segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Angola | OS GENERAIS DA MORTE – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A direcção da UNITA declarou que “Jonas Savimbi foi acima de tudo um homem de Paz, para a qual tudo deu incluindo a sua própria vida”. Esta declaração define os sicários do Galo Negro. Quem matou as mães dos seus filhos é homem de paz. Quem assassinou cruelmente companheiros de luta é homem de paz. Quem fez da Jamba um campo de extermínio e matou as elites femininas nas fogueiras, algumas com os seus filhos bebés, é um homem de paz. Os dirigentes de hoje são iguais ao assassino exterminador. Alguns são os generais da morte. 

Hoje vou falar do que sei. Conheci António Vakulukuta em Grenoble. Um angolano muito cima da média. Já era da UNITA. Reencontrámo-nos em 1975 era dirigente do movimento e um dos mais próximos de Savimbi. Trabalhou na província do Cunene com assinalável êxito. Fez uma aliança com a SWAPO e os racistas de Pretória prenderam-no. Entregue ao chefe do Galo Negro foi encarcerado e despromovido. Mas o criminoso de guerra era insaciável. Em 1985, chamou os carrascos e ordenou a sua da morte. Foi executado à paulada. Os generais da morte eram Samuel Martinho Epalanga, Peregrino Wambu e Abílio Camalata Numa.

Jorge Sangumba. Conheci-o em 1974. Viajámos num avião da DTA (TAAG) entre Luanda e o Luena. Um angolano de excepção. Tinha uma visão muito própria para Angola. Acreditava que o tribalismo se evaporava quando os três movimentos (MPLA, FNLA e UNITA) fossem capazes de formar um governo de unidade nacional. Os caminhos da paz encarregavam-se de varrer os desvios belicistas. O ministro das relações edteriores da UNITA foi assassinado na Jamba porque no seio do movimento triunfou o belicismo nazi às ordens dos racistas de Pretória. Savimbi era o Pol Pot angolano. Assassino e exterminador.

No início da década de 1980 Savimbi impôs na UNITA o militarismo e o culto da personalidade. Para cumprir o seu programa mandou matar quem se opunha ao novo rumo. Navimbi Matos e o comandante Waldemar Pires Chindondo foram eliminados. Um dos generais da morte, Peregrino Wambu, é irmão de Waldemar Chindondo, o comandante dos comandantes da UNITA. O homem de paz Jonas Savimbi conseguiu pôr irmãos a executar irmãos! 

Tenho pena do deputado Peregrino Isidro Wambu Chindondo. Assassinou o irmão a mando do homem de paz Jonas Savimbi. Podem dar-lhe milhões. Podem oferecer-lhe um carro de luxo todos os dias. Podem alojá-lo num palácio. Será sempre um assassino consumido pelos seus hediondos crimes. Vive martirizado por ter aceitado matar a soldo. Nunca terá paz. Jamais aceitará uma sociedade pacífica. Muito menos se, em vez de pagar pelos seus crimes e pedir perdão, for recompensado com riqueza fácil e mordomias. Pobre Wambu! Pobre Numa! O Epalanga já era.

A África Ocidental está se preparando para uma guerra regional

Andrew Korybko* | Substack | opinião | # Traduzido em português do Brasil

Os últimos eventos não inspiram confiança de que uma guerra mais ampla na África Ocidental possa ser evitada, e é por isso que todos devem se preparar para uma que irrompa ainda este mês. Se a CEDEAO apoiada pela OTAN e liderada pela Nigéria não derrotar rapidamente a recém-formada Coalizão Saheliana de Burkina Faso, Mali e Níger (com a Guiné possivelmente se juntando a eles em alguma capacidade), espera-se que a Rússia apoie de forma tangível o último, levando assim a um conflito por procuração da Nova Guerra Fria, no qual Chad poderia ser o criador de reis.

