Vítor Matos, jornalista | Expresso (curto)
Bom dia!
Antes de mais, um convite: amanhã, às 14h00, Junte-se à Conversa com David Dinis e Hélder Gomes. Desta vez sobre se "Teremos Le Pen e Trump? ". Inscreva-se aqui.
Um alívio… um carrossel de
emoções até ao fim da noite. O futebol é assim (perdão pelo lugar comum), mas é
por ser assim que gostamos de sofrer com o futebol, embora dizer “gostar de
sofrer” talvez seja demais, porque só gostamos de sofrer quando a catarse se
completa porque ganhámos. Assim tudo parece fácil, como sofrer ontem nos
pareceu fácil e agora até nos parece ter sido bom.
Ronaldo falhou e chorou. E no fim do jogo pediu desculpa por ter falhado.
No fim de contas, até ajuda ao nosso consolo o pior momento daquele que já foi
o nosso melhor. Nada como um final feliz, ou como ir “do inferno ao céu” em poucos minutos. Bruno Vieira Amaral
escreve que ele voltou “à estaca zero”.
Ontem, o homem grande que encheu a baliza e a noite foi o guarda-redes,
Diogo Costa: com três defesas inéditas nos penáltis, foi MVP, salvador da partida e herói da Pátria com uma
mancha perfeita em espargata perante um avançado estónio isolado,
que teria eliminado Portugal sem agravo, e que nos deixaria a carpir um
sofrimento incompreensível nas próximas semanas. Perante a malha apertada da
Estónia, o nosso guarda-redes valeu por quatro pontas de lança, por cinco
golos do Ronaldo, e por todos os alegados erros do selecionador, sobretudo
quando tirou Vitinha, decisão criticada pela maioria dos comentadores
televisivos.
“A relva não ajudou”, justificou o treinador Roberto Martínez no fim da
partida. Valeu-nos Diogo Costa, que “atirou água benta para cima de todos
os pecados de Portugal”, escreveu a nossa enviada à Alemanha, Lídia Paralta Gomes,
na crónica do jogo. “Diogo limpou uma série de equívocos cometidos pela
seleção nacional e quando foi preciso um herói, ele apareceu a fechar a baliza”. O próprio guarda-redes definiu o indefinível, a intuição
com que o cérebro de um desportista lhe comanda o corpo: “Segui o meu
instinto, e ainda bem. Mato-me a trabalhar e a acreditar em mim”, disse aos
jornalistas.
Isto é tudo pahtos, tudo isto é emoção, não há qualquer tipo de
racionalidade nestes momentos, pois então levantemos o ferro que “o barco vai de saída” para mares mais difíceis nos quartos de final contra os franceses,
que eliminaram os belgas.
“Lembra-me um sonho lindo”, cantava-nos Fausto a
falar de coisas mais sérias, tão séria quanto pode ser a sua música, tão séria
quanto pode ser uma vida que fará falta a um país inteiro. Fausto Bordalo
Dias, o criador dessa obra única que foi “Por Este Rio Acima” e de outros álbuns marcantes da música
popular portuguesa, morreu ontem aos 75 anos.
“Encostado aos cenários da História, eu falo do presente. É importante lembrar isso... Como
hoje continuam fenómenos da escravatura, da guerra, das lutas tribais, da
exploração, da incompreensão do outro ou da cooperação entre os povos. O meu
trabalho não se quer passadista”, disse ao Expresso em 2011, ao jornalista António Loja
Neves. Nessa entrevista, ele que não gostava de dar entrevistas à imprensa por
causa da edição das respostas, respondia com o sonho dos portugueses que
sonharam: “Privilegiei os sonhadores, os viajantes da descoberta e as
gentes do negócio, que vinham para a troca. Procurei esquecer os
expedicionários”.
Fausto “ocupa um justo lugar de destaque no panteão da música
popular portuguesa”, constatou Rui Miguel Abreu no obituário que escreveu no
Expresso, “juntamente com os também já desaparecidos José Afonso e José
Mário Branco”, que morreu em novembro de 2019 (e cuja morte também me apanhou
de turno a escrever um Curto, há notícias que um jornalistas prefere não dar).
