Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
A democracia exige a sociedade
organizada a partir de interesses e objetivos dos cidadãos, de identidades
coletivas. Estruturas organizadas com vitalidade e regularidade de ação são
indispensáveis para a construção de compromissos. É com estes que se garante a
harmonização dos interesses específicos (e relações) de cada indivíduo com os
de cada comunidade ou coletivo em que os cidadãos se integram e destes com toda
a sociedade. Quando a representação e a ação coletivas são menorizadas ou
descredibilizadas, a democracia fica
No mundo do trabalho e em múltiplos outros campos, o que de mais positivo conseguimos conquistar nos 50 anos de democracia assentou nesse amplo quadro de ação e compromissos coletivos. Os contributos de cada indivíduo, ou a ação do que agora se designa, muitas vezes, por movimentos sociais inorgânicos são importantes. Contudo, seria desastroso se passassem a substitutos da ação coletiva organizada. Os direitos individuais reforçam-se quando existe um sólido respaldo coletivo.
No presente, há que não abdicar das justas reivindicações de vários setores laborais e económicos. Todavia, é preciso estar alerta perante os cantos de sereia que se fazem ouvir. Os novos meios e formas de comunicação, o individualismo exacerbado, os protagonismos efémeros são realidades a exigirem estudo profundo, numa sociedade mediatizada e carregada de desinformação.
No século XX, o capitalismo foi obrigado, na Europa e noutros espaços geográficos - por efeito de novas relações de forças que diminuíram o seu poder - a aceitar compromissos sociais. O seu cardápio original é do século XIX, sem direitos dos trabalhadores. É a ele que rapidamente quer voltar, aproveitando a fragilidade programática e de ação das forças progressistas (políticas e sociais), e procurando sacar o que puder, perante as incertezas geradas pelas grandes mudanças na geopolítica global.
Na sociedade atual, e no nosso país em particular, continua a fazer todo o sentido a distinção entre Esquerda e Direita - sem cometer o erro de encostar todos os setores da Direita aos inimigos da democracia - quando tratamos das agendas social e política e da articulação entre elas. Além disso, é obrigatório identificar muito bem a linha divisória que separa aqueles que defendem os direitos fundamentais constitucionalizados em matérias laboral, social, económica e cultural, dos que tratam esses direitos como um luxo insuportável da democracia e um obstáculo ao funcionamento do mercado. Existem contradições inultrapassáveis entre liberalismo e democracia. Ciclicamente vêm à superfície com força, como agora com a imposição de agendas neoliberais.
Nos dois anos próximos será muito importante que os sindicatos tragam para a sociedade um exercício de memória, que evidencie o seu extraordinário contributo para a construção de pilares fundamentais da democracia, para a modernização de setores de atividade e de regiões, sem beliscar os contributos extraordinários dos partidos políticos e de outros atores coletivos.
O combate às ameaças da extrema-direita e do fascismo precisam muito, como no passado, da construção de dinâmicas sociais ofensivas que tenham foco nos direitos do trabalho, na luta contra o racismo e todas as formas de descriminação e de desigualdade.
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