos realizaram 103 ataques dentro do Iêmen, que incluíram 88 ataques com drones e ataques terrestres lançados por unidades das forças especiais dos EUA; que matou pelo menos 580 pessoas (424 delas em ataques com drones) e a morte de 131 civis.

Embora as forças americanas tenham frequentemente implantado drones para assassinar pessoas, os militares russos, por exemplo na Ucrânia, usaram drones para minar a infraestrutura crítica, o fornecimento de armas e munição que sustenta o regime em Kiev durante o conflito com a Rússia. Os russos usaram drones e outros equipamentos militares, como mísseis, de uma maneira muito mais humana do que os americanos.

Antes dos anos Obama até à administração Bush, de 2002 a 2004 os ataques de drones norte-americanos sobre o Iémen, provavelmente lançados a partir de bases como no Djibuti, mataram entre 294 e 651 insurgentes e "suspeitos de terrorismo", juntamente com entre 55 a 105 civis adultos e 24 crianças. (2)

O líder do grupo extremista Al Qaeda, Osama bin Laden, disse que os EUA consideravam o Iêmen como sua propriedade, por causa de sua proximidade com as maiores reservas de petróleo do mundo dos países do Golfo Pérsico (3). Bin Laden acreditava que o Iêmen tinha grande importância estratégica, pois está localizado ao lado do estreito de Bab el-Mandeb, que liga o Golfo de Áden ao Mar Vermelho, separando a África Oriental da Ásia Ocidental, proporcionando uma passagem vital também para o Mar Mediterrâneo e Oceano Atlântico.

No início da presidência de Obama, o Departamento de Energia dos EUA, um ramo do governo dos EUA, estimou em 2009 que 3,2 milhões de barris por dia (BPD) de petróleo fluíam para a América e a Europa através do estreito de Bab el-Mandeb; e do oleoduto Suez/Sumed, de 200 milhas de comprimento, no Egito, que vai do Golfo de Suez, perto do Mar Vermelho, até o Mediterrâneo.

ASSANGE: O MUNDO APOIA, O IMPÉRIO IGNORA

Depois dos editores de cinco grandes jornais internacionais, governos do Sul – e até mesmo o da Austrália – pedem o fim da perseguição. Mas Washington e Londres impõem a ele novo revés judicial e o risco de extradição para os EUA cresce

Lourdes Gomez* | no CTXT | em Outras Palavras | Tradução: Maurício Ayer | # Publicado em português do Brasil

A justiça britânica mais uma vez pôs obstáculos na via legal de Julian Assange contra sua deportação para os Estados Unidos. O juiz Jonathan Swift, do Supremo Tribunal da Inglaterra e País de Gales, negou neste mês dois recursos do fundador do WikiLeaks relacionados aos argumentos mais políticos da sentença original de 2021 e à ordem de extradição assinada no ano passado pela então secretária do Interior, Priti Patel. O magistrado indeferiu os dois requerimentos em resoluções de três e duas páginas, respectivamente, que jogam por terra as alegações dos advogados do reclamante sem submetê-las ao escrutínio de uma audiência pública.

Swift negou a Assange a possibiliade de recorrer em relação a várias questões incluídas na sentença do Tribunal de Primeira Instância, que impediu sua extradição devido ao seu delicado estado de saúde e ao risco de suicídio que sofreria em uma prisão nos Estados Unidos. No tabuleiro de um julgamento de recurso ainda possível estão as questões “nucleares” do caso relativas ao direito à liberdade de imprensa, à natureza política das acusações, à extraterritorialidade abusiva dos Estados Unidos e ao abuso processual, entre outras, como explica Aitor Martínez, da equipe jurídica internacional.

Martínez lidera a ação legal movida por Assange contra a empresa de segurança espanhola UC Global por espionagem, para suposto benefício da CIA, na embaixada do Equador em Londres, onde o australiano viveu por sete anos antes de entrar na prisão de segurança máxima de Belmarsh em abril de 2019. Desde então, ele permanece na prisão de Londres, confinado em sua cela por cerca de 22 horas por dia, sem acusações pendentes no país e sem opção de liberdade condicional devido a um suposto risco de fuga.

