Três ex-membros das FP-25 dividem-se hoje sobre as conquistas do 25 de Abril, com alguns a considerarem que ficou por cumprir, mas convergem na ideia de que estão a regressar "forças que existiam" antes da revolução.
Em entrevista à agência Lusa, uma das poucas mulheres que pertenceu às Forças Populares 25 de Abril (FP-25) assume que as apreensões que estiveram na origem da organização - designadamente a ideia de que "os velhos senhores" do Estado Novo estavam a regressar seis anos após a revolução e de que iam a ser travados avanços para os trabalhadores - se verificam hoje, 50 anos após o 25 de Abril.
"É tão evidente, é tão evidente: temos o Chega quase no poder. Nós tínhamos razão", defende, salientando que o 25 de Abril se "cumpriu até ao 25 de Novembro [movimento militar em que se enfrentaram a esquerda radical e os moderados e que pôs fim ao período revolucionário] e, a partir daí, foi a descambar".
"O povo trabalhador está como? A saúde está como? A educação está como? Os reformados estão como? O que é que se cumpriu? Nada", critica, considerando que, nos últimos anos, se regrediu "de uma maneira assustadora" e que a juventude tem hoje muito menos consciência política.
Esta ideia é também veiculada por outro ex-membro das FP-25, julgado como dirigente da organização, que considera que o capitalismo conseguiu "anestesiar e adormecer" os trabalhadores, que têm hoje medo "de arriscar, até de fazerem greves", para não perderem as "pequenas conquistas" que alcançaram.
Passados 50 anos desde o 25 de Abril, este antigo operacional das FP-25 concorda que "falta cumprir tudo" dos ideais da Revolução, admitindo uma "dor de alma" quando olha para o estado a que chegou a sociedade portuguesa.
"Onde é que está o direito à habitação? À educação? Eles vão acabar com o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que foi uma das conquistas tão nobres da nossa sociedade. A questão das reformas... Isto hoje está muito tremido", afirma.
Ainda assim, nem todos partilham desta visão negativa da sociedade portuguesa. Há quem discorde e considere que a "mudança é radical" quando comparado com o Estado Novo, e que o 25 de Abril se cumpriu "em parte", desde logo no que se refere à instauração da democracia.
"Do que nós defendíamos, as coisas não correram bem, correram mal. Mas as coisas estão melhores, muito melhores, não há dúvida", sublinha outro operacional das FP-25, que se manifesta otimista quanto ao futuro, apesar de reconhecer que o "perigo ainda está aí", em particular numa altura em que se tem verificado um "avanço notório" das "forças que existiam antes do 25 de Abril".
O regresso destas forças, corporizadas na extrema-direita ou direita populista, é uma das preocupações patentes nas palavras destes ex-membros, que criticam também a "diferença abissal" de tratamento dado ao caso das FP-25 e ao de grupos terroristas de extrema-direita que operaram logo a seguir ao 25 de Abril, como o Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) ou o Exército de Libertação de Portugal (ELP).
"A extrema-direita hoje usa-nos para atacar a esquerda, escondendo que eles fizeram o mesmo. A extrema-direita também teve a sua rede bombista, que também atacou sedes e matou pessoas", recorda um dos membros, que é corroborado por um segundo, que considera não haver "equiparação possível" entre os dois casos.
"Nós cumprimos em média seis, sete anos de cadeia. Eles não cumpriram cadeia nenhuma, inclusive os que foram condenados, arranjaram-lhes artimanhas para eles irem embora e serem colocados, inclusive em empresas públicas", critica, acrescentando que alguns membros dessas organizações de extrema-direita estão hoje "integrados no aparelho do Estado".
Apesar de alguns considerarem que Abril não se cumpriu, e de terem pegado em armas para defender os seus ideais - no total, as FP-25 mataram 13 pessoas entre 1980 e 1987 -, há quem saliente que o recurso à violência como método de ação política deixou de ter lugar na sociedade atual.
"Eu acho que, na sociedade atual, recorrer à violência é esbarrar numa parede", afirma o antigo membro que foi julgado como dirigente da organização, e que considera que organizações como as FP-25 não teriam hoje "qualquer hipótese" e ficariam rapidamente "num beco sem saída".
Outro seu ex-camarada refere que a violência é um método de ação política usado sempre pelo poder - que, "quando as pessoas não fazem o que quer, lhes enfia com a polícia e o exército em cima" -, mas salienta que a violência nunca pode ser um fim.
"A violência é um meio que, como se vê, não dá grandes resultados em determinadas situações. Noutras, dá", afirma.
Já uma das poucas mulheres que se juntou às FP-25 não tem dúvidas de que os jovens de hoje não pegariam em armas para defender os seus ideais, apesar de salientar que perceberia caso, no atual quadro político nacional, voltasse a surgir uma organização como as FP-25.
"Perceberia, completamente. E daria apoio, não tenho dúvidas nenhumas sobre isso, pelo menos para esconder" membros dessa organização, diz.
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