quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Angola | Buracos nas Estradas e na Rádio – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Dala Tando recebia jornalistas da Empresa Edições Novembro ao serviço das Direcções Provinciais do Norte, para acções de formação. Mais jovens da Redacção Central que davam os primeiros passos no Jornalismo. Profissionais de grande valor, empenhados em melhorar os seus conhecimentos. Recordo, entre outros, Isidoro Natalício, na época director provincial e sabia mais do que eu. Um jovem tão promissor que hoje está na sua cadeira, Manuel Fontoura. Ou Jaquelino Figueiredo hoje director do Zaire. Numa das incursões à capital do Cuanza Norte fomos via Golungo Alto, pela Picada da Trombeta, acabada de ser asfaltada. Uma pista! 

Alguns meses depois regressámos a Dala Tando para nova sessão de formação. A estrada estava a esburacada e a vegetação tinha invadido a fita de asfalto. Entre Novembro e Maio caíram grandes aguaceiros, a água não se escoava porque as valetas estavam infestadas de capim e arbustos. O sol ardente amolecia o asfalto e como a água não era escoada, infiltrava-se. Os grandes camiões, carregados com muitas toneladas, faziam o resto. Grandes crateras tornavam a via praticamente intransitável.

No regresso a Luanda escrevi um texto de opinião no qual defendi a criação de brigadas de manutenção permanente. A Junta Autónoma das Estradas, durante a administração colonial, dividia as vias em “cantões” e contratava cantoneiros que vigiavam diariamente as faixas de rodagem e as valetas de escoamento da água. Na estação da Chuva essas valas de drenagem tinham de estar desobstruídas. Caso contrário a água ficava estagnada nas faixas de rodagem. Mesmo assim existiam zonas, nas “baixas”, que depois dos aguaceiros viravam piscinas. Era necessário escoar a água imediatamente com bombas. Se aparecia uma falha no asfalto era imediatamente tapada. 

Bastava fazer o mesmo com as excelentes estradas que estavam a ser reconstruídas depois de 2002. Na Picada da Trombeta era facílimo criar as brigadas de manutenção porque entre o Zenza do Itombe e o Golungo Alto existem muitas aldeias e vilas. As autoridades locais podem mobilizar mão-de-obra e assumir essa responsabilidade nas suas áreas de acção. Construir uma estrada e abandoná-la quando abre ao trânsito, é criminoso! Uma via não tem horário de funcionamento. Está s aberta, ininterruptamente. A manutenção tem de ser permanente. 

Se não existir manutenção há buracos que evoluem para crateras em pouco tempo. As estradas ficam intransitáveis depois da longa estação da Chuva, que vai de Setembro a Maio. São muitos meses de inundações. Muitos meses de capim a invadir as vias. Muitos buracos que se não forem logo tapados viram crateras.

Hoje o Jornal de Angoa dá a notícia de que foi cortada a circulação rodoviária na estrada Luanda-Dondo. Uma catástrofe! A notícia diz que o corte se deve à degradação da ponte sobre o rio Mucosso. Mas a imagem não bate com as palavras. A fotografia que faz ancoragem da peça mostra a ponte intacta. Parte da faixa de rodagem ruiu, antes da ponte. Mas também se vê na foto vegetação exuberante invadindo a faixa de rodagem! 

Este ano é de “El Niño”. Toda a gente sabe que chove mais do que nos anos normais. Quem tem a responsabilidade de zelar pela manutenção da Rede Viária Nacional sabe disto. Por isso tinha o dever de reforçar as brigadas de manutenção das estradas. Numa via fundamental isso não foi feito. Na região os aguaceiros tropicais são terríveis. Em cinco minutos inundam tudo. Formam-se rios de enxurradas devastadoras. Os responsáveis pela manutenção da Rede Viária Nacional têm de enfrentar este “inimigo” das vias. 

Na estrada Luanda-Dondo isso não aconteceu. Uma parte da faixa de rodagem ruiu no acesso à ponte. Negligência. E daí? Está tudo a correr sobre carris. Ninguém é responsabilizado. E continuamos refractários à manutenção. 