Martínez visitou o preso no final de maio. Ele tem dificuldade em conter a raiva ao relatar as “condições subumanas” a que este está submetido. “O que estão fazendo com ele é desumano. Ele está destruído física e psicologicamente”, denunciou em entrevista por telefone ao CTXT. “Eles têm que parar com essa loucura. Seu único crime é publicar informações verdadeiras. É como se estivessem perseguindo Pedro J. (Ramírez) por divulgar os crimes do GAL [grupo que agia pelo extermínio de grupos separatistas como o ETA na Espanha]. São liberdades instituídas na imprensa e estamos vivendo uma terrível involução, um brutal retrocesso de liberdades já consagradas e consolidadas”.

E SE O SUBMARINO TRANSPORTASSE REFUGIADOS?

Manuel Molinos* | Jornal de Notícias | opinião

O espaço mediático do submersível desaparecido junto aos destroços do Titanic, com cinco pessoas a bordo, remete-nos para uma espécie de banalização das tragédias. Inconsciente, mas reveladora de alguma insensibilidade para o drama daqueles que há anos, dia após dia, enfrentam a escolha entre a miséria e a guerra.

É natural que o resgate dos ocupantes do submarino mereça toda a atenção, tal como aconteceu, por exemplo, com a saga dos 33 chilenos que ficaram presos numa mina em San José, e que foram salvos após 69 dias. Ou, mais recente, a história de Rayan, o menino marroquino de cinco anos que esteve preso num poço com 32 metros de profundidade, e que acabou por ser resgatado sem vida.

O Mundo acompanhou estes dramas com ansiedade, minuto a minuto, e com expetativa. Os “33”, número que batizou o grupo dos mineiros, ou Rayan são pessoas como nós. Podiam ser nossos pais, irmãos, filhos.

Essa preocupação, atenção, e até carinho, não é a mesma para com aqueles que fazem viagens longas e perigosas para escapar a conflitos armados, violência, pobreza e aos efeitos tenebrosos das alterações climáticas. Aqueles que procuram tão-só o direito a viver. Que encontram no mar Mediterrâneo a sua última morada, o seu cemitério.

O Dia Mundial do Refugiado foi assinalado pelas Nações Unidas na terça-feira. Sem pompa ou circunstância. Entre portas ou fora delas.

Estes cidadãos, com os mesmos direitos do que qualquer um de nós, não abandonam as suas casas à procura de luxo, nem de bons salários, nem de boas habitações, nem de bom tempo. Procuram sobreviver. Como os mineiros, como Rayan, como os ocupantes do submarino perdido.

O tema dos refugiados não se pode tornar spam. Eles não são lixo, mesmo que sejam descartáveis para uma grande parte dos governantes.

*Diretor-adjunto

RESGATE DA LOUCURA


Marian Kamensky, Áustria | Cartoon Movement

FOME E PORRADA NÃO HÁ-DE FALTAR AOS EXPLORADOS E INJUSTIÇADOS

Era de prever que este curto do Expresso sob a batuta de Martim Silva viesse o mais repleto possível de assunto acerca da “catástrofe” do Titan que implodiu e levou consigo cinco vidas dos tais dos um por cento (1%) que para se exibirem na futilidade e se presentearem com mimos excêntricos e inseguros se afogam em vícios estapafúrdios comum aos que já nem sabem o que hão-de fazer ao dinheiro tantas vezes roubados aos outros noventa e nove por cento (99%) da humanidade…

Mas não. Nada disso. O Curto quase que ao desaire e irresponsabilidade dos loucos ricaços do Titan (ridícula lata de conserva) e seus multimilionários embriagados por cifrões, soberba, ganância, avareza e frenesim comparável aos drogados dependentes, quase que diz só NADA. Admirem-se.

Lamentavelmente já não é de admirar o chavascal produzido pela comunicação social neste mundo Ocidental comparável em muito ao esclavagismo e à máfia alcapónica dos sabujos um por cento (1%). Pior ainda quando sabemos que ali, na lata de conserva denominada Titan, iam cinco seres semelhantes a humanos por fora – porque por dentro nunca se sabe como eles são. Enquanto morrem aos milhares de náufragos no Mediterrâneo com o propósito de busca de proteção e salvação de suas vidas, dos seus filhos e familiares. Os chamados refugiados/imigrantes. Portadores de medos dos terrores de guerras, assolados pela fome, exploração e misérias tantas vezes originadas pelos tais daquela minoria sabuja e desumana dos um por cento (1%) ou lá muito próximo.

