Artur Queiroz*, Luanda
O Acordo de Alvor foi assinado há 49 anos. Estive lá mas antes também cobri a Cimeira de Mombaça onde os três movimentos de libertação concertaram posições comuns, para depois negociarem com a potência colonial no Hotel da Penina. Nessa altura trabalhava na Emissora Oficial de Angola (RNA). A equipa da Rádio incluía também Francisco Simons, Horácio da Fonseca e o técnico Humberto Jorge. Já todos faleceram ainda que eu fosse o mais velho. Isto anda tudo ao contrário. Neste momento quero deixar uma palavra de amizade, reconhecimento e gratidão a esses camaradas, dos melhores da Rádio Angolana.
Humberto Jorge criou no seu quarto do Hotel D. João II (onde ficaram os jornalistas) um estúdio. Tínhamos duas “nagras”, uma linha telefónica exclusiva e com o apoio da Rádio Difusão Portuguesa (Algarve) conseguimos equipamentoss que permitiram criar a estrutura. Emitíamos directamente a partir do Algarve.
Além do nosso trabalho jornalístico tínhamos comentários de Sebastião Coelho (nos dois primeiros dias) e Aquino de Bragança, jornalista moçambicano de origem indiana. Fazia comentários nos jornais das 13 e 20 horas. Uma figura mundial da luta anticolonial.
Maria do Carmo Medina participou nas negociações como técnica de apoio à delegação do MPLA, liderada por Agostinho Neto. Diógenes Boavida era membro oficial. Dois advogados de grande prestígio e que se destacaram como defensores dos presos políticos. Ambos colaboravam com a Emissora Oficial. Fontes que exigiram o anonimato dadas as funções que desempenhavam.
A Dra. Maria do Carmo Medina, ainda o Acordo de Alvor não estava assinado, alertou logo para a “pressa” que FNLA e UNITA queriam impor ao processo de transição. Diógenes Boavida achava possível a organização dos cadernos eleitorais e a realização de eleições durante a transição “se o Governo se dedicar inteiramente a essas tarefas. Temos de estar todos mobilizados para a realização de eleições”.
Diógenes Boavida não contava com o susto apanhado pelos independentistas brancos, seus aliados da UNITA e pela FNLA, no dia 8 de Novembro de 1974, quando chegou a Luanda uma delegação oficial do MPLA, após a assinatura do cessar-fogo com Portugal, na chana do Luinhameje, Leste de Angola. O Aeroporto então chamado Craveiro Lopes foi engolido por dezenas de milhares de pessoas. Entre o aeroporto e a Vila Alice os membros do MPLA passaram entre maresde gente. A polícia disse à imprensa que só no largo do aeroporto estavam mais de 50.000 manifestantes. No percurso, pelo menos 100.000!
A FNLA chegou à capital e nem um
polícia sinaleiro saudou os seus delegados. A UNITA nem chegou, já estava
instalada na sede da Polícia de Informações Militares (PIM), herdeira da PIDE.
Nos corredores da Associação Comercial de Luanda, sede dos independentistas
brancos. Apresentava-se como “ movimento dos brancos” e messa altura Savimbi
era apenas o ”Muata da Paz”
Outro pormenor que ia contra a realização de eleições. No Acordo de Alvor ficou escrito que cada movimento de libertação fornecia 8.000 militares para as “forças conjuntas”. A FNLA estava sem tropa, para cumprir tinha que usar militares zairenses. A UNITA nem 100 militares conseguia mandar. O único oficial que apresentou em Luanda, antes do Acordo de Alvor foi o Tenente Sabino. Os outros militares, como Nzau Puna ou Tony da Costa Fernandes, eram altos dirigentes, não podiam ir para a força conjunta. Como podiam aceitar a realização de eleições? Por isso tinham tanta pressa na sua realização. Fizeram tudo para que primeiro faltasse o tempo e depois não existissem cadernos eleitorais!
No dia 31 de Janeiro de 1975 tomou posse o Governo de Transição. Um Colégio Presidencial dirigia. Era constituído pelo Alto-Comissário (Portugal), Lopo do Nascimento (MPLA), Johnny Pinock Eduardo (FNLA) e José Ndele (UNITA) dirigia. Cada parte tinha três ministérios: Portiual, MPLA, FNLA e UNITA. Casa ministério tinha secretários de estado dos movimentos não titulares. Tudo perfeito em termos de paridade. Todos iguais.
