quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Angola | Eduarda Inquilina da Ala Feminina -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

João Lourenço exigiu na Assembleia-Geral da ONU que os países onde estão domiciliados fundos de cidadãos angolanos, sejam devolvidos a Angola. Não precisa fazer exigências. Basta que as autoridades provem a sua proveniência ilícita. Mas não chega uma sentença comprada por uma comissão de dez por cento, ao abrigo do Decreto Presidencial número 69/2021 que foi declarado ilegal pelo Tribunal Constitucional. Nenhum país do mundo acredita num Poder Judicial comprado pelo Presidente da República e Titular do Poder Executivo, por decreto!

João Lourenço disse hoje, no conforto do seu gabinete, que “é hora de exigir aos Estados destinos dos recursos ilicitamente adquiridos, que os devolvam. Pertencem ao Povo Angolano”. O povo sou eu. O poder sou eu. O dinheiro é meu. É tudo meu. Devolvam-me o dinheiro. Estou pobre. Sou o povo angolano, lado dos filhos de enfermeiro. Mandem o kumbu rapidamente que eu tenho muitos acomodados para a sustentar. Mais dinheiro para os meus magistrados. 

João Lourenço hoje mesmo acenou com mais dinheiro para magistrados judiciais e agentes do Ministério Publico. E ousou mesmo garantir a “separação e interdependência de funções”. O que é isso? Será a separação de poderes, marca distintiva do Estado Democrático e de Direito? No mobutismo estas coisas só atrapalham mesmo. E tornam difícil recrutar mão-de-obra para confiscos ilegais, abusivos, e sentenças compradas à peça.

A demissão de Eduarda Rodrigues, directora do Serviço de Recuperação de Activos, agravou muito as dificuldades de repatriamento dos fundos considerados de “origem ilícita”. E à medida que se vão sabendo pormenores, qualquer dia os países onde há fundos depositados por angolanos condecoram os depositantes, por conseguirem desviar o seu dinheiro do apetite voraz de João Lourenço e a sua equipa perita em extorsão. Porque estamos perante casos flagrantes de extorsão e chantagem. O caso do empresário Carlos São Vicente é um exemplo. 

Os seus advogados acabam de contar o filme: “Duas semanas após a prisão arbitrária do Dr. São Vicente, a Procuradora Eduarda Rodrigues foi à prisão, na ausência dos advogados, e exigiu ao Dr. São Vicente que entregasse todo o seu património ao Estado. O Dr. São Vicente respondeu que não entregava nada porque o património é seu, da sua família e da empresa AAA. Irritada, a Procurador levantou-se e, em voz alta, quase histérica, ameaçou dizendo que se não entregasse todo o património continuaria preso, seria julgado e condenado. O Dr. São Vicente, surpreendido, perguntou porque seria julgado e condenado se não tinha cometido nenhum crime. A Procuradora reafirmou que seria condenado. Rasgou um pedaço de papel e escreveu o seu número de telefone para entregar aos advogados”.

Os advogados de Carlos São Vicente ligaram mesmo a Eduarda Rodrigues e após vários contactos, “a Procuradora insistiu nas ameaças mas acabou por propor uma negociação, oferecendo 20 milhões de dólares contra a entrega de todo o património. A oferta foi rejeitada e não houve negociação”. Dona e senhora, “a Procuradora Eduarda Rodrigues cumpriu e executou todas as ameaças, o Dr. São Vicente continua preso até hoje. Foi julgado e condenado, sem provas, num processo judicial que foi uma autêntica farsa pelas nulidades, ilegalidades e inconstitucionalidades praticadas nas sucessivas fases de julgamento, sentença e recursos”. Estava tudo comprado a dez por cento de comissão.

Os avogados da vítima insistem: “O Dr. São Vicente, a família e a AAA viram o seu património apreendido, vandalizado, roubado e ‘privatizado’. Ficaram sem nada depois de uma vida honesta de 42 anos de trabalho, de poupança e de investimento. O Dr. São Vicente foi injustamente preso, castigado. É tratado com hostilidade e crueldade por ter defendido a sua inocência, os seus direitos, o património que é propriedade sua, da família e da AAA e não aceitar o roubo mascarado de recuperação de activos. Sabe-se hoje que foi o único a opor-se às chantagens, às ameaças e às sucessivas propostas negociais indecentes e criminosas. Pela sua rectidão e coragem, sofreu imenso, escapou por quatro vezes à morte e continua preso, doente e debilitado”.

E agora? Os advogados têm uma resposta eloquente e eficaz: “Obviamente que a Procuradora Eduarda Rodrigues não agiu sozinha. Urge, neste momento, que o Governo, com a devida serenidade e maturidade, liberte imediatamente o Dr. São Vicente que é vítima da injustiça. Com este gesto, o Governo inicia a implementação da Opinião Nº 63-2023 de 14.11.2023 do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas – Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária”.