Que esses tais são humanos, poderá alvitrar-se. São? São mesmo? O que é indiscutível é que pelo invólucro exposto têm todo o direito à vida. Isso sim… Mas daquela que exibem tão fútil e da que tantas vezes escondem com laivos criminosos deviam ser punidos. Talvez por isso se diga que Deus É Grande e Castiga…

O assunto já não merece mais retórica. Lamente-se as cinco vidas perdidas tão estupidamente e com objectivo de merda. Muito mais há a lamentar pelo que acontece há tantos anos no Mediterrâneo e Costa de África – ainda ontem (21.06) ao largo das Ilhas Canárias. Glória e paz aos tragados pelo Mediterrâneo perante tanta indiferença dos europeus e da chamada humanidade ocidental.

Afinal a pequenez de Deus ou dos vários Deuses está aí exposta e castiga imensamente muito mais os pobres que os ricos ou os muito ricos.

Pois. Então, pá, qual é a Tua!?

O Curto a seguir. O calor é a preocupação. Sem enormidades. Bom fim-de-semana. Só não sabemos lá muito bem como tal será possível. Fome e porrada não há-de faltar aos explorados, oprimidos e injustiçados – que é a maioria neste tal Mundo Ocidental falsamente democrático e patatipatata… Pois.

MM | PG

Para combater o racismo no futebol, a Espanha precisa enfrentar sua história

A indignação global com o abuso racista de Vinícius Jr deve desencadear uma conversa em toda a sociedade sobre racismo e história colonial na Espanha.

Gabriel Leão* | Al Jazeera | opinião | # Traduzido em português do Brasil

Já faz um mês que o atacante Vinícius Jr sofreu mais um episódio repugnante de ofensas racistas durante uma partida na Espanha. Enquanto jogava pelo Real Madrid contra o Valencia, em 21 de maio, ele foi vaiado por torcedores e chamado de "macaco".

O incidente provocou indignação no meu país, no Brasil, e em todo o mundo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu às entidades do futebol que "tomem medidas para não permitir que o racismo e o fascismo tomem conta".

As autoridades do futebol brasileiro imediatamente tomaram medidas para proteger nosso jogador. Eles não apenas condenaram os abusos racistas e exigiram ação sobre isso, mas também organizaram uma campanha antirracismo e fizeram com que toda a seleção nacional se ajoelhasse enquanto vestia camisas pretas durante um amistoso contra a Guiné em junho.

A Confederação Brasileira de Futebol também anunciou que, junto com a Federação Espanhola de Futebol, está organizando uma partida especial antirracismo entre as duas seleções a ser realizada no próximo ano.

A Fifa também demonstrou apoio. Seu presidente, Gianni Infantino, expressou "total solidariedade a Vinicius" imediatamente após o incidente. Na semana passada, a entidade máxima do futebol anunciou a criação de um comitê especial antirracismo, formado por jogadores, e indicou Vinícius Jr como seu presidente.

Angola | BANDOLEIROS EXIGEM O CONTRADITÓRIO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Saúde não é o hospital e medicamentos, isso é o fim da cadeia. Saúde é com a governação local. Se os municípios tratarem da água potável, do saneamento básico, das condições de habitabilidade, da condição alimentar, da educação das pessoas, teoricamente os profissionais de saúde podem passar para o desemprego. 

Calma, não comecem a xingar-me. Isto foi dito por Bornito de Sousa, antigo Vice-Presidente da República. Um dos jovens que no seio do MPLA lutou pela mudança de regime. Não é um radical muito menos sonha com o fim do Estado, da família e dos deuses. Eu digo o mesmo mas de outra maneira. Esqueçam isso de inaugurarem hospitais em cada bairro. A aposta tem de ser nos cuidados primários. Se o Presidente da República inaugurar todos os dias um centro de saúde em cada quarteirão de cada bairro, basta um grande hospital no Norte, na Grande Luanda, no Centro e no Sul. 

A aposta nos cuidados primários reforçados com saúde oral e saúde materno-infantil fez de Cuba o país com melhor assistência do mundo. Angola pode seguir o mesmo caminho porque além de cana-doce também tem petróleo e outras matérias-primas valiosas que os nossos irmãos cubanos não têm.