No dia 1 de Fevereiro só tinham que começar a trabalhar na organização dos cadernos eleitorais e na Lei Eleitoral para a realização das eleições em Outubro de 1975. Apenas podiam concorrer os três movimentos à eleição dos deputados da Assembleia Constituinte. Só o MPLA com Diógenes Boavida já no papel de ministro da Justiça se esforçou para a realização das eleições. Todos os outros, inclusive o Alto-Comissário remavam contra a maré.
No primeiro dia de Fevereiro, Daniel Chipenda abriu em Luanda, ao lado da sede central da FNLA, uma “delegação do MPLA”. Ele dizia que era o presidente do movimento e pôs em causa o Governo de Transição. No dia 4 de Fevereiro de 1975 Agostinho Neto chegou a Luanda. Mais de um milhão de luandenses saiu à rua. Foi o susto definitivo dos independentistas brancos e das direcções dos outros movimentos.
O líder do MPLA exigiu que o Alto-Comissário tomasse medidas encerrando o quatrel de Chipenda (era uma base militar) e desarmando os seus homens que eram muitos mais do que os da UNITA! Também eram quase todos zairenses. Silva Cardoso disse que era preciso rer calma. Neto ripostou: “Não é com calma que se desarmam bandidos”.
O Norte de Angola começou a ser invadido, em Junho de 1974, pelas tropas de Mobutu, oficiais da CIA e militares portugueses contrários ao 25 de Abril organizados no ELP. Tudo saqueado, bancos, casas comerciais, fábricas, fazendas de café e as explorações de gado no Planalto de Camabatela. O comando das tropas portuguesass mandou retirar as forças para Luanda! A festa continuou depois da tomada de posse d Alto- Comissário Silva Cardoso, imposto no cargo pela FNLA e UNITA, por indicação da CIA.
O Artigo 13.º do Ascordo de Alvor atribui ao Alto-Comissário “salvaguardar e garantir a integridade do território angolano em estreita cooperação com o Governo de Transição”. O Artigo 24.º define competências do Governo de Transição. Uma delas é “conduzir a política interna, preparar e assegurar a realização de eleições gerais para a Assembleia Constituinte de Angola”. Diógenes Boavida e outros juristas ligados ao MPLA ficaram a falar sozinhos. Eram ridicularizados pelos ministros da UNITA e da FNLA. Porque queriam eleições.
Agostinho Neto, numa entrevista que me concedeu em Maio de 1975 e publicada no “Diário de Notícias” (Lisboa) disse: “Temos de passar pelo crivo das eleições para sabermos quem representa quem”. O Alto-Comissário Silva Cardoso sabotou as eleições. Os membros do Governo de Transição i afectos à FNLA e UNITA fizeram o mesmo. Lisboa já estava a caminho do 25 de Novembro e apoiava os sabotadores.
O Governo de Transição tinha o dever de criar uma Comissão Central (Artigo 42.º) para “elaborar um projecto de lei eleitoral, organizar os cadernos eleitorais, registar as listas dos candidatos à eleição da Assembleia Constituinte apresentadas pelos movimentos de libertação”. Tudo sabotado pelo Alto-Comissário Silva Cardoso que logo em Fevereiro de 1975 disse que não existiam condições para realizar eleições! Era o que Mobutu, Spínola e Nixon queriam ouvir. Assim que ouviram, começaram a ouvir-se os disparos das armas.
Daniel Chipenda e as tropas zairenses ao serviço da FNLA iniciaram em Luanda uma guerra sem quartel contra as populações civis. Só o MPLA se opôs fazendo tudo para “desarmar os bandidos”. Mas o Acordo de Alvor, no seu Artigo 29º cria a “Comissão Nacional de Defesa” constituída por todas as partes signatárias. Competia-lhe “assegurar e salvaguardar a integridade territorial de Angola (alínea b) garantir a paz, a segurança e a ordem pública (alínea c) e velar pela segurança das pessoas e dos bens (alínea d). Pelo contrário. O Alto-Comissário Silva Cardoso estava conluiado com os bandidos armados.
Muitos falam do Acordo de Alvor sem saberem o que dizem. O texto diz no Artigo 40.º: “O Governo de Transição organizará eleições gerais para uma Assembleia Constituinte no prazo de nove meses a partir 31 de Janeiro de 1975, data da sua instalação”.