O golpe militar patriótico da semana passada no Níger, que foi realizado em resposta ao fracasso do regime anterior em garantir a segurança de seus cidadãos diante das crescentes ameaças terroristas, está rapidamente se tornando o catalisador do que em breve poderá se tornar uma guerra regional na África Ocidental . Os países estão tomando partido antes do ultimato da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que expira neste domingo para reinstalar o presidente deposto Mohamed Bazoum ou enfrentar o que provavelmente será uma invasão liderada pela Nigéria apoiada pela França.

Resumos de fundo

Aqui estão algumas análises relevantes para deixar todos atualizados:

* “ O golpe nigeriano pode ser um divisor de águas na nova guerra fria 

* “ O presidente interino de Burkina Faso disse a seus pares para deixarem de ser marionetes imperialistas 

* “ O Ocidente quer que a Nigéria invada seu vizinho do norte 

* “ Interpretando a resposta oficial da Rússia ao golpe nigeriano 

* “ Um ex-senador nigeriano compartilhou 13 razões pelas quais seu país não deveria invadir o Níger 

Dois novos desenvolvimentos tornam o risco de guerra um cenário muito real.

RACISMO LUSO: CIGANOS, MALTESES E ÀS VEZES...

Olá,

Em 2026 assinala-se os 500 anos de perseguição do povo cigano em Portugal. Com esse marco em mente, uma série de personalidades públicas, com o patrocínio do Presidente da República, avançou com uma petição pública a evocar este legado histórico. Bruno Gonçalves, mediador cultural e dirigente da Associação Cigana Letras Nómadas, é um dos promotores da petição e garante que ainda hoje se sabe muito pouco dos contributos do povo cigano. 

Ele acredita que a evolução do associativismo cigano tem melhorado, mas que ainda há muito por fazer no que diz respeito à luta contra a discriminação das pessoas ciganas, politicamente perseguidas por forças políticas que ameaçam a democracia. Mas, avisa em entrevista ao Setenta e Quatro, a ciganofobia é transversal à sociedade portuguesa: “Encontrei na esquerda pessoas com comportamentos de pessoas de extrema-direita”.

Nos ensaios, o ativista Nathan Akehurst critica os líderes da União Europeia que promovem o medo da imigração enquanto negligenciam as ameaças reais e mortais das alterações climáticas. Toda a região mediterrânica, argumenta, devia colaborar em prol das pessoas deslocadas, contra os gigantes dos combustíveis fósseis e em prol da descarbonização.

Por fim, temos as crónicas de Nuno Serra, dos Ladrões de Bicicleta, e de Guilherme Trindade.

É tudo esta semana. Boas leituras e boas férias, se for esse o caso. 

Ricardo

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Angola | Ilha do Zimbo e a Cidade Mariposa – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Luanda foi fundada por portugueses que lhe imprimiram a sua marca. Muitas marcas, muitos sinais que iam do bom ao mau gosto, da construção majestosa à casa térrea atarracada. Os quintais e quintalões, as varandas amplas que dão frescura, os telhados de zinco barulhentos e escaldantes ou de telha em canudo. No início os luandenses viravam as costas à urbe que nascia. Mas depois aproximaram-se, cercaram e invadiram. Ainda conheci e vivi essa mistura nos Coqueiros, nas Ingombotas, em São Paulo. Luanda é uma cidade mariposa, finge que se transforma mas é sempre a mesma. 

A Ilha de Luanda era disputada. O Rei do Congo ofereceu-a aos construtores da cidade. O País dos Dembos não concordou. Uma delegação foi ter com o governador e disse-lhe que ninguém pode oferecer o que não lhe pertence. O território era uma espécie de região autónoma onde os comerciantes se abasteciam da moeda oficial nas trocas comerciais, o zimbo. A disputa deu guerra que durou entre 1872 e 1919. Os da Ilha mantinham a independência. São Muxiluanda! Quem frequentou as farras no Marítimo sabe o que isso significa. 

Quem gosta de Luanda sabe que a cidade tem um ambiente que derrete corações, faz explodir paixões, desperta amores que acabam em crimes passionais. As casas, os prédios, os comércios e tudo o mais de pouco ou nada servem. Luanda é madrugada faminta de vícios e pecados, acalmados quando a maré-baixa faz soprar da baía um cheiro imparável a esgotos. Assim ninguém esquece que não há bela sem senão. Vivi essa Luanda das noites quentes, do cheiro a suor envolto em ondas de perfumes enjoativos, que se libertavam de corpos elegantes, muito acima da média. Palavras de amor facílimas, carícias automáticas no tempo em que tudo era manual. Muita conversa, muita bebida e muita música. Que cidade!