Angola precisa de infinitamente mais escolas e muito menos mão-de-obra na política. Precisamos de uma boa rede de estradas e da sua manutenção. Como já provámos que nem capinamos as valetas, a solução é contratar empresas privadas para fazerem esse trabalho. E se for caso disso, o pagament6o é feito com a introdução de portagens.

Angola precisa de mais professores qualificados e remunerados com salários decentes. Nenhum país do mundo tem ensino de qualidade se em vez de salários derem esmolas aos professores de todos os graus de ensino. Há dinheiro para alcavalas, mordomias e gastos sumptuários. Mas não há disponibilidade orçamental para pagar decentemente aos professores. Mais uma greve à vista, ao nível do ensino superior público.

Angola tem de cuidar das camadas mais desfavorecidas da população. O Mundo Rural está ameaçado pela desertificação humana. Muitos municípios já mergulharam na morte social. Este problema só se resolve com políticas centradas no combate à pobreza, num plano geral de extensão rural como já aconteceu nos municípios do Bailundo e Andulo, antes da Independência Nacional. O assistencialismo, as esmolas do Kwenda, nada resolvem. Mas é esse o caminho que estamos a seguir no que diz respeito às políticas de protecção social nos grandes centros urbanos e no Mundo Rural. 

Os problemas de Angola têm raízes muito fundas. O Manifesto do MPLA, redigido em 1956, faz uma análise perfeita aos malefícios do colonialismo. E aponta caminhos. Em 1961, tudo mudou. Lisboa decidiu mesmo fazer de Angola uma “terra de brancos” e apostou tudo nessa política. Mas expandiu o ensino a todos os níveis. Pequenas vilas do interior passaram a ter escolas primárias e do ciclo preparatório. Algumas até o ensino liceal e técnico. E em 1962 chegaram as escolas superiores. A maioria negra aproveitou a oportunidade. Em 1968 a luta armada sofreu um fortíssimo impulso, graças a essa juventude instruída. 

A guerra destrói tudo, mesmo que paralelamente nasçam todos os dias grandes prédios, construam centenas de quilómetros de estradas asfaltadas, nasçam milhares de empresas agrícolas, comerciais e industriais. A guerra absorve todas essas riquezas e alimenta-se de vidas humanas, quase todas jovens. Foi assim desde 4 de Fevereiro/15 de Março de 1961. Em 25 de Abril de 1974 caiu o regime colonialista.

O cessar-fogo só aconteceu em Setembro. Negociações para a Independência Nacional, só em Janeiro de 1975. No primeiro aniversário do 25 de Abril a guerra regressou a Angola. Invasores estrangeiros puseram em marcha operações militares para impedir o 11 de Novembro de 1975. Guerra mais sangrenta do que nunca. Mais destruidora do que nunca. Durou até ao Acordo de Nova Iorque, que foi uma espécie de rendição do regime de Pretória.

A guerra continuou em força, a partir de Outubro de 1992 e só parou em 2002. O plano de longo prazo (até 2050) é muito bom. Mas tem um problema. É curto. Porque para remover os escombros da guerra, para refazer o que foi destruído, para cuidar das pessoas de acordo com o Programa do MPLA, lá para 2100 fica tudo resolvido. Criticar o Executivo sem ter em conta esta realidade é injusto. Mas o governo do MPLA não pode ignorar o seu programa eleitoral e trocar o socialismo democrático pelo neoliberalismo da Dona Vera e do Vilar Bicudo. 

O governo do MPLA tem de adoptar políticas sociais que respondam às necessidades básicas da maioria da população. Os que não têm trabalho certo, não têm salário digno, não têm habitação, não têm transportes públicos. Não têm cuidados primários de saúde nem acesso fácil à educação. O programa até 2050 precisa paralelamente de políticas que respondam às necessidades quotidianas. Provavelmente não temos massa crítica para isso. Nem nervo financeiro. Mas as populações, no mínimo, têm de saber que o governo está preocupado com os seus problemas e tem soluções de emergência para resolvê-los.

O secretariado executivo da UNITA atirou-se ao porta-voz da Polícia Nacional porque denunciou as acções terroristas dos seus dirigentes, à boleia das manifestações do passado sábado. A denúncia do oficial da polícia foi documentada com imagens de deputados e dirigentes do Galo Negro envolvidos em acções terroristas. É claro que as palavras do denunciante foram mais simpáticas e resumiram tudo a “desordem e arruaça”. Apesar da simpatia, os criminosos de guerra ficaram indignados!

