terça-feira, 2 de julho de 2024

Contra a França “navegar, navegar”!... -- curto do Expresso

FAUSTO PRIMEIRO, FAUSTO SEMPRE!*


Lembra-me um sonho lindo”, cantava-nos Fausto a falar de coisas mais sérias, tão séria quanto pode ser a sua música, tão séria quanto pode ser uma vida que fará falta a um país inteiro. Fausto Bordalo Dias, o criador dessa obra única que foi “Por Este Rio Acima” e de outros álbuns marcantes da música popular portuguesa, morreu ontem aos 75 anos. 

Vítor Matos, jornalista | Expresso (curto)

Bom dia!

Antes de mais, um convite: amanhã, às 14h00, Junte-se à Conversa com David Dinis e Hélder Gomes. Desta vez sobre se "Teremos Le Pen e Trump? ". Inscreva-se aqui.

Um alívio… um carrossel de emoções até ao fim da noite. O futebol é assim (perdão pelo lugar comum), mas é por ser assim que gostamos de sofrer com o futebol, embora dizer “gostar de sofrer” talvez seja demais, porque só gostamos de sofrer quando a catarse se completa porque ganhámos. Assim tudo parece fácil, como sofrer ontem nos pareceu fácil e agora até nos parece ter sido bom.

Ronaldo falhou e chorou. E no fim do jogo pediu desculpa por ter falhado. No fim de contas, até ajuda ao nosso consolo o pior momento daquele que já foi o nosso melhor. Nada como um final feliz, ou como ir “do inferno ao céu” em poucos minutos. Bruno Vieira Amaral escreve que ele voltou “à estaca zero”.

Ontem, o homem grande que encheu a baliza e a noite foi o guarda-redes, Diogo Costa: com três defesas inéditas nos penáltis, foi MVP, salvador da partida e herói da Pátria com uma mancha perfeita em espargata perante um avançado estónio isolado, que teria eliminado Portugal sem agravo, e que nos deixaria a carpir um sofrimento incompreensível nas próximas semanas. Perante a malha apertada da Estónia, o nosso guarda-redes valeu por quatro pontas de lança, por cinco golos do Ronaldo, e por todos os alegados erros do selecionador, sobretudo quando tirou Vitinha, decisão criticada pela maioria dos comentadores televisivos.

“A relva não ajudou”, justificou o treinador Roberto Martínez no fim da partida. Valeu-nos Diogo Costa, que “atirou água benta para cima de todos os pecados de Portugal”, escreveu a nossa enviada à Alemanha, Lídia Paralta Gomes, na crónica do jogo. “Diogo limpou uma série de equívocos cometidos pela seleção nacional e quando foi preciso um herói, ele apareceu a fechar a baliza”. O próprio guarda-redes definiu o indefinível, a intuição com que o cérebro de um desportista lhe comanda o corpo: “Segui o meu instinto, e ainda bem. Mato-me a trabalhar e a acreditar em mim”, disse aos jornalistas.

Isto é tudo pahtos, tudo isto é emoção, não há qualquer tipo de racionalidade nestes momentos, pois então levantemos o ferro que “o barco vai de saída” para mares mais difíceis nos quartos de final contra os franceses, que eliminaram os belgas.

Lembra-me um sonho lindo”, cantava-nos Fausto a falar de coisas mais sérias, tão séria quanto pode ser a sua música, tão séria quanto pode ser uma vida que fará falta a um país inteiro. Fausto Bordalo Dias, o criador dessa obra única que foi “Por Este Rio Acima” e de outros álbuns marcantes da música popular portuguesa, morreu ontem aos 75 anos.

“Encostado aos cenários da História, eu falo do presente. É importante lembrar isso... Como hoje continuam fenómenos da escravatura, da guerra, das lutas tribais, da exploração, da incompreensão do outro ou da cooperação entre os povos. O meu trabalho não se quer passadista”, disse ao Expresso em 2011, ao jornalista António Loja Neves. Nessa entrevista, ele que não gostava de dar entrevistas à imprensa por causa da edição das respostas, respondia com o sonho dos portugueses que sonharam: “Privilegiei os sonhadores, os viajantes da descoberta e as gentes do negócio, que vinham para a troca. Procurei esquecer os expedicionários”.