A Rádio é um espectáculo fabuloso. Foi este meio que institucionalizou a Linguagem Jornalística, nascida, com a sua gramática, quando se desenvolveu a comunicação à distância. A voz humana, o maior espectáculo do mundo, é a marca distintiva do universo radiofónico. Nos anos 30 entrou no mundo da informação e 20 anos depois já era o mais poderoso meio de comunicação social. Mesmo assim os profissionais continuavam a considerar-se “radialistas” e não jornalistas. 

Os japoneses massificaram no final dos anos 50 os recpetores transistorizados, portáteis, tão pequenos que cabiam no bolso. Aí a Rádio tornou-se o mais poderoso meio de comunicação em quase todo o mundo. Foi o triunfo do Audiovisual. Espectáculo e informação de mãos dadas. No final do Século XX a informação foi à vida e só ficou o espectáculo. A informação caiu na rua! 

Hoje li no Jornal de Angola um texto intitulado “A rádio que se faz hoje expirou no Século XX”, assinado por José Otchinhelo, que se apresenta como “consultor de comunicação  e de educação”. Li atentamente. A caldeirada de argumentos é muito confusa. O autor diz que há vozes inadequadas. Sempre houve. Mas também houve sempre quem se opusesse a que essas vozes fossem ao microfone. A linguagem radiofónica e a sua gramática não são respeitadas? Isso aprende-se. O espectáculo está mal encenado? Verdade. Porque acabaram com os realizadores e produtores. Na Rádio Nacional de Angola tudo o vento levou quando saíram profissionais como Concha de Mascarenhas, Horácio da Fonseca ou Luísa Fançony. 

Os locutores não existem há muito tempo. Nos anos 80 triunfou a tese de que são todos jornalistas e a voz que se lixe. Qualquer um vai à antena apresentar os noticiários. E em várias estações os redactores das notícias é que iam ao estúdio apresentá-las aos consumidores, fossem gagos, belfos, vozes de cana rachada e outras chinfrineiras desagradáveis. O espectáculo acabou. Nem todas as vozes servem para a Rádio. Nem todos podem ser o Mantorras no futebol. Palmira Barbosa (Mirita) no andebol. Vitorino Cunha no basquetebol. Agostinho Neto na política.

Os edifícios sonoros acabaram. Agora fazem casebres e barracas. Ou nada. Os sonoplastas já não existem, só operadores de som que mexem nos botões sem o menor sentido estético e plástico. Face a esta tragédia, as redes sociais ganharam espaço à Rádio despida de realizadores, produtores e sonoplastas. Mas isso não aconteceu por acaso. O Poder nas democracias liberais quer isso mesmo: Ruído, confusão, censura e outros truques para impedir a cidadania baseada na notícia chancelada por profissionais.

Na Rádio a Informação é suportada por edifícios sonoros específicos que nos últimos 50 anos foram simplesmente demolidos. Porque a censura moderna exige isso. Tal como exige os chamados ”bombardeamentos informativos” para que ninguém seja informado. A notícia está lá, mas no meio de tanta confusão, de tantos fragmentos de informação sem filtros, de tanta estupidez natural, só peritos são capazes de decifrar a mensagem informativa. 

Senhor consultor José Otchinhelo, isto nada tem a ver com as redes sociais. A Emissora Oficial de Angola estava reduzida a 20 por cento dos seus quadros em 1975. Mas tínhamos sonoplastas de grande valor. Aos poucos desapareceram e nunca foram substituídos. 

Concha de Mascarenhas ficou com todo o departamento de programas e a regência de estúdios às costas. Em 1975 ainda tínhamos meia dúzia de produtores e realizadores. Aos poucos foram embora e não se reproduziram. Formámos dezenas de profissionais, algumas e alguns de elevada craveira. Foram para as embaixadas ganhar a vida. Até o mestre Chico Simons! Outros foram para os ministérios masturbar ministros.

Esta catástrofe nada tem a ver com as redes sociais. Somos nós, os da Rádio, que lhe virámos as costas e temos coragem de ver morrer em Angola o meio de informação mais importante e ao qual muito se deve a Independência Nacional. Profissionais de elevadíssimo nível, que eu conheço e admiro, algumas e alguns que comigo trabalharam, fazem tudo menos Rádio. Sem ovos ninguém é capaz de fazer omeletes. A Rádio Angolano é um imenso buraco sonoro.

* Jornalista

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