Os criminosos de guerra que combateram ao lado dos colonialistas portugueses e dos racistas da África do Sul emitiram um comunicado onde dizem que a UNITA “é o partido fundador da Democracia em Angola”. Os assassinos dos cercos do Huambo ou do Cuito, os que mataram os seus próprios dirigentes com violência inaudita, os que queimaram mulheres nas fogueiras da Jamba dizem que respeitam os “marcos do Estado de Direito Democrático”. 

Os criminosos de guerra clamam por um “jornalismo credível e independente”. Acham que quem deu tempo de antena à Polícia Nacional tinha que cumprir o contraditório. As autoridades anunciam a prisão de um bandido. É preciso dar também a palavra ao preso! Acham que a Polícia Nacional tem de ser confrontada com os bandidos do Galo Negro. 

*Jornalista

Protestos em Angola: "O MPLA está completamente desgastado"

O MPLA travou uma proposta para a abertura de um inquérito parlamentar à violência policial nos protestos contra o aumento do preço da gasolina. Analista nota que, no seio do partido no poder, surgem fissuras.

O plenário da Assembleia Nacional de Angola reuniu-se hoje para debater a proposta de lei sobre o estatuto dos antigos Presidentes da República, o Novo Código Laboral e a violência policial nos protestos contra o aumento do preço da gasolina.

Os deputados deram luz verde à nova legislação laboral e aprovaram, na generalidade, o estatuto sobre as regalias de antigos chefes de Estado, que prevê, por exemplo, o fim das escoltas permanentes. Mas o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) travou uma proposta do maior partido da oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), para discutir o comportamento da polícia nos últimos protestos no país, que resultaram em oito mortos no Huambo e Lubango.

O MPLA votou contra uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os alegados excessos da polícia, avançou ainda o Novo Jornal.

Em entrevista à DW África, Agostinho Sikatu, diretor do Centro de Debates e Estudos Académicos (CDEA), diz que o voto reflete o clima de medo no seio do partido no poder.

DW África: O MPLA não tem interesse em investigar a violência policial nos protestos?

Agostinho Sikatu (AS): A exemplo de outras manifestações, sempre que há protestos convocados por grupos que o Governo entende não serem da sua conveniência, há mortes e torturas de cidadãos. Há prisões sem culpa formada e, no dia seguinte, as pessoas são devolvidas a suas casas. Portanto, o que o MPLA está a fazer é exatamente encobrir todos estes atos negativos através do próprio Governo.

DW África: O MPLA estará com medo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito?

AS: O MPLA teme perder as eleições, por isso veta todo o tipo de iniciativas. E é assim porque, se for feito um inquérito sério, descobrirão a verdade dos factos. E a verdade é que há o costume de infiltrar indivíduos nas manifestações para pôr em causa os protestos convocados.

DW África: Diante desta situação, acha que o partido no poder está a desgastar a sua imagem? Com isso, surgindo também novas divisões no seio do partido?

AS: Quem acompanhou hoje a intervenção do próprio MPLA sobre o debate a respeito destas manifestações, notou claramente que há uma ala do partido no poder que está completamente desalinhada com uma outra, a mais agressiva. Porque o direito à manifestação é um direito que está na Constituição.

Além disso, quando os Governos já estão há muito tempo no poder, já não inovam e ficam completamente desgastados. Hoje, o MPLA está completamente, completamente desgastado.

DW África: Um outro tema aprovado pela Assembleia Nacional angolana foi a proposta de lei sobre o estatuto dos antigos Presidentes da República. O que acha sobre este estatuto?

AS: Esta nova proposta parece-me ser uma repetição da lei anterior. Eu não vejo onde está a alteração. Há, portanto, a necessidade de criarem condições na lei para dignificar os antigos presidentes. Mas essa "dignificação" não deve ser apenas financeira, até porque muitos destes indivíduos, quando saem do poder, já são milionários, são ricos. Em Angola, os dirigentes políticos são os mais ricos do país.

DW África: O Novo Código Laboral angolano também foi a votação e aprovado hoje na Assembleia Nacional. Que avaliação faz?

AS: Em relação ao Código do Trabalho, o que eu posso dizer é que já era tempo. O país precisava de um código processual do trabalho, porque há muitos conflitos laborais que precisam ser tramitados.

