sábado, 19 de outubro de 2024

Angola | Técnicas de Choque e Pavor -- Artur Queiroz


Artur Queiroz*, Luanda

A técnica do choque e pavor é mais antiga do que a mais velha profissão do mundo, o Jornalismo. Em muitos casos é mais eficaz do que os campos de concentração e mais lucrativa do que o Corredor do Lobito. Os Media avençados e controlados informam que o chefe Miala vai ser o próximo líder do MPLA e cabeça de lista do partido às eleições de 2027. Que horror! Chocante! Não aguento! Só me resta a droga e a prostituição! Calma, calma. Vai ser apenas presidente da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG). Que alívio!

Kazuza! O teu filho levou 25 anos de prisão por ter roubado uma tampa do saneamento básico. Que horror! Calma. Só levou dez anos. Mana Fina! Um camião chocou contra a tua casa. Morreu toda a tua família! Aiué! Aiué! Calma, não morreram todos. Só morreu o teu pai e a tua mãe. A isto chama-se choque e pavor para fazer passar a nossa Evita como líder do MPLA, das Forças Armadas, da República e do Corredor do Lobito. 

Um dia fui apanhado numa operação de choque e pavor. Entrei num daqueles sítios onde as meninas da vida desprevenida esperam os clientes e depois bebem uns copos com eles. Só estavam cinco senhoras. Nem um cliente. Mau Maria! O que se passa? O dono foi avisado de uma rusga policial. Mandei vir uma garrafa de uísque falsificado (não gosto de uísque verdadeiro) e as meninas vieram fazer-me companhia. De repente entrou uma brigada da polícia. Ninguém sai daqui! Era uma rusga para apanhar imigrantes “ilegais”.

Identificação! O que faz a senhora? Resposta imediata: Sou psicóloga de relações intersexuais. A senhora? Eu sou socióloga das superestruturas ideológicas. A senhora? Eu sou psicóloga clínica. A senhora? Eu sou jornalista, activista, escritora e faço uns ganchos para a Embaixada da Guiné Equatorial em Lisboa. (Este perfil cheirou-me a Luzia Moniz…) A quinta senhora hesitou antes de responder aos polícias. Mas falou: Eu sou técnica de relações públicas. 

Os polícias viraram-se para mim. Identificação? Mostrei o bilhete de identidade. O que faz? Eu já tinha bebido meia dúzia de copinhos e estava um nadinha atravessado. Respondi em voz altíssima: Seus incompetentes de merda! Não se vê logo que eu sou a puta? (Peço desculpa às almas mais sensíveis pela crueza da linguagem).

Grande maka. Atiraram-se a mim como se fosse o Rui Ramos. Amarraram-me e algemaram-me. Porrada em cima de porrada. Levaram-me para o Tribunal de Polícia. Após um julgamento sumário fui condenado a 180 dias de prisão substituídos por multa. Motivo: Injúrias à autoridade, Choque e pavor!

O Tribunal Supremo de Angola condenou o antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, Dr. José Filomeno dos Santos, a cinco anos de prisão. O antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Dr. Valter Filipe, levou oito anos. O antigo diretor do Departamento de Gestão de Reservas do Banco Nacional de Angola (BNA), Dr. António Bule, cinco anos de prisão. O empresário Jorge Sebastião foi condenado a seis anos de prisão. Choque e pavor! 

Os advogados recorreram para o Tribunal Constitucional. Muito tempo depois saiu o Acórdão ao estilo do choque e pavor. No passado mês de Abril as venerandas e os venerandos conselheiros concluíram que a sentença condenatória enferma de "violações aos princípios constitucionais da Legalidade, do Contraditório, do Julgamento Justo e do Direito á Defesa”. Chocante! Neste caso (Processo dos 500 Milhões) a primeira instância foi o Tribunal Supremo dadas as funções que os arguidos desempenhavam. Um escândalo! 

As venerandas e os venerandos conselheiros do Supremo julgaram e condenaram violando o Direito da Defesa! Isso só acontece nas ditaduras mais cruéis. Condenaram espezinhando o Direito ao Contraditório. Chocante. Isso só acontecia nos Tribunais Plenários da PIDE. Violaram o Princípio da Legalidade. Isso era com o chefe Poeira no tempo do governador Agapito. Os condenados não tiveram um julgamento justo. Choque e pavor.

Ao ler o Acórdão do Tribunal Constitucional pensei assim. O Tribunal Supremo fez de polícia mau (chefe Miala) e condenou os arguidos a pesadas penas, por nada. O Tribunal Constitucional fez de polícia bom e atirou com a sentença da primeira instância para o lixo. Assim as pessoas acreditam que em Angola existe a separação de poderes. O Poder Judicial é livre e autónomo. A turma de Pita Grós usa e abusa do choque e pavor mas os magistrados judiciais estão lá para repor a legalidade. Pôr na ordem os funcionários do Ministério Público. 

Nem pensar! O Tribunal Supremo acaba de informar que “expurgou” as inconstitucionalidades e os condenados vão continuar presos! Choque e pavor. Volta Mobutu, estás perdoado. Lamento informar o Presidente da República e Titular do Poder Executivo que o “Processo dos 500 Milhões” demoliu o pouco que restava do Poder Judicial. Agora fica tudo a cargo do chefe Miala e do Pita Grós. Se pensam que alguém investe o seu dinheiro num país onde os empresários são presos e seus bens confiscados, estão muito enganados. 

Se os operadores da Justiça e os Académicos aceitarem o choque e pavor protagonizada pelo Tribunal Supremo não adianta nada. Angola caiu na situação de estado pária. Não se esqueçam do parecer do Conselho dos Direitos Humanos da ONU sobre as ilegalidades e arbitrariedades cometidas contra o empresário Carlos São Vicente. Ele afinal construiu 80 hotéis em Angola. É obra! Agora fica tudo nas mãos dos Jaimes, dos Freitas e das Ivanas. 

A Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG), nicho de mercado da Família Miala, reclama ao Pai Querido da Sonangol quatro imóveis abarbatados aos donos na recuperação de activos. Para compensar o futuro presidente da associação dos kupapataas (chefe Miala) o Presidente da República aprovou um ajuste directo de 12 milhões de dólares para mudar o ar condicionado na sede da agência mialista. Choque e pavor.

O edifício é novo. Foi recuperado activamente ao Banco Económico (antigo Banco Espírito Santo Angola). Em Janeiro deste ano, João Lourenço despachou simplificadamente mais 35 milhões dólares para mobilar a sede da ANPG. Em Maio passado, João Lourenço ajustou directamente mais 14,8 milhões de dólares para a "transferência física da infra-estrutura tecnológica e modernização de activos operacionais da sede antiga para a nova”.

A nova sede da ANPG, coutada da Família Miala, já nos custou milhões de dólares. Adriano Manuel, presidente do Sindicato dos Médicos, acaba de anunciar que o Executivo não investe nos hospitais há meio ano! Choque e pavor. Os laboratórios não funcional ou funcionam mal. Outros meios auxiliares de diagnóstico, parados. Os doentes morrem. E daí? Choque e pavor!

* Jornalista

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