E no Artigo 42.º está escrito: “Será estabelecida, após a instalação do Governo de Transição, uma Comissão Central, constituída em partes iguais por membros dos movimentos de libertação, que elaborará o projecto da Lei Fundamental e preparará as eleições para a Assembleia Constituinte”. Leiam a Imprensa da época. Apenas Agostinho Neto, Diógenes Boavida e outros dirigentes do MPLA reclamavam o cumprimento neste artigo!
Os outros, quando perceberam que seriam esmagados em eleições livres e justas, abandonaram o Governo de Transição para avançar a guerra. E para não restarem dúvidas, Lisboa suspendeu o Acordo der Alvor, para que a parte portuguesa e o MPLA não avançassem para o acto eleitoral. Perdoar e abraçar os bandidos é a única solução. João Lourenço trem razão.
Hoje mando o texto integral do Acordo de Alvor, Talvez alguém queira conhecer quanto mais não seja para falar do que conhece.
*Jornalista
# Leia a seguir TEXTO INTEGRAL DO ACORDO DE ALVOR
O Estado Português e os
movimentos de libertação nacional de Angola, Frente Nacional de Libertação de
Angola - F. N. L. A., Movimento Popular de Libertação de Angola - M. P. L. A.,
e União Nacional para a Independência Total de Angola - U. N. I. T. A.,
reunidos em Alvor, Algarve, de
CAPÍTULO I DA INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA
ARTIGO 1.º O Estado Português reconhece os movimentos de libertação, Frente Nacional de Libertação de Angola - F. N. L. A., Movimento Popular de Libertação de Angola - M. P. L. A., e União Nacional para a Independência Total de Angola - U. N. L T. A., como os únicos e legítimos representantes do povo angolano.
ARTIGO 2.º O Estado
Português reafirma, solenemente, o reconhecimento do direito do povo angolano à
independência.
ARTIGO 3.º Angola constitui uma entidade, una e indivisível, nos seus limites geográficos e políticos actuais e neste contexto, Cabinda é parte integrante e inalienável do território angolano.
ARTIGO 4.º A independência e soberania plena de Angola serão solenemente proclamadas em 11 de Novembro de 1975, em Angola, pelo Presidente da República Portuguesa ou por representante seu, expressamente designado.
ARTIGO 5.º O Poder passa a ser exercido, até à proclamação da independência, pelo alto-comissário e por um Governo de Transição, o qual tomará posse em 31 de Janeiro de 1975.
ILÍCITO QUALQUER ACTO DE RECURSO À FORÇA
ARTIGO 6.º O Estado Português e os três movimentos de libertação formalizam, pelo presente acordo, um cessar-fogo geral, já observado, de facto, pelas respectivas Forças Armadas em todo o território de Angola. A partir desta data, será considerado ilícito qualquer acto de recurso à força, que não seja determinado pelas autoridades competentes com vista a impedir a violência interna ou a agressão externa.
ARTIGO 7.° Após o cessar-fogo as Forças Armadas da F. N. L. A., do M. P. L. A. e da U. N. I. T. A. fixar-seão nas regiões e locais correspondentes à sua implantação actual, até que se efectivem as disposições actuais, previstas no capítulo IV do presente acordo.
ARTIGO 8.º O Estado Português obriga-se a transferir progressivamente até ao termo do período transitório, para os órgãos de soberania angolana, todos os poderes que detém e exerce em Angola.
ARTIGO 9.º Com a conclusão do presente acordo consideram-se amnistiados, para todos os efeitos, os actos patrióticos praticados no decurso da luta de libertação nacional de Angola, que fossem considerados puníveis pela legislação vigente à data em que tiveram lugar.
ARTIGO 10.º O Estado Independente de Angola exercerá a soberania, total e livremente, quer no plano interno quer no plano internacional.
CAPÍTULO II DO ALTO-COMISSÁRIO
ARTIGO 11.º O Presidente da República e o Governo Português são, durante o período transitório, representados em Angola pelo Alto-Comissário, a quem cumpre defender os interesses da República Portuguesa.
ARTIGO 12.º O Alto-Comissário em Angola é nomeado e exonerado pelo Presidente da República Portuguesa, perante quem toma posse e responde politicamente.