Mestre Cartola cantava que a vida é um moinho. Tritura mas faz farinha e pão. A vida tem altos e baixios, marás altíssimas e fossas profundas. Numa fase em que estava por terra fui adoptado por uma senhora repleta de qualidades. Nem um defeito. Nem um cabelo desalinhado. Nem uma palavra amarga. Nem um gesto agressivo. Mostrei-lhe que Luanda nada tem a ver com o péssimo gosto arquitectónico dominante nem com a má construção nascida depois de 1961. Tem um clima apenas captado por quem é capaz de colher rosas das lixeiras. O amor era tanto que escrevi com ela pelo menos um capítulo da minha vida.

Habituado aos quartos sem luz eléctrica mas com muita quentura dos tectos de zinco, fui morar para a Avenida do Hospital, num prédio acabado de construir. O meu primeiro doce lar de acolhimento. Comecei a ser caprichoso. Quando foi inaugurado o hotel Panorama, na Ilha do Cabo, propus à minha adoptante passarmos lá os fins-de-semana. Ela não sabia dizer a palavra não e assim se fez. Odeio praia e tenho medo do mar. Mas ela adorava ficar estendida ao sol na praia em frente ao hotel. E eu batucava na minha máquina de escrever Hermes Baby umas xaropadas para vender ao velho Maciel que depois revendia à Agência Portuguesa de Revistas. Novelas de amor!

Na praia apareciam uns gandulos musculados enfeitando-se par a minha adoptante. E ela apontava para o hotel e dizia delicadamente: Isso de homem tenho ali no quarto! E eu batucava furiosamente na teclas da Hermes Baby. Se isto não é uma história de amor a Luanda desisto de viver.

Injustiças não. Luanda é uma cidade onde impera o mau gosto e a péssima qualidade construtiva. Mas a cidade tinha (ainda tem…) pérolas criadas por grandes arquitectos como Fernando Batalha, Vasco Vieira da Costa, Fernão Lopes Simões de Carvalho (Carvalhinho) autor do projecto da Rádio Nacional, os irmãos Castilho ou José Troufa Real. O hotel Panorama foi projectado pelo arquitecto modernista Carlos Moutinho. Bom gosto!

Logo a seguir à Independência Nacional o Hotel Panorama acolheu cooperantes soviéticos e de outras nacionalidades. A guerra corroeu a operação porque sem técnicos não há hotelaria. Por fim ficou apenas o edifício. O mar encarregou-se de fazer dele uma ruína. O mar arruína tudo! A água é amarga e faz compressão na barriga. As calemas até derrubaram a Fortaleza de Nossa Senhora da Flor da Rosa. Lamberam dois terços da Ilha do Cabo e dos Muxulianda. 

Depois da Independência Nacional o hotel Panorama passou a propriedade do Estado. Ainda bem. E assim ficou até ser abandonado à maresia. Mesmo assim as ruínas serviram de tecto a meninos de rua e deslocados de guerra. Ruinas habitadas por famílias e suas criancinhas! É um fim digno do hotel onde passava os fins-de-semana para não me sujeitar às longas filas de trânsito. Um burguês privilegiado com alma de anarquista.

Em 2017, ano em que começou o combate à corrupção e impunidade, a Fundação Sagrada Esperança comprou o edifício que já foi hotel. Para que fim a fundação quis um edifício arruinado pelo salitre até ao ferro do betão? Tive agora as respostas. 

O moderno edifício do Hotel Panorama vai ser demolido e no seu lugar a Fundação Sagrada Esperança constrói um hotel novo, projecto novo, no valor de 50 milhões de dólares! Afinal apenas comprou o terreno! E agora tem de gastar milhões a demolir e tirar dali o entulho. Na época o Jaime Saint Maurice fez uma reportagem que trazia água no bico. O hotel foi construído por um ricaço no domínio público! Basta ver a localização para concluir que é verdade. Portanto, a Fundação Sagrada Esperança comprou (a quem?) um terreno com entulho que pertence ao Estado.

