Margarida Cardoso, jornalista | Expresso (curto)
Bom Dia!
Num ano, 85% dos edifícios escolares em Gaza foram atingidos ou
danificados por bombardeamentos. Mais do que um simples número, as paredes
destruídas, os tetos caídos, os buracos abertos no chão das salas de aula
mostram bem como tudo mudou por ali desde 7 de outubro de 2023.
Doze meses depois de militantes do Hamas e outros grupos
armados palestinianos entrarem em Israel para uma série de ataques que
mataram 1.230 pessoas e fizeram 252 reféns, “a guerra” prometida na reação
imediata do Governo de Benjamin Netanyahu está instalada na região. A resposta
de Israel contabiliza 42 mil mortos, 100 mil feridos, 2 milhões de deslocados
só em Gaza, mas 97 dos reféns continuam nas mãos do Hamas e muitos
deles já estarão mortos.
A cada dia que passa, a crise fica mais grave. O rastilho alastra de Gaza
e da Cisjordânia ao Líbano, à Síria, ao Iémen, ao Iraque, ao Irão. Na luta com o Hamas e o Hezbollah, há sete frentes de guerra, assume Israel. É verdade que o
chefe do estado maior do exército israelita já declarou vitória sobre o braço
armado do Hamas em carta enviada aos seus soldados, mas deixou, também, um
aviso: “Esta é uma guerra de longa duração”.
A esperança esvai-se. Não há paz para oferecer. “Nas atuais
circunstâncias, o problema Médio Oriente não tem solução”, afirma o embaixador
e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz. “É assim desde a
independência de Israel, em 1948, seguida da invasão do território, logo no dia
seguinte (pelo Egito, Jordânia, Síria e Iraque)”, acrescenta.
Num breve resumo destes 76 anos, Martins da Cruz recorda como “todas as
tentativas para resolver o problema falharam, dos Acordos de Camp David (1978),
à Conferência de Madrid (1991), aos Acordos de Oslo (1993) e, mais
recentemente, aos Acordos de Abraão”.
Já assinado com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos, este
acordo para a normalização de relações entre Israel e países árabes e
muçulmanos estava em fase de conclusão com a Arábia Saudita em outubro do ano
passado. “O grande objetivo do ataque do Hamas foi precisamente impedir isso.
Estamos a falar do país onde estão os dois principais locais sagrados do Islão,
Meca e Medina”, comenta.
“Em sete décadas, Israel já invadiu seis vezes o Líbano. O padrão é sempre o
mesmo. Entra, executa as suas ações militares e sai para recomeçar uns anos
depois. Em Gaza é a mesma coisa”, sublinha o antigo embaixador de Portugal
no Cairo e nas Nações Unidas no momento em que os sinais de radicalismo e de
anti-semitismo aumentam nas manifestações pró-Palestina um pouco por todo o
mundo, como aconteceu este fim-de-semana em Washington, onde um
jornalista incendiou o braço esquerdo “pelas 10 mil crianças de Gaza que
perderam um membro”.
Se há um elemento surpresa neste conflito para Victor Ângelo, secretário-geral
adjunto das Nações Unidas com Kofi Anan e Ban Ki-moon, não é tanto o factor
tecnológico, visível na explosão de pagers e walkie-talkies no Líbano ou na forma como Israel com a
ajuda de alguns aliados,
Como Martins da Cruz, Victor Ângelo não vê solução no horizonte. “O que
temos no curto prazo é uma séria tendência de agravamento até pelas eleições
presidenciais de 5 de novembro nos EUA. Netanyahu tudo fará para complicar as
coisas aos democratas e tentar garantir a vitória de Donald Trump, que já
aceitou o ataque a instalações nucleares no Irão. O aumento da pressão no
Líbano é um sinal claro disso mesmo”, comenta ainda à espera da resposta do
Governo de Israel ao ataque do Irão, num momento em que as sondagens no país
são favoráveis ao atual primeiro-ministro.