Fausto “ocupa um justo lugar de destaque no panteão da música popular portuguesa”, constatou Rui Miguel Abreu no obituário que escreveu no Expresso, “juntamente com os também já desaparecidos José Afonso e José Mário Branco”, que morreu em novembro de 2019 (e cuja morte também me apanhou de turno a escrever um Curto, há notícias que um jornalistas prefere não dar).

Companheiro do espetáculo dos “Três Cantos” com José Mário Branco e Sérgio Godinho, o último, o sobrevivente, reconhece-lhe um “legado muito grande porque construiu um corpo de canções, com um estilo tão vincado e com uma personalidade tão própria, que, embora muita gente tenha sido influenciada por ele, o Fausto é único”, afirmou Godinho ao Expresso. João Pedro Pais, um autor de outro género e geração, participava por vezes numa tertúlia que ele tinha às quartas-feiras no Museu do Traje, recordando que “era um homem muito assertivo nas suas observações e nas suas intervenções. Quando o Fausto falava, toda a gente se calava para o ouvir".

Agora toda a gente se calará de novo para voltar a ouvi-lo.

OUTRAS NOTÍCIAS

Drama eleitoral em França: “Escolher entre a extrema-direita e tudo o resto” é o dilema que a França está a enfrentar com a vitória eleitoral do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen e de Jordan Bardella na primeira volta das legislativas antecipadas. O resultado está a obrigar a uma “solução de emergência”, que analistas políticos classificam como “desesperada”. O resultado da segunda volta das eleições, no próximo domingo, vai depender dos entendimentos políticos que forem feitos pela oposição — uma “amálgama” que vai da extrema-esquerda ao centro-direita. No podcast Expresso da Manhã de hoje, Paulo Baldaia conversa sobre o drama francês com Mariana Abreu, correspondente do Expresso em Paris.

Conservadores em crise no Reino Unido: os britânicos também vão a votos daqui a dois dias, esta quinta-feira, dia 4, com a perspetiva de uma vitória esmagadora do Labour liderado por Keir Starmer. Em crise há sucessivos Governos, os conservadores procuram ainda uma vitória de última hora, como a seleção inglesa no Europeu de futebol, mas isso mais parece wishful thinking numa eleição em podem ser ultrapassados pela própria direita radical, liderada pelo Reform UK, de Nigel Farage. Pedro Cordeiro, o editor de Internacional do Expresso, está no Reino Unido e conta-nos como uma candidata trabalhista faz campanha nas West Midlands, no centro de Inglaterra.

Trump meio imune: Enquanto os democratas hesitam sobre a apoio ou substituição de Joe Biden, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos concedeu esta segunda-feira imunidade parcial ao ex-presidente Donald Trump no caso do ataque ao Capitólio, determinando que os seus atos "oficiais" como chefe de Estado estão protegidos, mas não os "não oficiais". O republicano, claro, cantou vitória.

BCE avalia “aterragem” em Sintra: No arranque do Fórum BCE de Política Monetária, em Sintra, a presidente do Banco Central Europeu justificou ontem as medidas tomadas pelo banco nos últimos anos e repetiu que não hesitará na sua estratégia de aproximar a inflação dos 2%. Christine Lagarde alertou que uma “aterragem suave” das economias "ainda não está garantida”.

Governo com muito pacote e pouca legislação: Ao fim de três meses como primeiro-ministro, Luís Montenegro tem marcado a agenda com o anúncio de diversos "pacotes" - imigração, juventude, saúde, habitação ou combate à corrupção - mas isso tem correspondido a pouquíssima legislação publicada. Em Belém, o Presidente da República impacienta-se por ter pouco para promulgar, e o pouco que lhe chega parece ter origem em processos legislativos herdados do Governo anterior.

PSD promete combater oposição: As Jornadas Parlamentares do PSD arrancaram ontem com críticas à oposição: “Habituem-se, porque não vai ser por falta de combate no Parlamento que este Governo não vai cumprir o seu programa”, avisou o líder parlamentar laranja, Hugo Soares.

Cavaco e as rimas da História: O ex-primeiro-ministro escreveu um texto no Expresso a dizer que os portugueses só conseguirão prosperar se o Governo tiver maioria absoluta ou houver um Bloco Central. O ex-Presidente da República gostava muito que a sua história entre 1985 e 1987 se repetisse e o Governo de Luís Montenegro passasse de maioria relativa a absoluta em eleições antecipadas. Isto e a ida de António Costa para a Europa, em mais um episódio do podcast Comissão Política.

