sexta-feira, 23 de junho de 2023

ASSANGE: O MUNDO APOIA, O IMPÉRIO IGNORA

Depois dos editores de cinco grandes jornais internacionais, governos do Sul – e até mesmo o da Austrália – pedem o fim da perseguição. Mas Washington e Londres impõem a ele novo revés judicial e o risco de extradição para os EUA cresce

Lourdes Gomez* | no CTXT | em Outras Palavras | Tradução: Maurício Ayer | # Publicado em português do Brasil

A justiça britânica mais uma vez pôs obstáculos na via legal de Julian Assange contra sua deportação para os Estados Unidos. O juiz Jonathan Swift, do Supremo Tribunal da Inglaterra e País de Gales, negou neste mês dois recursos do fundador do WikiLeaks relacionados aos argumentos mais políticos da sentença original de 2021 e à ordem de extradição assinada no ano passado pela então secretária do Interior, Priti Patel. O magistrado indeferiu os dois requerimentos em resoluções de três e duas páginas, respectivamente, que jogam por terra as alegações dos advogados do reclamante sem submetê-las ao escrutínio de uma audiência pública.

Swift negou a Assange a possibiliade de recorrer em relação a várias questões incluídas na sentença do Tribunal de Primeira Instância, que impediu sua extradição devido ao seu delicado estado de saúde e ao risco de suicídio que sofreria em uma prisão nos Estados Unidos. No tabuleiro de um julgamento de recurso ainda possível estão as questões “nucleares” do caso relativas ao direito à liberdade de imprensa, à natureza política das acusações, à extraterritorialidade abusiva dos Estados Unidos e ao abuso processual, entre outras, como explica Aitor Martínez, da equipe jurídica internacional.

Martínez lidera a ação legal movida por Assange contra a empresa de segurança espanhola UC Global por espionagem, para suposto benefício da CIA, na embaixada do Equador em Londres, onde o australiano viveu por sete anos antes de entrar na prisão de segurança máxima de Belmarsh em abril de 2019. Desde então, ele permanece na prisão de Londres, confinado em sua cela por cerca de 22 horas por dia, sem acusações pendentes no país e sem opção de liberdade condicional devido a um suposto risco de fuga.

Martínez visitou o preso no final de maio. Ele tem dificuldade em conter a raiva ao relatar as “condições subumanas” a que este está submetido. “O que estão fazendo com ele é desumano. Ele está destruído física e psicologicamente”, denunciou em entrevista por telefone ao CTXT. “Eles têm que parar com essa loucura. Seu único crime é publicar informações verdadeiras. É como se estivessem perseguindo Pedro J. (Ramírez) por divulgar os crimes do GAL [grupo que agia pelo extermínio de grupos separatistas como o ETA na Espanha]. São liberdades instituídas na imprensa e estamos vivendo uma terrível involução, um brutal retrocesso de liberdades já consagradas e consolidadas”.

A sequência da via legal

A decisão de Swift agora será analisada por dois juízes do mesmo tribunal. Se rejeitarem a opinião do magistrado, o processo recursal será reativado e deverá ser analisado, em julgamento oral, o cerne de um ou mais argumentos políticos da ordem de extradição. Porém, se concordarem com o seu colega e chefe do Tribunal Administrativo, que em 2022 autorizou a deportação para Ruanda de requerentes de asilo, Assange terá esgotado as vias legais disponíveis internamente no Reino Unido.

Ela terá a proteção da Corte Europeia de Direitos Humanos, onde seus advogados abriram um primeiro processo contra o Estado britânico no final de 2022. Repórteres Sem Fronteiras (RSF), associações e federações de imprensa, entre outras organizações, denunciaram a decisão de Swift de que “Isso aproxima Assange do ponto de extradição”. “É hora de parar a perseguição implacável contra Assange e agir para proteger o jornalismo e a liberdade de imprensa”, clamou Rebecca Vincent, diretora de campanha da RSF.