Companheiro do espetáculo dos “Três Cantos” com José Mário Branco e Sérgio
Godinho, o último, o sobrevivente, reconhece-lhe um “legado muito grande porque construiu um corpo de
canções, com um estilo tão vincado e com uma personalidade tão própria, que,
embora muita gente tenha sido influenciada por ele, o Fausto é único”, afirmou
Godinho ao Expresso. João Pedro Pais, um autor de outro género e geração,
participava por vezes numa tertúlia que ele tinha às quartas-feiras no Museu do Traje,
recordando que “era um homem muito assertivo nas suas observações e nas suas
intervenções. Quando o Fausto falava, toda a gente se calava para o ouvir".
Agora toda a gente se calará de novo para voltar a ouvi-lo.
OUTRAS NOTÍCIAS
Drama eleitoral em França: “Escolher entre a extrema-direita e tudo o resto” é o dilema que a França está a enfrentar com a vitória eleitoral
do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen e de Jordan Bardella na
primeira volta das legislativas antecipadas. O resultado está a obrigar a uma
“solução de emergência”, que analistas políticos classificam como “desesperada”.
O resultado da segunda volta das eleições, no próximo domingo, vai depender dos
entendimentos políticos que forem feitos pela oposição — uma “amálgama” que vai
da extrema-esquerda ao centro-direita. No podcast Expresso da Manhã de hoje, Paulo Baldaia conversa sobre o
drama francês com Mariana Abreu, correspondente do Expresso em Paris.
Conservadores em crise no Reino Unido: os britânicos também vão a votos daqui a
dois dias, esta quinta-feira, dia 4, com a perspetiva de uma vitória esmagadora
do Labour liderado por Keir Starmer. Em crise há sucessivos Governos, os
conservadores procuram ainda uma vitória de última hora, como a seleção
inglesa no Europeu de futebol, mas isso mais parece wishful thinking numa
eleição em podem ser ultrapassados pela própria direita radical, liderada pelo
Reform UK, de Nigel Farage. Pedro Cordeiro, o editor de Internacional do
Expresso, está no Reino Unido e conta-nos como uma candidata trabalhista faz
campanha nas West Midlands, no centro de Inglaterra.
Trump meio imune: Enquanto os democratas hesitam sobre a apoio ou
substituição de Joe Biden, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos concedeu esta
segunda-feira imunidade parcial ao ex-presidente Donald Trump no
caso do ataque ao Capitólio, determinando que os seus atos "oficiais"
como chefe de Estado estão protegidos, mas não os "não oficiais". O
republicano, claro, cantou vitória.
BCE avalia “aterragem” em Sintra: No arranque do Fórum BCE de Política
Monetária, em Sintra, a presidente do Banco Central Europeu justificou ontem as
medidas tomadas pelo banco nos últimos anos e repetiu que não hesitará na sua
estratégia de aproximar a inflação dos 2%. Christine Lagarde alertou que uma “aterragem suave” das
economias "ainda não está garantida”.
Governo com muito pacote e pouca legislação: Ao fim de três meses como
primeiro-ministro, Luís Montenegro tem marcado a agenda com o anúncio de
diversos "pacotes" - imigração, juventude, saúde, habitação ou
combate à corrupção - mas isso tem correspondido a pouquíssima legislação publicada.
Em Belém, o Presidente da República impacienta-se por ter pouco para promulgar,
e o pouco que lhe chega parece ter origem em processos legislativos herdados do
Governo anterior.
PSD promete combater oposição: As Jornadas Parlamentares do PSD arrancaram
ontem com críticas à oposição: “Habituem-se, porque não vai ser por falta de combate no
Parlamento que este Governo não vai cumprir o seu programa”, avisou o líder
parlamentar laranja, Hugo Soares.
Cavaco e as rimas da História: O ex-primeiro-ministro escreveu um texto no
Expresso a dizer que os portugueses só conseguirão prosperar se o Governo tiver
maioria absoluta ou houver um Bloco Central. O ex-Presidente da República
gostava muito que a sua história entre 1985 e 1987 se repetisse e o Governo de
Luís Montenegro passasse de maioria relativa a absoluta em eleições
antecipadas. Isto e a ida de António Costa para a Europa, em mais um episódio do podcast Comissão Política.