ARTIGO 13.º Compete ao Alto-Comissário: a) representar o Presidente da República Portuguesa, assegurando e garantindo, de pleno acordo com o Governo de Transição, o cumprimento da lei; b) salvaguardar e garantir a integridade do território angolano em estreita cooperação com o Governo de Transição; c) assegurar o cumprimento do presente acordo e dos que venham a ser celebrados entre os movimentos de libertação e o Estado Português; d) garantir e dinamizar o processo de descolonização de Angola; e) ratificar todos os actos que interessem ou se refiram ao Estado Português; f) assistir às sessões do Conselho de Ministros, quando o entender conveniente, podendo participar nos respectivos trabalhos, sem direito de voto; g) assinar, promulgar e mandar publicar os decretos-leis e os decretos elaborados pelo Governo de Transição; h) assegurar, em conjunto com o colégio presidencial, a direcção da Comissão Nacional de Defesa, e dirigir a política externa de Angola, durante o período transitório, coadjuvado pelo colégio presidencial.
CAPÍTULO III DO GOVERNO DE TRANSIÇÃO
ARTIGO 14.º O Governo de Transição é presidido pelo Colégio Presidencial.
ARTIGO 15.º O Colégio Presidencial é constituído por três membros, um de cada movimento de libertação, e tem por tarefa principal dirigir e coordenar o Governo de Transição.
ARTIGO 16.º O Colégio Presidencial poderá, sempre que o deseje, consultar o Alto-Comissário sobre assuntos relacionados com a acção governativa.
ARTIGO 17.º As deliberações do Governo de Transição são tomadas por maioria de dois terços, sob a presidência rotativa dos membros do Colégio Presidencial.
ARTIGO 18.° O Governo de Transição é constituído pelos seguintes Ministérios: Interior, Informação, Trabalho e Segurança Social, Economia, Planeamento e Finanças, Justiça, Transportes e Comunicações, Saúde e Assuntos Sociais, Obras Públicas, Habitação e Urbanismo, Educação e Cultura, Agricultura, Recursos Naturais.
ARTIGO 19.º São, desde já, criadas as seguintes Secretarias de Estado: a) duas Secretarias de Estado no Ministério do Interior; b) duas Secretarias de Estado no Ministério da Informação; c) duas Secretarias de Estado no Ministério do Trabalho e Segurança Social; d) três Secretarias de Estado no Ministério da Economia, designadas, respectivamente, por Secretaria de Estado do Comércio e Turismo, Secretaria de Estado da Indústria e Energia e Secretaria de Estado das Pescas.
ARTIGO 20.° Os ministros do Governo de Transição são designados, em proporção igual, pela Frente Nacional de Libertação de Angola (F. N. L. A.), pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (M. P. L. A.), pela União Nacional para a Independência Total de Angola (U. N. I. T. A.), e pelo Presidente da República Portuguesa, e tomam posse perante o Alto-Comissário.
ARTIGO 21.º Tendo em conta o carácter transitório do Governo, a distribuição dos Ministérios é feita do seguinte modo: a) ao Presidente da República Portuguesa, cabe designar os ministros da Economia, das Obras Públicas, Habitação e Urbanismo e dos Transportes e Comunicações; b) à F. N. L. A., cabe designar os ministros do Interior, da Saúde e Assuntos Sociais e da Agricultura; c) ao M. P. L. A., cabe designar os ministros da Informação, do Planeamento e Finanças e da Justiça; d) à U. N. I. T. A., cabe designar os ministros do Trabalho e Segurança Social, da Educação e Cultura e dos Recursos Naturais.
ARTIGO 22.º As Secretarias de Estado previstas no presente acordo são distribuídas pela forma seguinte: a) à F. N. L. A., cabe designar um secretário de Estado para a Informação, um secretário de Estado para o Trabalho e Segurança Social e o secretário de Estado do Comércio e Turismo; b) ao M. P. L. A., cabe designar um secretário de Estado para o Interior, um secretário de Estado para o Trabalho e Segurança Social e um secretário de Estado da Indústria e Energia; c) à U. N. I. T. A., cabe designar um secretário de Estado para o Interior, um secretário de Estado para a Informação e o secretário de Estado das Pescas.