“Se amanhã os EUA quisessem resolver o conflito, bastaria dizerem publicamente
que deixavam de apoiar militarmente Israel, mas sabemos que isso não vai
acontecer”, refere.
Para haver paz bastaria, também, “todos respeitarem a Carta das Nações Unidas”, mas o Conselho de Segurança
da ONU “não funciona devido à forte divisão entre os seus membros. E a
fratura entre EUA, Rússia e China ainda vai aumentar”, antecipa.
“Tivemos pela primeira vez um país membro das Nações Unidas (Israel) a declarar
o secretário-geral da organização persona non grata”, sublinha numa
referência direta a António Guterres, um dos nomes indicados para o Prémio Nobel da Paz, proibido de entrar em Israel com a alegação de que
“não condenou inequivocamente” o ataque do Irão, apesar de repetir apelos ao fim do “derramamento de sangue”.
Martins da Cruz deixa uma outra nota sobre sobre a ONU, “incapaz de
fiscalizar uma resolução do seu Conselho de Segurança, de 2006, e garantir
a desmilitarização de uma faixa de
E o que dizer do posicionamento de Portugal, com um escritório de representação em Ramallah, na Cisjordânia,
onde está a Autoridade Palestiniana? Victor Ângelo considera haver “algo
de estranho” na política externa do país e justifica: “Não reconhecemos o
Estado da Palestina, mas temos uma embaixada da Palestina em Lisboa”.
Numa guerra que pode acompanhar ao minuto no Expresso, vale a pena ouvir o podcast O Mundo aos seus Pés, para perceber as motivações dos
beligerantes, e ler o relato de AbdAlwaha, um palestiniano de 28 anos, conhecer “a luta diária pela sobrevivência” da sua família há
quase um ano, perceber que ainda acredita na paz, como partilha com a minha
colega Margarida Mota. E vale a pena ler o ensaio da investigadora Ana Santos
Pinto para não cair na tentação de fazer skroll à questão palestiniana.
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O QUE ANDO A VER E A LER
Nos próximos dias, é tempo de marionetas. O Festival Internacional de Marionetas do Porto invade
diferentes palcos da cidade, entre 11 e 20 de outubro, para celebrar os seus 35
anos e a triologia “Existir. Resistir! Desistir…”. Para o espetáculo inicial, a
organização trouxe do Líbano “as hábeis mãos da companhia Collectif
Kahraba” com a proposta de “uma forma muito acessível, mas simultaneamente
bela, de repensarmos questões ancestrais que têm a ver com a nossa ligação à
terra e aos animais, e à nossa história comum através de uma matéria tão
primordial como o barro”.
Partilho, também, a sugestão de leitura do Tiago Serra Cunha, meu colega
na delegação Norte do Expresso: “Na contracapa da edição em inglês de Azul de Agosto, uma citação do autor Stuart Kelly, entre os
habituais 'blurbs' que enchem as capas dos livros, diz que Deborah Levy escreve
“quase literalmente como um sonho”. É bastante verdade. Editado em Portugal em
julho, August Blues, no título original, é um livro curto mas cheio, com
uma escrita fluída que nos move entre o presente e o passado numa dança
equivalente à das mãos de um pianista que flutuam sobre as teclas.
A comparação atrás não é só floreado: a história segue a pianista Elsa M. Anderson,
que inesperadamente abandona o palco a meio de uma atuação. O que acontece a
seguir é uma espécie de fuga à sua história de vida cheia de buracos por
compreender, enquanto faz uma viagem pela Europa, 'perseguida' por uma mulher
que acredita ser a sua doppelgänger.
Como escreveu José Mário Silva na crítica deste livro para o
Expresso, a narrativa “atravessa de uma ponta à outra o espectro da
melancolia e transforma a sua deriva, geográfica e mental, numa linguagem de
pura fluidez, ao mesmo tempo levíssima e grave, cheia de hiatos, alusões e
elipses”. Vale a pena ler, para um último gosto de verão neste outono ainda pouco
frio”.
Boas leituras
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