O empreiteiro da obra é o Grupo ALCAAL que opera nas áreas da agricultura, indústria têxtil e reflorestamento. Como é a sua primeira incursão na hotelaria, não se esqueçam que o ar marítimo come tudo, destrói tudo. Pior que o mar só mesmo a UNITA. Os construtores têm de levar isso em conta. Eu vou já reservar a suite presidencial para passar lá um fim-se-semana batucando no teclado do computador e pensando na minha adoptante que fez de mim um rapaz caprichoso.

O General Fernando Garcia Miala anda desesperadamente a limpar-se. Apareceu numa cerimónia de passagem à reforma de oficiais generais oferecendo ricas prendas. Agora foi à Jamba procurar ossadas. O Francisco Queiroz está lixado, foi apeado do negócio. Agradeço â CIVICOP que procure também as ossadas de Dona Isabel Paulino no Bailundo. O assassino Abílio Camalata Numa sabe onde estão. E procurem as ossadas de todos os outros que foram assassinados por Savimbi longe, muito longe da Jamba. Têm milhares de ossadas para encontrar.

*Jornalista

Francisco Ensina Paz e Solidariedade -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Papa Francisco chegou a Portugal em cadeira de rodas, frágil, rosto marcado pelo sofrimento pessoal e da Humanidade. De repente começou a falar e partiu tudo. Citou o Tratado da União Europeia para dizer que a liderança do cartel, apostando na guerra, está a trair os princípios e os seus fundadores que sonharam alto um mundo de paz e solidariedade. O grande líder mundial perguntou aos nazis de Bruxelas: Para onde vais Europa e Ocidente? Para onde levas os teus sonhos? As armas não são o futuro. Invistam nos vossos filhos e no Estado Social. Avancem com a diplomacia.

O Papa falava no Centro Cultural de Belém para uma plateia de ignorantes e corruptos, tirando uma ou outra excepção, como mandam as regras. Deu-lhes umas pérolas mesmo sabendo que iam comê-las e depois defecá-las. A maioria nem se apercebeu que eram joias da Cultura. Citou Camões para nomear Portugal, país onde a terra se acaba e o mar começa. Citou Pompeu, nascido mais de 100 anos antes de Cristo: Navegar é preciso viver não é preciso. (Eu a dar uma de latinista: Navigare necesse, vivere non est necesse), Fernando Pessoa e depois Caetano Veloso também citaram o guerreiro romano. Oiçam o Papa, almas danadas. O vosso progresso só serve para a técnica. Ai de ti Europa que só apostas na guerra! Regressa urgentemente ao roteiro da paz.

Eu sabia que Francisco havia de esmagar as elites corruptas e ignorantes que dominam Portugal. Os que mandam para a Ucrânia tanques de guerra com os motores gripados e helicópteros sem rotores. Oiçam o Papa: “A guerra na Ucrânia e outros pontos do mundo só se resolve com diplomacia, não com armas!” Francisco contra a indústria bélica! Nenhum líder mundial é mais progressista do que ele. Se Deus existe que lhe dê mais 500 anos de vida porque ele vai pôr o mundo nos eixos e acabar com as guerras, a pobreza e a fome. É bom acreditar no impossível e exigir a utopia.

Portugal | MARCELO PNEUMÁTICO

Henrique Monteiro | HenriCartoon

Um primeiro balanço da JMJ: todos amam o Papa Francisco - excepto os atuais políticos

Sobre este Curto do Expresso o que se nos oferece dizer sem quase nada acrescentar para além daquilo que o Papa declarou nas suas imensas palavras profundas a mais de milhão e meio de seres supostamente humanos é que muito do que disse assenta que nem uma carapuça nos atuais políticos (salvo alguns raros) de Portugal, da UE, dos EUA e etc. Nesse aspeto o mal é terrivelmente global-ganancioso, desonesto e desumano... António Costa, por exemplo, foi profícuo no patati-patatá a transbordar de hipocrisia e fingimentos mas muito outros foram macacos de imitação nesse aspecto. Por palavras ínvias o Papa disse: "Não tenhais medo, revoltem-se contra as injustiças das elites políticas em conluio com as elites económico-financeiras sobre os povos!... De que estão à espera, povos jovens e plebeus de mais idade? Revoltem-se e protestem pacificamente!! 