Governo muda de casa: “Trabalhamos mais juntos, mais próximos, mais rápido”,
diz ministro. Muitos caixotes e salas ainda vazias são a imagem do
primeiro dia de instalação na sede da Caixa Geral de Depósitos. Leitão Amaro
estima poupança em 20 milhões de euros e promete mais eficiência (com
fotogaleria). Os imóveis desocupados pelo Governo estão avaliados em €600 milhões.
IRS Jovem: segundo o FMI, a medida do Governo gera "perda considerável de
receita" e tem eficácia incerta.
Caso EDP com prazo: os procuradores têm até 30 de setembro para concluir a investigação. Os
advogados de António Mexia e de Manso Neto lembram que o inquérito dura
"inexplicavelmente há mais de 12 anos", contando com 23 pedidos de
adiamento ou prorrogação, e que "já há muito" que deveria ter sido
encerrado.
Imigração: 50 peritos vão reforçar os consulados portugueses no
estrangeiro, para fazerem face à pressão burocrática. Com a extinção das
Manifestações de Interesse para procura de trabalho, a entrada de imigrantes
passa para a rede consular. Governo aposta numa via verde para organizações
empresariais e desportivas
Emergência no INEM: Luís Meira demitiu-se ontem de presidente do INEM, depois de críticas do Ministério da Saúde por ter deixado
terminar o prazo para o lançamento do concurso público internacional para a
contratualização de helicópteros de emergência médica.
FRASES
“Quando homens adultos, como Ventura, ainda gostam de brincar aos polícias, das
três, uma: ou são imaturos, ou são irresponsáveis, ou são perigosos. Nenhuma
das opções é boa.”
João Miguel Tavares, colunista do “Público”, a propósito do apelo de André Ventura aos
polícias para se manifestarem em frente ao Parlamento na quinta-feira
“Macron não foi, durante estes anos, defensor da democracia francesa.
Degradou-a e encaminhou-a para uma tragédia há muito anunciada. Agigantou a
extrema-direita para ele ser o voto inevitável. Um dia aconteceria a
extrema-direita chegar a esta votação e a alternativa deixar de ser ele. Foi
ontem.”
Daniel Oliveira, colunista do Expresso
“Até o mais frangueiro dos Redes adquire uma aura de Ronaldo no momento dos
penáltis, o momento mais dramático e universal da bola. Mesmo quem odeia
futebol adora o drama operático dos penáltis e o possível heroísmo do
guarda-redes”.
Henrique Raposo, colunista do Expresso, antes de se ter realizado o jogo
Portugal-Eslovénia, decidido em penálits pelo guarda-redes
O QUE ANDO A LER
A direita radical não passou a ter bons resultados eleitorais a partir do nada.
Nem todas as pessoas que votam nestes partidos são racistas ou anti-democratas,
mas uma parcela desses eleitores viram ativadas politicamente, por populistas
competentes na matéria, preconceitos e ideias que eles próprios já defendiam,
mas tinham vergonha de expressar por serem socialmente censuradas.
Ora isso acaba quando se dá “O Fim da Vergonha”, título do livro que li recentemente, de Vicente
Valentim, um investigador português em Oxford, e que explica “como a direita
radical se normalizou” (pode ouvir aqui uma longa entrevista do autor a Daniel
Oliveira, no podcast Perguntar Não Ofende). Trata-se sobretudo de um processo
psicológico, como explica Valentim no livro, que é uma adaptação da sua tese,
de forma a ser mais acessível ao leitor comum.
Esse caminho para a normalização processa-se em três fases: a da “latência”,
que se passa antes do sucesso da direita radical, quando os preconceitos e
ideias existem, mas estão socialmente invisíveis por pudor; a fase da “ativação”,
quando entra em jogo um líder com capacidade política e de comunicação para
tocar nesses nervos adormecidos de um certo eleitorado; e, finalmente, a fase
da “revelação”, que é quando o partido da direita radical obtém sucesso. “É
improvável que seja possível reverter o processo de normalização”, escreve
Vicente Valentim. E que estado está Portugal? É melhor ler e fazer a sua
própria avaliação.
Por aqui fica este Curto, desejo-lhe uma boa semana, fica o convite para seguir a atualidade no Expresso, na Tribuna e na Blitz.
* Redação PG
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