Governo muda de casa: “Trabalhamos mais juntos, mais próximos, mais rápido”, diz ministro. Muitos caixotes e salas ainda vazias são a imagem do primeiro dia de instalação na sede da Caixa Geral de Depósitos. Leitão Amaro estima poupança em 20 milhões de euros e promete mais eficiência (com fotogaleria). Os imóveis desocupados pelo Governo estão avaliados em €600 milhões.

IRS Jovem: segundo o FMI, a medida do Governo gera "perda considerável de receita" e tem eficácia incerta.

Caso EDP com prazo: os procuradores têm até 30 de setembro para concluir a investigação. Os advogados de António Mexia e de Manso Neto lembram que o inquérito dura "inexplicavelmente há mais de 12 anos", contando com 23 pedidos de adiamento ou prorrogação, e que "já há muito" que deveria ter sido encerrado.

Imigração: 50 peritos vão reforçar os consulados portugueses no estrangeiro, para fazerem face à pressão burocrática. Com a extinção das Manifestações de Interesse para procura de trabalho, a entrada de imigrantes passa para a rede consular. Governo aposta numa via verde para organizações empresariais e desportivas

Emergência no INEM: Luís Meira demitiu-se ontem de presidente do INEM, depois de críticas do Ministério da Saúde por ter deixado terminar o prazo para o lançamento do concurso público internacional para a contratualização de helicópteros de emergência médica.

FRASES

“Quando homens adultos, como Ventura, ainda gostam de brincar aos polícias, das três, uma: ou são imaturos, ou são irresponsáveis, ou são perigosos. Nenhuma das opções é boa.”
João Miguel Tavares, colunista do “Público”, a propósito do apelo de André Ventura aos polícias para se manifestarem em frente ao Parlamento na quinta-feira

“Macron não foi, durante estes anos, defensor da democracia francesa. Degradou-a e encaminhou-a para uma tragédia há muito anunciada. Agigantou a extrema-direita para ele ser o voto inevitável. Um dia aconteceria a extrema-direita chegar a esta votação e a alternativa deixar de ser ele. Foi ontem.”
Daniel Oliveira, colunista do Expresso

“Até o mais frangueiro dos Redes adquire uma aura de Ronaldo no momento dos penáltis, o momento mais dramático e universal da bola. Mesmo quem odeia futebol adora o drama operático dos penáltis e o possível heroísmo do guarda-redes”.
Henrique Raposo, colunista do Expresso, antes de se ter realizado o jogo Portugal-Eslovénia, decidido em penálits pelo guarda-redes

O QUE ANDO A LER

A direita radical não passou a ter bons resultados eleitorais a partir do nada. Nem todas as pessoas que votam nestes partidos são racistas ou anti-democratas, mas uma parcela desses eleitores viram ativadas politicamente, por populistas competentes na matéria, preconceitos e ideias que eles próprios já defendiam, mas tinham vergonha de expressar por serem socialmente censuradas.

Ora isso acaba quando se dá “O Fim da Vergonha”, título do livro que li recentemente, de Vicente Valentim, um investigador português em Oxford, e que explica “como a direita radical se normalizou” (pode ouvir aqui uma longa entrevista do autor a Daniel Oliveira, no podcast Perguntar Não Ofende). Trata-se sobretudo de um processo psicológico, como explica Valentim no livro, que é uma adaptação da sua tese, de forma a ser mais acessível ao leitor comum.

Esse caminho para a normalização processa-se em três fases: a da “latência”, que se passa antes do sucesso da direita radical, quando os preconceitos e ideias existem, mas estão socialmente invisíveis por pudor; a fase da “ativação”, quando entra em jogo um líder com capacidade política e de comunicação para tocar nesses nervos adormecidos de um certo eleitorado; e, finalmente, a fase da “revelação”, que é quando o partido da direita radical obtém sucesso. “É improvável que seja possível reverter o processo de normalização”, escreve Vicente Valentim. E que estado está Portugal? É melhor ler e fazer a sua própria avaliação.

Por aqui fica este Curto, desejo-lhe uma boa semana, fica o convite para seguir a atualidade no Expresso, na Tribuna e na Blitz.

LER O EXPRESSO

* Redação PG

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