Publicar não é crime

Os Estados Unidos acusam Assange de colaborar com Chelsea Manning para quebrar o código de acesso a um sistema de computador do Pentágono e obter arquivos com informações secretas, que foram publicadas no WikiLeaks entre 2010 e 2011. Atualmente, ele responde por 18 acusações, a maioria delas por violação da lei de espionagem de 1917, punível com pena máxima de 175 anos de prisão. “Para muitos, Julian é um símbolo. Símbolo de injustiça extraordinária, enfrentando uma sentença esmagadora por ter publicado a verdade… O ataque mais brutal à liberdade de imprensa no Ocidente nos últimos 70 anos”, disse sua esposa, a advogada Stella Assange, em recente discurso no Clube Nacional de Imprensa Australiana.

El País, The New York Times, Le monde, Der Spiegel e The Guardian são meios de comunicação que inicialmente cooperaram com o cofundador da pioneira plataforma digital, publicaram parte dessas informações secretas, que revelaram abusos de Washington na correlação de forças nas relações internacionais e aparentes crimes de guerra cometidos por seus agentes.

Os editores e diretores dos cinco jornais internacionais pediram em novembro passado a libertação do diretor do WikiLeaks. “Chegou a hora do governo dos Estados Unidos pôr um fim à perseguição a Julian Assange pela publicação de segredos”, clamaram em carta aberta. Demoraram anos para aderir à causa, embora reconheçam na carta que a “acusação” de seu ex-parceiro “estabelece um precedente perigoso e pode minar a Primeira Emenda dos Estados Unidos e a liberdade de imprensa”.

O gesto coletivo desses grandes meios de comunicação se soma aos avanços na campanha de pressão, que inicialmente topou com um muro de silêncio do establishment, com a desconfiança de amplos setores da população e, finalmente, com a antipatia contra o perseguido. Com a tenacidade e a criatividade dos envolvidos no movimento, as atenções foram gradualmente desviadas da personalidade de Assange para se concentrar nos crimes que os Estados Unidos lhe imputam por realizar seu trabalho jornalístico.

Solução política

“Tenho pouca fé no processo judicial. Este é um caso absolutamente político. Não haverá um momento em que o sistema judicial britânico diga que o governo errou e decida a favor de Julian, criando uma enorme crise na relação especial entre o Reino Unido e os Estados Unidos e o tratado de extradição”, diz John Rees, coordenador da campanha Don’t Extradite Assange [Não Extradite Assange, DEA). O veterano ativista defende que o “caminho para o sucesso” é uma equação entre pressão popular e punição política que se iluminará “quando for politicamente mais penoso retê-lo do que libertá-lo”. “Esse equilíbrio político é decidido com base na pressão política e no ativismo que mobilizamos”.

A balança, segundo Rees, está pendendo para Assange. “Politicamente, sim”, disse por telefone, enquanto destaca a mudança de tendência na Austrália desde a vitória do trabalhista Anthony Albanese, o apoio de vários governos latino-americanos e a intervenção dos editores dos cinco meios de comunicação internacionais. “Ter o governo australiano do nosso lado é muito significativo. A arquitetura imperial trabalha contra Julian por causa do chamado relacionamento especial com os Estados Unidos, mas trabalha a seu favor quando a Austrália muda de posição. Com o pacto trilateral com o Reino Unido e os Estados Unidos (AUKUS), a Austrália tem o controle da alavanca, porque os americanos precisam dela”, pondera.

Daí a recente e primeira visita de Stella Assange à terra natal do pai dos seus dois filhos. Ela, o resto da família e a comitiva do WikiLeaks estão se movendo entre continentes enquanto a pressão flui do Reino Unido para os Estados Unidos, Austrália e Espanha, onde estão sendo descobertas evidências do suposto envolvimento da CIA na perseguição de Assange. “Como ativista, você não sabe quando o adversário vai quebrar ou se está prestes a cair”, diz o diretor da DEA, convencido de que o vento está a favor da campanha.

Ele não duvida da urgência de aumentar a pressão sociopolítica em nível internacional até que Washington anule as acusações ou retire o pedido de extradição endossado pelo governo conservador britânico. A coreografia da renúncia desejada supõe uma outra incógnita. “Se você romper a vontade deles, se eles decidirem que é pior continuar do que parar, eles encontrarão uma maneira de fazer isso; mas, neste momento, ninguém sabe qual será esse mecanismo”.

* Jornalista

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