Tainã Mansani | Deutsche Welle | Foto: Borralho Ndomba/DW

Moçambique | Cabo Delgado: Kagame diz que 80% do problema foi "abordado"

O Presidente do Ruanda, Paul Kagame, disse que o problema de Cabo Delgado já foi 80% "abordado". Analistas defendem capitalização destas conquistas e lamentam o silêncio do Governo moçambicano.

O Presidente do Ruanda, Paul Kagame, referiu na quarta-feira (21.06) que o problema de Cabo Delgado já foi 80% "abordado". Numa declaração citada pela imprensa ruandesa, Kagame destacou que, como resultado desse sucesso "um grande número de deslocados já tem condições de voltar para as suas comunidades e casas".

Embora Kagame tenha afirmado que a maior parte do problema do terrorismo em Cabo Delgado já foi "abordado", nas palavras do Presidente ruandês, os restantes 20% ainda estarão por clarificar.

Paul Kagame disse que tudo "depende de um conjunto de circunstâncias, que ainda precisam de ser esclarecidas".

Moçambique | Cooperação internacional substitui Nyusi na defesa nacional?

À DW África, o analista Paulo Wache explica que a defesa de Moçambique está dependente de investimento externo. Por isso, Filipe Nyusi tem reforçado a cooperação militar internacional em Cabo Delgado, apesar de críticas.

Em Moçambique, o Presidente Felipe Nyussi e a sua homóloga tanazania, Samia Suluhu, assinaram um memorando com vista à cooperação internacional no combate ao terrorismo em Cabo Delgado.

Dias antes, o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, pediu a Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos da América, para resolver a questão a norte de Moçambique.

E Paul Kagame, Presidente do Ruanda, reforçou recentemente que as suas tropas estarão em Moçambique enquanto for necessário.

Em entrevista à DW África, Paulo Wache, professor universitário de Relações Internacionais na Universidade Joaquim Chissano, comenta estas últimas evoluções.

DW África: Os dirigentes de países vizinhos estão a ganhar demasiado protagonismo em detrimento do Governo moçambicano?

Paulo Wache (PW): Penso que não. É um protagonismo consentido tendo em conta a história comum da região, se olharmos para a Tanzânia como o nosso berço, onde fomos acolhidos para ficarmos livres. Nesse sentido, a participação da Tanzânia nos problemas de Moçambique - atual ou colonial - não é uma novidade.

DW África: E quanto à África do Sul?

PW: Moçambique teve uma grande participação na luta da África do Sul. Sabemos que, nas relações internacionais, não há jantares grátis. Nem mesmo com a libertação da Tanzânia, quando tivemos de lutar lado a lado. Existe um histórico muito grande de solidariedade militar entre os países da região, à exceção do Malawi, que não teve grande entrosamento histórico.

DW África: Mas Filipe Nyusi, como ex-ministro da Defesa Nacional, tinha o dever de conhecer o dossiê da defesa e segurança, mas parece que não controla a agenda e estratégia de defesa do próprio território. É legítima esta crítica?

PW: Pode ser legítima, se considerarmos que estamos numa situação precária, em que precisamos de ajuda internacional. Mas é também uma herança histórica. Pode ser explicado a partir do momento em que passámos de um estado socialista para capitalista de mercado. Uma das consequências dessa transição foi abdicar de uma presença militar estruturalmente forte do país. Mesmo que fosse um outro Presidente, com uma visão estratégica, a curto-médio prazo, seria impossível implementar esta visão, a partir do momento em que na década de 90 assinámos o acordo de paz até à data do desenlace do conflito armado.

DW África: As forças armadas de Moçambique estão preparadas para fazer face a este grande problema?

PW: Do ponto de vista de armamento, não estão equipadas como já estiveram em fases anteriores. Isso é fruto de uma transformação global que acabou por afetar o país, sem esquecer também a situação financeira do país. Mas também o desinteresse do sistema internacional em ter forças armadas nacionais fortes, não há como financiar estas forças.

DW África: Urge exigir mais capacidade de liderança a Filipe Nyusi?

PW: Não há meios e ele encontrou as forças armadas com uma estrutura orçamental que não permitia fazer mais do que foi feito. Até porque o orçamento também está dependente do exterior e o investimento de fora vinha para outras áreas que não militar.

António Cascais | Deutsche Welle

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