Carlos São Vicente é a principal vítima de Eduarda Rodrigues. Carlos São Vicente não negociou com a procuradora Eduarda Rodrigues e por isso continua preso. A Procuradoria-Geral da República declarou a legalidade da actividade de Carlos São Vicente e da proveniência do seu dinheiro, na sequência de investigação e resposta a uma carta rogatória das autoridades suíças em Agosto de 2020. No mês seguinte a Procuradora Eduarda Rodrigues entrou em acção. Sem novos elementos de prova, apressou-se a apreender quase todo o seu património em Angola. Estava lançada a caça aos seus activos.

Carlos São Vicente foi preso em 22 de Setembro de 2020. Duas semanas depois, em 6 de Outubro, na Prisão de Viana, recebeu a visita inesperada da Procuradora Eduarda Rodrigues, que para o efeito não notificou os advogados constituídos. Recusou a Carlos São Vicente, o direito a ser assistido pelos seus advogados nesse acto, por motivos que facilmente se compreendem. 

Nesse encontro, sem preâmbulos, exigiu a Carlos de São Vicente a entrega de todo o seu património ao Estado. Carlos de São Vicente recusou, alegando que o património lhe pertencia e que o tinha obtido legalmente ao longo de anos de trabalho, poupança e investimento. Eduarda Rodrigues prosseguiu com ameaças e chantagem. Se não entregasse tudo seria julgado e condenado por muitos anos. Carlos de São Vicente manteve-se irredutível, com a consciência tranquila de não ter cometido qualquer crime. Esta actuação ilegal da procuradora, foi denunciada ao longo do processo, mas não lhe foi dada relevância.

Depois de apreendidos os bens, a Procuradora Eduarda Rodrigues decidiu a sua distribuição por vários serviços do Estado, quando no processo nem sequer havia uma acusação. Outro acto ilegal denunciado, mas ignorado pelas instâncias judiciais competentes. E com o apoio entusiasmado do Procurador-Geral da República Hélder Pita Grós. Ordens são ordens e João Lourenço não gosta de ser contrariado. Todos obedecem ou caem.

O processo decorreu e terminou como a Procuradora Eduarda Rodrigues ameaçou: Uma condenação fabricada com os mais flagrantes e chocantes atropelos da lei. Cumprida mais de metade da pena, era de esperar que Carlos São Vicente saísse finalmente em liberdade. Mas não. Os serviços do Ministério do Interior e os Tribunais ignoraram os prazos, como se respeitassem uma agenda perversa, pelo que até hoje nem sequer foi feita a apreciação, que é legalmente obrigatória, de concessão de liberdade provisória.

Carlos São Vicente não cedeu, não confessou, não entregou o património que construiu em décadas de uma carreira legal e transparente. Por isso, é o único arguido que está preso, nos casos mediáticos conhecidos. Preso no cumprimento de uma condenação injusta, mas para além dos prazos que lei concede para ser restituído à liberdade, mesmo que provisória. A ameaça da Procuradora Eduarda Rodrigues continua a ser cumprida mesmo depois de demitida, despedida e à beira de ir morar na ala feminina da cadeia de Viana.

Carlos São Vicente tem várias enfermidades que determinam risco de morte elevada e tem sobrevivido a várias crises agudas. O Estado rejeitou todos os pedidos de libertação baseados no seu comprovado estado crítico de saúde. Vive de uma parca pensão de reforma com a qual faz face às necessidades básicas de alimentação e saúde, que a prisão não lhe proporciona. Todos os bens da família foram confiscados, pelo que também os familiares foram abruptamente privados dos seus haveres e rendimentos.

A prisão de Carlos São Vicente é considerada ilegal pelo Grupo de Trabalho Sobre a Prisão Arbitrária, do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, conforme Opinião número 63.2023, de 14 de Novembro de 2023, que exortou o Governo Angolano a libertá-lo imediatamente.

É chegada a altura de repor a justiça e libertar Carlos de São Vicente, por respeito a essa Opinião, por razões humanitárias que se prendem com o seu grave estado de saúde. Por reunir os requisitos legais para concessão de liberdade provisória.

Eduarda Rodrigues foi falar com a PGR de Genebra Sophie Varga Lang que no seu juramento de posse assumiu o compromisso de cumprir o cargo com dignidade, rigor e humanidade. Mas pouco. A combina que ambas fizeram, não sei. Mas os fundos de Carlos São Vicente foram bloqueados, desbloqueados, bloqueados e assim continuam. 

Depois da combina, os filhos de Eduarda Rodrigues estudam num dos melhores colégios da Suíça, coisa só para milionários. Um evidentíssimo sinal exterior de riqueza. Não chega para lhe confiscar os bens e mandá-la para a ala feminina a do estabelecimento prisional de Viana? Chega e sobra! 

Angola trabalha com as agências da ONU. Coopera com a ONU. Mas o nosso Mobutu ignora o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas e a Opinião número 63.2023, de 14 de Novembro de 2023, que exortou o Governo Angolano a libertar imediatamente Carlos São Vicente porque a sua prisão é arbitrária e o julgamento foi ilegal. A ONU não pode comportar-se como a Procuradora-Geral de Genebra.

* Jornalista

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