quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Angola | O Estado de Meio Século da Nação -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Onde chegamos e em que estado depende do ponto de partida. Eu faço corridas de metro e meio. Chego ao fim extenuado mas em primeiro lugar. Corro sozinho e dou dois passos mal medidos. O último classificado da maratona chega ao fim todo roto e tem mil vezes mais mérito do que eu, na corridinha em que sou especialista. Sempre que o Presidente da República faz o Discurso Sobre o Estado da Nação ganha estrondosamente. Porque partimos do nada e há muito feito, ainda que ainda mais por fazer.

Na Educação o Executivo distribuiu no início do ano lectivo 42 milhões de manuais escolares, gratuitamente. Há 50 anos nem tínhamos livros e mais de 90 por cento da população era analfabeta. Há 50 anos tínhamos menos de uma centena de professores em todos os graus de ensino. Até eu, burro e mercenário, era professor! Dava aulas de alfabetização nas horas livres. Mesmo deficiente, as minhas alunas e os meus alunos ficaram a ler e escrever muito melhor do que André dos Anjos e Pereira Santana. Batiam-se de igual para igual com o Agualusa.

Hoje Angola tem 250.000 professores e só no último ano lectivo foram admitidos nove mil. Há 50 anos, Agostinho Neto dizia que não podíamos ter alunos sem escolas e escolas sem professores. Ambrósio Lukoki e Artur Pestana (Pepetela), responsáveis do Ministério da Educação, meteram mãos à obra para acabar com essa tragédia. Conseguiram muito. Os seus sucessores, ainda mais. 

A Maratona da Educação é uma corrida muito longa. Nunca mais acaba. Todos os dias abrem novas escolas e continuam poucas. Mesmo assim, no seu Discurso Sobre o Estado da Nação, João Lourenço hoje pôde orgulhosamente revelar dados do muito que se tem feito na área da Educação. Não é propaganda. Acontece mesmo.

Angola há 50 anos só tinha investigação científica no Huambo, por conta do engenheiro Marcelino e sua abnegada equipa. Em Luanda acabou logo após o 25 de Abril, os cientistas e investigadores basaram todos. Hoje temos dezenas de projectos em curso e financiados. 

O Executivo está a garantir formação contínua aos professores. Nascem novos Campus Universitários em todo o país. Partimos de uma universidade com três polos (Luanda, Huambo e Lubango). Hoje temos dezenas de escolas superiores, algumas de elevadíssimo nível científico. No seu Discurso Sobre o Estado da Nação, hoje João Lourenço brilhou ao falar destes ganhos. É verdade, temos mais escolas, mais equipamentos, mais alunos no sistema escolar e muitos mais professores, formados por nós. Grandes vitórias!

João Lourenço infelizmente continua focado nos hospitais. Ainda ninguém lhe explicou que se a aposta nos cuidados primários for a sério, total, só precisamos de um hospital ou nenhum. Se quer fazer banga com os hospitais,  esteja à vontade. Errar é humano. Mas persistir no erro é diabólico. 

No Discurso Sobre o Estado da Nação, um calhamaço de 52 páginas e heroicamente lido, linha a linha, pelo Presidente da República durante quase duas horas, também entrou a propaganda. Nada de grave. A Agenda Nacional do Emprego deixou-me um amargo na boca. Era bom que fosse mais do que propaganda. Não é.

Vitórias na Educação. Vitórias na Saúde. Vitórias na Economia. Aqui convém explicar que a corrida de João Lourenço foi de metro e meio. Nos dois últimos trimestres cresceu mais de quatro por cento. Mas o ponto de partida foi nas profundezas da Tundavala. Só pode subir, subir, subir. Porque caiu fundo. 

Lamentavelmente João Lourenço não se debruçou sobre a Justiça. Há 50 anos tínhamos meia dúzia de advogados. Um pouco mais de funcionários judiciais. Muito menos magistrados judiciais. Ministério Público não existia. Este foi o sector que mais e melhor cresceu em Angola nos últimos 50 anos. É a grande vitória depois da Independência Nacional. 

Advogados, magistrados e funcionários judiciais custam a fazer. São quadros altamente qualificados. Mereciam uma palavrinha no Discurso Sobre o Estado da Nação. Um parágrafo no meio de 52 páginas. Nada. Uma omissão grave porque a demissão Eduarda Rodrigues manchou ainda mais a honra do convento. Os Media até já noticiam que ela tentou extorquir quase 400 milhões de dólares a Carlos São Vicente. Um desagravo ao sector da Justiça era excelente. Nunca se esqueçam que há 50 anos, Angola não tinha escolas superiores de Direito. Os juristas formavam-se todos no exterior. 

Encontrei o texto integral de uma entrevista que diz ao Presidente Agostinho Neto, numa altura em que ninguém queria saber do MPLA e dos seus dirigentes para nada. Corria o mês de Maio de 1975. Os Media eram dos ricaços, independentistas brancos. Esta peça foi publicada no jornal Diário de Notícias, o de maior tiragem, circulação e expansão em Portugal, nesse ano de 1975. A entrevista é longa. Leiam só a posição do líder do MPLA sobre as eleições em Angola:

Diário de Notícias - Dada a situação político e militar a data da independência e a realização das eleições, podem sofrer alterações?

Agostinho Neto - Bem, muitas coisas podem acontecer em Angola. Tudo depende do bom senso, da prudência e da combatividade daqueles que defendem a independência total e completa do povo de Angola. Nós temos de facto a ameaça de um conflito generalizado, um conflito que querem provocar, exactamente para que não cheguemos ao fim do processo de descolonização em condições de continuarmos a vida que desejamos, que é trabalharmos na construção um país livre e progressista após a independência. Há mesmo aqueles que querem destruir a ideia da independência no dia 11 de Novembro. 

DN - Reconhece que estão em causa as eleições?

AN - Eu sei que haverá muitas dificuldades para a realização das eleições, já que é uma operação complicadíssima, especialmente nas condições que estamos a viver. Após séculos de colonialismo e dezenas de anos de fascismo, em que a prática eleitoral não foi aplicada em Angola e o nosso povo, naturalmente ainda não educado para o exercício da democracia, há dificuldades em responder de uma maneira cabal às solicitações que se põem à realização das eleições. Haverá dificuldades também de carácter técnico, que não sabemos ainda se será possível ultrapassá-las. No entanto, penso que mesmo nessas condições e uma vez que todos concordamos, devemos fazer tudo para realizar as eleições. 

AQ - O Alto-Comissário Silva Cardoso pensa assim?

AN - A meu ver, não é prudente chegarmos a este momento, quando ainda mal iniciamos a discussão sobre a Lei Eleitoral, quando ainda não aprovámos sequer uma Lei Fundamental, chegarmos à conclusão que não podemos efectuar as eleições. E as dúvidas que têm surgido ultimamente por causa dos conflitos, principalmente aqui em Luanda, não autorizam ninguém a dizer que as eleições são impossíveis. E é bom que se passe pelo teste das eleições para não continuarmos a viver esta dúvida sobre qual a tendência principal do povo angolano. Acho que o trabalho dos Movimentos de Libertação do Governo de Transição e de todo o povo deve ser em prol da realização das eleições.”

Agora é que o Pereira Santana vai encomendar ao André dos Anjos, pingando kapuka, mais calúnias e insultos contra mim. O director do munhungo até vai desistir de se servir do nome da Primeira-Dama, Ana Dias Lourenço, para segregar jornalistas só porque são mulheres e sabem mais do que ele.

* Jornalista

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