ARTIGO 23.° O Governo de Transição poderá criar novos lugares de secretários e subsecretários de Estado, respeitando na sua distribuição a regra da heterogeneidade política.
CAPÍTULO IV COMPETÊNCIA DO GOVERNO DE TRANSIÇÃO
ARTIGO 24.º Compete ao Governo de Transição: a) velar e cooperar pela boa condução do processo de descolonização até à independência total; b) superintender no conjunto da administração pública assegurando o seu funcionamento, e promovendo o acesso dos cidadãos angolanos a postos de responsabilidade; c) conduzir a política interna, preparar e assegurar a realização de eleições gerais para a Assembleia Constituinte de Angola; e) exercer por decreto-lei a função legislativa e elaborar os decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis; f) garantir, em cooperação com o alto-comissário, a segurança das pessoas e bens; g) proceder à reorganização judiciária de Angola; h) definir a política económica, financeira e monetária, e criar as estruturas ao rápido desenvolvimento da economia de Angola; i) garantir e salvaguardar os direitos e as liberdades individuais ou colectivas.
ARTIGO 25.º O colégio presidencial e os ministros são solidariamente responsáveis pelos actos do Governo.
ARTIGO 26.º O Governo de Transição não poderá ser demitido por iniciativa do Alto-Comissário, devendo qualquer alteração da sua constituição ser efectuada por acordo entre o alto-comissário e os movimentos de libertação.
ARTIGO 27.º O Alto-Comissário e o colégio presidencial procurarão resolver em espírito de amizade e através de consultas recíprocas todas as dificuldades resultantes da acção governativa.
ARTIGO 28.º É criada uma Comissão Nacional de Defesa com a seguinte composição: Alto-Comissário; colégio presidencial; Estado-Maior Unificado.
ARTIGO 29.° A Comissão Nacional de Defesa deverá ser informada pelo alto-comissário sobre todos os assuntos relativos à defesa nacional, tanto no plano interno como no externo, com vista a: a) definir e concretizar a política militar resultante do presente acordo; b) assegurar e salvaguardar a integridade territorial de Angola; c) garantir a paz, a segurança e a ordem pública; d) velar pela segurança das pessoas e dos bens.
ARTIGO 30.º As decisões da Comissão Nacional de Defesa são tomadas por maioria simples, tendo o Alto-Comissário, que preside, voto de qualidade.
ARTIGO 31.° É criado um Estado-Maior Unificado que reunirá os comandantes dos três ramos das Forças Armadas portuguesas em Angola e três comandantes dos movimentos de libertação. O Estado-Maior Unificado fica colocado sob a autoridade directa do alto-comissário.
ARTIGO 32.° Forças Armadas dos três movimentos de libertação serão integradas em paridade com Forças Armadas Portuguesas nas forças militares mistas em contingentes assim distribuídos: oito mil combatentes da F. N. L. A.; oito mil combatentes do M. P. L. A., oito mil combatentes da U. N. I. T. A. e 24 mil militares das Forças Armadas Portuguesas.
ARTIGO 33.º Cabe à Comissão Nacional de Defesa proceder à integração progressiva das Forças Armadas nas forças militares mistas, referidas no artigo anterior, devendo em princípio respeitar-se o calendário seguinte: de Fevereiro a Maio, inclusive, serão integrados por mês, quinhentos combatentes de cada um dos movimentos de libertação e mil e quinhentos militares portugueses. De Junho a Setembro, inclusive, serão integrados por mês, mil e quinhentos combatentes de cada um dos movimentos de libertação e quatro mil e quinhentos militares portugueses
ARTIGO 34.º Os efectivos das Forças Armadas Portuguesas que excederem o contingente referido no artigo 32.°, deverão ser evacuados de Angola até trinta de Abril de 1975.
ARTIGO 35.º A evacuação do contingente das Forças Armadas Portuguesas integrado nas forças militares mistas deverá iniciar-se a partir de um de Outubro de 1975 e ficar concluída até vinte e nove de Fevereiro de 1976.
ARTIGO 36.º A Comissão Nacional de Defesa deverá organizar forças mistas de Polícia encarregadas de manter a ordem pública.
ARTIGO 37.º O Comando Unificado da Polícia, constituído por três membros, um de cada movimento de Libertação, é dirigido colegialmente e presidido segundo um sistema rotativo, ficando sob a autoridade e a supervisão da Comissão Nacional de Defesa.