O Curto do Expresso já a seguir, sem mais "pachorras".

-- Redação PG

João Pedro Barros, editor online | Expresso (curto)

Bom dia,

Depois da avalanche mediática dos últimos dias – que alguns podem apelidar de exagerada, mas como olhar para imagens como a de cima, da vigília da madrugada de ontem, sem pensar na JMJ como algo de extraordinário? –, o rescaldo vai obrigatoriamente ser feito nos próximos dias. Há duas perguntas inevitáveis: quem ganhou mais “capital” com este evento? E o que fica para o futuro?

Como acompanhei a Jornada Mundial da Juventude à distância, falei com vários jornalistas que estiveram no terreno para responder a estas questões. E o que me disseram, naturalmente, reflete o que temos escrito nos últimos dias, nos nossos diretos e nas várias reportagens e notícias publicadas. A primeira nota é que, a todos os títulos, o evento foi um sucesso, ainda que tenham sido sentidas mais dificuldades no Parque Tejo (especialmente para lá do Trancão, do lado de Loures, como nota a camarada Eunice Lourenço) do que no Parque Eduardo VII. Só que quando o próprio Papa diz que esta foi a jornada “mais bem preparada” de sempre não há muito mais a acrescentar.

A Igreja portuguesa, muito fragilizada pelos casos de abuso sexual que vieram à tona nos últimos tempos, teve nesta Jornada um grande triunfo – engrandecido ainda pelo facto de o Papa, já no avião a caminho de Roma, ter elogiado a forma como o tema tem sido tratado por cá. O rosto mais visível deste sucesso é D. Américo Aguiar: o futuro cardeal já reforçou ontem, em entrevista, que está disponível para servir a Igreja onde pedirem a sua presença – não se sabe é se será em Portugal ou no Vaticano. Os números de participação são impressionantes e houve horas e horas de comentário teológico televisivo e de jovens a mostrar uma fé viva e praticada – algo que não deixa de contrariar estudos recentes que mostram o crescimento do ateísmo e um decréscimo da prática religiosa. Pergunta de mil milhões de euros: reproduzindo a metáfora da onda utilizada por Francisco no encontro com os voluntários, a Igreja vai ser capaz de surfar a vaga e reconquistar fiéis e relevo na sociedade?

Carlos Moedas – que herdou o evento das mãos de Fernando Medina – é outro grande vencedor e, aliás, pareceu sempre muito preocupado em estar na crista da onda. O exemplo mais claro foi na visita à zona pobre da Serafina, em que fez questão de falar à imprensa para frisar que tinha sido o Papa a pedir-lhe para ver a obra de habitação do seu executivo, quando pouco ou nada do que existe (de mau ou de bom) nos bairros da Serafina e Liberdade teve o seu dedo. O tour de force do presidente da Câmara de Lisboa continuou ontem à noite, com uma entrevista à TVI: “Tinha de mostrar aos lisboetas e ao país que era capaz de fazê-lo e bem. E começando do zero, não havia nada feito”. Se não é o início de uma rampa para outros voos, pelo menos Moedas não perdeu a oportunidade de lançar a primeira pedra.

O Governo, especialmente pelo facto de as questões da mobilidade terem sido pacíficas – muito pela paciência demonstrada pelos peregrinos, garantiram-me do terreno –, também sai na mó de cima (e até Costa, que tem estado discreto, diz que os portugueses têm motivos para estar “satisfeitos e orgulhosos”). Em termos de segurança – presente, mas não ostensiva – também nada de negativo veio a público. Marcelo, em boa verdade o primeiro político a mostrar entusiasmo com a realização do evento, já se apressou a dizer que o investimento económico “está pago”.

