domingo, 16 de junho de 2024

Portugal | MINISTRA DA SAÚDE: UMA BAIXA ANUNCIADA?

José Mendes* | Diário de Notícias | opinião

Todos os primeiros-ministros cometem erros de casting no exercício de comporem o seu elenco governativo. É inevitável que assim seja, face ao jogo de influências que visa a promoção de determinadas figuras ou, ainda mais surpreendente, face ao plano de autopromoção que algumas pessoas montam para, a longo prazo, se venderem como elegíveis. Este é um fenómeno transversal às duas ou três cores partidárias que têm sido governo em Portugal. Como governante, observei e convivi com casos desses, que incluíam colegas descritos pela imprensa como distintos académicos, quando na realidade não tinham saído da base da carreira, pseudo-especialistas com lacunas gritantes e escassa capacidade analítica ou negociadores inexperientes incapazes de mediar ou suportar a pressão. 

O que já é evitável é a continuidade destes elos fracos, que vão contaminando a ação governativa e corroendo a reputação e a coesão do governo. É consensual que, independentemente do episódio do comunicado da PGR e subsequente pedido de demissão de António Costa, o erro do então primeiro-ministro foi deixar que um governo de maioria absoluta entrasse em morte lenta devido a muito discutíveis escolhas de ministros e, pior, à recusa em remodelar. 

Este é um daqueles casos em que o mal se corta pela raiz. Não me refiro aos casos em que um ministro começa titubeante, necessitando de algum tempo para ajustar a forma e o conteúdo. O que deve ser travado é aquele caso do ministro que tem alguma tendência para faltar à verdade – ou porque mente ou porque descura o rigor –, que hostiliza gratuitamente a máquina administrativa que, no fim do dia, é o seu braço armado para a mudança, e que tem tendência para atiçar o fogo, causando incêndios por todo o lado.

Lamentavelmente, esse parece ser o caso da atual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, apesar de estar em funções há tão pouco tempo. A sua fama vem já do tempo em que era gestora no Hospital de Santa Maria e teve de gerir o dossier do serviço de Ginecologia e Obstetrícia, causando tensões e até uma certa debandada bem demonstrativas de uma notória ausência de talento para a liderança.

Como governante, a ministra da Saúde tem pautado o seu desempenho por um registo de confrontação. O que fez com o anterior Diretor Executivo do SNS era absolutamente desnecessário. Não quis apenas substituí-lo, quis também enxovalhá-lo. Não teve grande sucesso porque estava em presença de um profissional de elite, técnica e eticamente, que não lho permitiu. Suspeito que a vida do novo nomeado para o cargo não vai ser nada fácil. Veremos quanto resiste. 

Esta semana, a ministra pôs-se a atacar as lideranças hospitalares, que qualificou de “fracas”, numa deriva que só pode correr mal, como se vê pela demissão em bloco da Administração do Hospital de Viseu. Entretanto, já havia determinado que os hospitais não deveriam publicitar o fecho das urgências. Bem sei, é mau de mais. A pérola foi mesmo o número, incluído no Plano de Emergência da Saúde, de mais de 9000 doentes que teriam ultrapassado o tempo máximo de espera para uma cirurgia oncológica, quando na verdade serão cerca de 2300. Este nível de leviandade não é admissível numa governante.

Dito isto, creio que muito provavelmente estará identificada a primeira baixa do elenco ministerial. O facto de o ministro da Presidência ter vindo já a terreiro defender Ana Paula Martins, o que é compreensível, corresponde à afixação de um alvo naquela ministra. Num governo que é minoritário, não é muito saudável manter elos fracos, pelo que acompanharemos com curiosidade os desenvolvimentos dos próximos meses.

* Professor catedrático

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