CAPÍTULO V DOS REFUGIADOS E DAS PESSOAS REAGRUPADAS
ARTIGO 38.º Logo após a instalação do Governo de Transição serão constituídas comissões partidárias mistas, designadas pelo Alto-Comissário e pelo Governo de Transição, encarregadas de planificar e preparar as estruturas, os meios e os processos para acolher os angolanos refugiados. O Ministério da Saúde e Assuntos Sociais supervisionará a acção destas comissões.
ARTIGO 39.º As pessoas concentradas nas “sanzalas da paz” poderão regressar aos seus lugares de origem. As comissões partidárias mistas deverão propor ao Alto-Comissário, ao Governo de Transição, medidas sociais, económicas e outras para assegurar às populações deslocadas o regresso à vida normal e a reintegração nas diferentes actividades de vida económica do país.
CAPÍTULO VI ELEIÇÕES EM OUTUBRO
ARTIGO 40.º O Governo de Transição organizará eleições gerais para uma Assembleia Constituinte no prazo de nove meses a partir de trinta e um de Janeiro de 1975, data da sua instalação.
ARTIGO 41.º As candidaturas à Assembleia Constituinte serão apresentadas exclusivamente pelos movimentos de libertação - F. N. L. A., M. P. L. A. e U. N. I. T. A. - únicos representantes legítimos do povo angolano.
ARTIGO 42.º Será estabelecida, após a instalação do Governo de Transição, uma Comissão Central, constituída em partes iguais por membros dos movimentos de libertação, que elaborará o projecto da lei fundamental e preparará as eleições para a Assembleia Constituinte.
ARTIGO 43.º Aprovada pelo Governo de Transição e promulgada pelo colégio presidencial a Lei Fundamental, a Comissão Central deverá: a) elaborar um projecto de lei eleitoral; b) organizar os cadernos eleitorais; c) registar as listas dos candidatos à eleição da Assembleia Constituinte apresentadas pelos movimentos de libertação.
ARTIGO 44.° A Lei Fundamental, que vigorará até à entrada em vigência da Constituição de Angola, não poderá contrariar os termos do presente acordo.
CAPÍTULO VII DA NACIONALIDADE ANGOLANA
ARTIGO 45.º O Estado Português e os três movimentos de libertação, F. N. L. A., M. P. L. A. e U. N. I. T. A. comprometem-se a agir concertadamente para eliminar todas as sequelas do colonialismo. A este propósito, a F. N. L. A., o M. P. L. A. e U. N. I. T. A. reafirmam a sua política de não discriminação segundo a qual a qualidade de angolano se define pelo nascimento em Angola ou pelo domicílio desde que os domiciliados em Angola se identifiquem com as aspirações da Nação Angolana através de uma opção consciente.
ARTIGO 46.° A F, N. L. A., o M. P. L. A. e a U. N. I. T. A. assumem desde já o compromisso de considerar cidadãos angolanos todos os indivíduos nascidos em Angola, desde que não declarem, nos termos e prazos a definir, que desejam conservar a sua actual nacionalidade, ou optar por outra.
ARTIGO 47.º Aos indivíduos não nascidos em Angola e radicados neste país, é garantida a faculdade de requererem a cidadania angolana, de acordo com as regras da nacionalidade angolana que forem estabelecidas na Lei Fundamental.
ARTIGO 48.º Acordos especiais a estudar ao nível de uma comissão paritária mista, regularão as modalidades da concessão da cidadania angolana aos cidadãos portugueses domiciliados em Angola, e o estatuto de cidadãos portugueses residentes em Angola e dos cidadãos angolanos residentes em Portugal.
CAPÍTULO VIII DOS ASSUNTOS DE NATUREZA FINANCEIRA
ARTIGO 49.º O Estado Português obriga-se a regularizar com o Estado de Angola a situação decorrente da existência de bens pertencentes a este Estado fora do território angolano, por forma a facilitar a transferência desses bens, ou do correspondente valor para o território e a posse de Angola.
ARTIGO 50.° A F.N.L.A., o M.P.L. A. e a U.N.I.T.A, declaram-se dispostos a aceitar a responsabilidade decorrente dos compromissos financeiros assumidos pelo Estado Português em nome e em relação a Angola, desde que o tenham sido no efectivo interesse do povo angolano.