Lisboa e Loures ganham um parque unido à beira Tejo (bem retratado nesta fotogaleria de ontem), restando agora saber-se que uso vai ter de facto o polémico altar-palco (quem ainda se recorda desta polémica?). E a recuperação deste espaço público não pode deixar de ser vista com bons olhos, especialmente para quem tem a memória – como o nosso cronista Henrique Raposo – de um território absolutamente deprimente, que começou a ser requalificado com a Expo’98. Por falar nisso, a opção pela realização da jornada em Lisboa nunca esteve na ordem do dia, mas a cada grande evento realizado na capital acumulam-se infraestruturas e conhecimento e cada vez fica mais longe a ideia de descentralização/desconcentração (risque o que menos lhe interessar).

A imprensa internacional esteve em Lisboa, mas não houve propriamente grandes manchetes a sair da JMJ – talvez o facto mais noticiado tenha sido o encontro do Papa com as vítimas de abusos, algo que já tinha acontecido noutras latitudes. E os discursos do Santo Padre também não trouxeram novidade – as ideias-base, muito repetidas, foram a necessidade de inclusão, de amor ao próximo e de os jovens não desistirem e não terem medo de pôr mãos à obra para construir um mundo melhor. É muito difícil não ser contagiado pela simplicidade do discurso de Francisco, que, não primando pela profundidade teológica, consegue sempre trazer consigo belas parábolas e uma presença vibrante.

Havia quem esperasse que falasse mais da Ucrânia – mencionada na missa de ontem – ou que que fosse conhecer mais de perto as dificuldades dos habitantes da Serafina, mas era difícil pedir mais a um homem com o peso de 86 anos e algumas complicações de saúde. “Os jovens não têm muito tempo de atenção” e a homilia precisa de ser “breve, clara, com uma mensagem clara e afetuosa”, explicou ontem no avião. A marca de Francisco na Igreja será avaliada pelo tempo, mas nesta visita a Portugal foi cristalina – e todos os intervenientes, nomeadamente políticos, tiraram partido dela. Estará Francisco presente em Seul, daqui a quatro anos?

OUTRAS NOTÍCIAS

Incêndios – O aumento das temperaturas, que trouxe o fim das noites frescas, parece estar a ter consequências. Ontem foram cortadas três autoestradas: a A5 (fogo em Monsanto), a A8 (fogo em Loures) e a A42 (fogo em Paredes). Há incêndios ativos em OurémOdemira e Mangualde, com cerca de 1000 bombeiros no terreno, e a terra também ardeu em Castelo Branco. Lisboa, Setúbal, Évora, Santarém, Castelo Branco e Portalegre estão hoje sob aviso vermelho do IPMA. O Governo pondera declarar situação de alerta.

Centro Hospitalar de Leiria – Médicos obstetras apresentam escusa de responsabilidade, devido a um "aumento muito significativo de afluência" e do número de partos desde junho.

Madeira – Ciberataque força suspensão de atividade clínica não urgente no Serviço de Saúde da região, durante o dia de hoje.

The Clinic of Change – Publicidade de clínica de cetamina que promete “tratamentos de curta duração com efeitos para a vida” está a ser avaliada pela Entidade Reguladora da Saúde.

Paquistão – Descarrilamento de um comboio provoca pelo menos 30 mortos.

Arsenal começa a ganhar – A temporada de futebol em Inglaterra arrancou ontem com a vitória do Arsenal, no desempate por grandes penalidades, sobre o Manchester City, na Supertaça. Fábio Vieira marcou o penálti decisivo.

Mundiais de ciclismo – Em sangue, a sofrer e depois de cair, Van der Poel sagrou-se campeão mundial de estrada.

Guns N’ Roses com novo single? – Lançamento pode ocorrer já esta sexta-feira.