ARTIGO 51.° Uma comissão especial paritária mista, constituída por peritos nomeados pelo Governo Provisório da República Portuguesa e pelo Governo de Transição do Estado de Angola, relacionará os bens referidos no Art. 49.° e os créditos referidos no Art. 50.°, procederá às avaliações que tiver por convenientes, e proporá àqueles Governos as soluções que tiver por justas.
ARTIGO 52.º O Estado Português assume o compromisso de facilitar à comissão referida no artigo anterior todas as informações e elementos de que dispuser e de que a mesma comissão careça para formular juízos fundamentados e propor soluções equitativas dentro dos princípios da verdade, do respeito pelos legítimos direitos de cada parte e da mais leal cooperação.
CRIAÇÃO DE UM BANCO EMISSOR
ARTIGO 53.º O Estado Português assistirá o Estado angolano na criação e instalação de um banco central emissor. O Estado Português compromete-se a transferir para o Estado de Angola as atribuições, o activo e o passivo do departamento de Angola no Banco de Angola, em condições a acordar no âmbito da comissão mista para os assuntos financeiros. Esta comissão estudara igualmente todas as questões referentes ao departamento de Portugal do mesmo banco, propondo as soluções justas, na medida em que se refiram e interessem a Angola.
ARTIGO 54.º A P. N. L. A., o M. P. L. A. e a U. N. I. T. A. comprometem-se a respeitar os bens e os interesses legítimos dos portugueses domiciliados em Angola.
CAPÍTULO IX DA COOPERAÇÃO ENTRE ANGOLA E PORTUGAL
ARTIGO 55.º O Governo Português por um lado e os movimentos de libertação por outro acordam em estabelecer entre Portugal e Angola laços de cooperação construtiva e duradoura em todos os domínios, nomeadamente nos domínios cultural, técnico, científico, económico, comercial, monetário, financeiro e militar, numa base de independência, igualdade, liberdade, respeito mútuo e reciprocidade de interesses.
CAPÍTULO X DAS COMISSÕES MISTAS
ARTIGO 56.º Serão criadas comissões mistas de natureza técnica e composição paritária nomeadas pelo Alto-Comissário de acordo com o colégio presidencial, que terão por tarefa estudar e propor soluções para os problemas decorrentes da descolonização e estabelecer as bases de uma cooperação activa entre Portugal e Angola, nomeadamente nos seguintes domínios: a) cultural, técnico e científico; b) económico e comercial; c) monetário e financeiro; d) militar; e) da aquisição da nacionalidade angolana por cidadãos portugueses.
ARTIGO 57.º As comissões referidas no artigo anterior conduzirão os trabalhos e negociações num clima de cooperação construtiva e de leal ajustamento. As conclusões a que chegarem deverão ser submetidas, no mais curto espaço de tempo, à consideração do alto-comissário e do colégio presidencial com vista à elaboração das disposições gerais.
CAPÍTULO XI DESACORDOS ENTRE PORTUGAL E ANGOLA
ARTIGO 58.° Quaisquer questões que surjam na interpretação e na aplicação do presente acordo e que não possam ser solucionadas nos termos do Art. 27.°, serão resolvidas por via negociada entre o Governo Português e os movimentos de libertação.
ARTIGO 59.º O Estado Português, a F.N.L.A., o M.P.L.A. e a U.N.I.T.A., fiéis ao ideário sociopolítico repetidamente afirmado pelos seus dirigentes, reafirmam o seu respeito pelos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e na declaração universal dos Direitos do Homem bem como o seu activo repúdio por todas as formas de discriminação social, nomeadamente o «apartheid».
ARTIGO 60.° O presente acordo entrará em vigor imediatamente após a homologação pelo Presidente da República Portuguesa. As delegações do Governo português, da F.N.L.A., do M.P.L.A. e da U.N.I.T.A. realçam o clima de perfeita cooperação e cordialidade em que decorreram as negociações e felicitam-se pela conclusão do presente acordo, que dará satisfação às justas aspirações do povo angolano e enche de orgulho o povo português, a partir de agora ligados por laços de funda amizade e propósitos de cooperação construtiva para bem de Angola, de Portugal, da África e do Mundo.
Assinado em Alvor, Algarve, aos 15 dias do mês de Janeiro de 1975, em quatro exemplares em língua portuguesa.
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