FRASES

Acompanhemos com o pensamento e a oração aqueles que não puderam vir por causa de conflitos e de guerras. E são tantos por esse mundo fora. Pensando neste continente, sinto grande tristeza pela querida Ucrânia, que continua a sofrer muito.
Papa Francisco, na missa de envio da JMJ, ontem

Não demonstrava em campo que merecia estar no 11 e comecei a conformar-me com isso. (...) A minha resiliência foi zero, rigorosamente zero.
Diogo Amado, jogador da União de Leiria, em mais um “Casa às costas”, da Tribuna. O médio falava do período em que esteve no Sheffield Wednesday e, como tantas vezes nestas entrevistas, contrariam-se os lugares comuns: nem sempre os futebolistas, como qualquer profissional, dão “tudo em campo”

Se a inteligência artificial é o futuro da música, vamos precisar de drogas melhores para conseguir aguentar.
Damon Albarn, vocalista dos Blur, em entrevista ao “The Sun”, citada pela Blitz

Daqui a cinco anos, estaremos a falar deste cartaz como um dos melhores de sempre do festival.
João Carvalho, diretor do Vodafone Paredes de Coura, a apresentar a Blitz a edição deste ano do festival, que arranca para a semana

PODCASTS A NÃO PERDER

As sugestões da equipa multimédia do Expresso:

Milan Kundera, o escritor que nunca foi Nobel, morreu aos 94 anos em Paris. Recorde com Pedro Mexia e Inês Meneses, neste episódio de PBX, o escritor checo que marcou gerações, autor do livro “A Insustentável Leveza de Ser”

Quando é que as prestações dos créditos bancários irão baixar? O Economia dia a dia dá-lhe respostas simples e resumidas sobre a subida dos juros do BCE, responsável pela subida das prestações dos créditos à habitação. E deixa, também, algumas dicas para pedir um novo empréstimo.

2009 foi o ano em que a Pop ficou sem Rei (mas não sem rock). Houve a crise do subprime, a recessão, Sócrates na maioria das manchetes do Expresso, mas este episódio de Liberdade Para Pensar, dedicado aos fãs de música, decidiu focar-se no impacto que teve a inesperada morte de Michael Jackson.

O QUE EU ANDO A LER

As guerras – e, em boa verdade, a esmagadora maioria dos eventos que moldaram o nosso mundo – têm sido contadas e têm como protagonistas homens. “As Enviadas Especiais” (de Judith Mackrell, tradução de Isabel Pedrome, Casa das Letras, 2023) dá-nos o relato de seis jornalistas que estiveram na linha da frente na Segunda Guerra Mundial. Entre elas conta-se Clare Hollingworth, autora do “furo do século”, ao noticiar em primeira mão o início da guerra na fronteira da Alemanha com a Polónia, em 1939.

“Embora fosse praticamente uma principiante na altura em que conseguiu um contrato para trabalhos avulsos com o ‘Daily Telegraph’ (...), quando foi enviada para Katowice, no Sudoeste da Polónia, a primeira coisa que decidiu fazer foi pedir um carro ao consulado britânico para seguir para a Alemanha em busca de movimentos de tropas. Foi no dia 29 de agosto de 1939 e tratou-se de uma completa loucura”, descreve Mackrell, escritora e crítica de dança do ‘The Guardian’. O vislumbre de várias divisões em formação de batalha valer-lhe-ia honras de primeira página no ‘Telegraph’, a 1 de setembro, dia em que acordou ao som das antiaéreas e dos aviões de combate alemães, já em plena ofensiva. Tratava-se da segunda manchete em quatro dias, nada mau para uma principiante.

As demais histórias nesta biografia não ficam atrás. Outras duas protagonistas são Lee Miller, uma modelo da ‘Vogue’ que se tornou correspondente de guerra, e Helen Kirkpatrick, a primeira repórter a conseguir os mesmos direitos que os homens numa zona de combate controlada pelos Aliados.

O livro, que segue a ordem cronológica da guerra, está recheado de contexto e de peripécias da vida destas seis jornalistas, cujas histórias valem por si, independentemente do sexo – mas em que é impossível ignorar o impacto do facto de serem mulheres e de fugirem às convenções da época. Está a ser bom perceber que ainda é possível uma visão fresca de uma das histórias mais contadas de sempre, a da terrível Segunda Guerra Mundial. Que nunca se repita.

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