Artur Queiroz*, Luanda
O mundo anda aos trambolhões por causas das palavras malditas e sobretudo mal ditas. A palavra é subversiva, castigadora, desbocada, imponderada, feroz. E nunca perdoa. Por isso o sistema quer acabar com os jornais de uma vez por todas. Porque nas suas páginas as palavras ficam gravadas como se fosse na pedra. Agostinho Neto dizia que a Imprensa é o rascunho da História. Sendo bastante burro, pelo menos esta parte aprendi.
O escritor Manuel Rui Monteiro concedeu uma entrevista muito interessante quando João Lourenço anunciou ao que vinha. Não me canso de ler aquelas palavras avisadas, exactas, indesmentíveis. O jornalista perguntou-lhe se é possível comparar José Eduardo dos Santos e João Lourenço. Nessa altura, o anterior Presidente da República ainda estava vivo. O patrono do Centro Cultural dos Huambo respondeu:
“Primeiro no perfil do pensamento, João Lourenço estudou História, compreende melhor uma filosofia política de acção. É marido de uma cientista de economia que já esteve no FMI. Quanto a Dos Santos fico por aqui porque não é positivo falar de pugilistas tombados no ringue, com o desmoronar da sua família seria mais um acto de crueldade. No entanto, sublinho que João Lourenço foi um opositor mas com uma consciência dos passos que devia dar. São pessoas totalmente diferentes. Um tolerou ou fomentou o nepotismo, a corrupção e a miséria do povo. O outro é contra o nepotismo, contra a corrupção e diz-se empenhado em resolver os problemas do povo”.
Palavras sábias. João Lourenço odeia o nepotismo de José Eduardo dos Santos, só gosta do dele. Chamou para o poder a teia de amizades e cumplicidades que criou quando “foi um opositor mas com a consciência dos passos que devia dar”. Opositor dos tesos! Mal se apanhou no cargo iniciou a demolição do MPLA. Está quase. Mais uns meses e não fica pedra sobre pedra. Familiares e familiares dos familiares dos familiares também foram “acomodados” em cargos chorudos, contemplados com mundos e fundos. Presunção e nepotismo cada qual toma o que quer. João Lourenço tem imenso sucesso com o seu nepotismo. Nisto não falhou.
Manuel Rui diz que José Eduardo dos Santos promoveu a corrupção “ou tolerou”. Eu tenho outras palavras para dizer o mesmo. Ele sabia que a corrupção é combustível indispensável para mover a maquineta do capitalismo. As outras fontes de energia são a exploração de quem trabalha e o roubo com a colaboração do Estado ou sua iniciativa. João Lourenço também sabe como funciona o sistema. Criou o serviço de recuperação de activos e foi buscar Dona Eduarda Rodrigues para os roubos terem sucesso e cobertura oficial. Por falar em nepotismo, a senhora é irmã do ministro Massano. Tudo em família.
O ministro José de Lima Massano é contemporâneo dos subornos da empresa Boston Consulting Group (BCG) para obter contratos, entre 2011 e 2017. Foi governador do Banco Nacional de Angola entre 2010 e 2015. Apanhou o comboio da corrupção em praticamente toda a viagem. Só falhou os últimos dois anos. Tem mais um percurso emérito e pretérito: Descobriu Dona Vera Daves. É sua criatura. Amiguismo, nepotismo e dinheirismo em quantidades industriais. Ou mais.
Abraão Gourgel foi o ministro da Economia e Planeamento entre Outubro de 2010 e 2017. Fez toda a viagem da corrupção organizada pela Boston Consulting Group (BCG). Archer Mangueira era ministro das Finanças. Não se fala mais nisso. Na interessante entrevista, Manuel Rui Monteiro deu a sua palavra de honra que João Lourenço odeia visceralmente o combustível da corrupção. Por isso é que a maquineta está parada e os problemas do povo são cada vez mais graves. O povo implora pela miséria do tempo de José Eduardo dos Santos. Ninguém ouve os clamores.
Ernesto Mulato, alto dirigente do Galo Negro, participou numa homenagem ao cardeal D. Alexandre do Nascimento e disse que aquilo do rapto quando ele era arcebispo do Lubango “foi uma peregrinação cristã por terras da UNITA”. Só pode. O Vaticano viu o rapto mesmo rapto e conseguiu a libertação do raptado. Se a cúpula da Igreja tivesse ido na conversa de Ernesto Mulato, D. Alexandre ia parar às fogueiras da Jamba peregrinando pelas chamas.
Gerson Prata escreveu isto sobre Jonas Savimbi: “Um homem que durante anos a fio foi pintado da pior maneira pela propaganda hostil de um Governo que se gabava de ser forte e poderoso; um homem que resistiu às sanções da Organização das Nações Unidas, sem nunca se desviar dos seus princípios e das suas convicções; um homem que dizia que acima de Angola não havia mais nada, e se manteve de cabeça erguida na trincheira ao lado dos seus intimoratos soldados, empunhando a sua arma, até ao último suspiro – esse grande homem possuí um legado que transcende as tentativas de se reescrever a sua história. Savimbi não necessita de uma reabilitação oficial da sua imagem. Os seus feitos falam por si”.
Pois falam. Parceiro da PIDE/DGS, do Coronel Passos Ramos, do General Bettencourt Rodrigues e General Luz Cunha no Leste de Angola, lutando contra a Independência Nacional. Assassino de companheiros da direcção da UNITA. Assassino de mulheres e crianças nas fogueiras da Jamba. Assassino de sua esposa Dona Ana Isabel Paulino. Parceiro do regime racista de Pretória na guerra que moveu contra Angola entre 1975 e 1998. Chefe de um bando de malfeitores em armas para matar a democracia angolana, quando perdeu as eleições de 1992.
A Fundação Ngana Zenza de Ana Dias Lourenço fez uma gala na qual gastou muito mais do que aquilo que distribui nos programas de desenvolvimento comunitário. Aquela gala é bem o emblema de João Lourenço, estudante de História e marido de uma cientista da economia. Manuel Rui está enganado, sua excelência foi indicada por José Eduardo dos Santos, nas suas maquinações de nepotismo, para o Banco Mundial e não para o FMI.
Por indicação de José Eduardo dos Santos foi candidata a deputada pelo MPLA nas eleições de 2008 (esmagamento total dos sicários da UNITA). Seu excelso marido foi o braço direito de José Eduardo dos Santos na gestão do partido. Deputado. Ministro da Defesa nomeado por aquele que cultivava a corrupção e o nepotismo. João Lourenço e Ana Dias não sabiam de nada. Não viam nada. Nunca ouviram falar de nada. Nunca ganharam nada. Nunca receberam nadinha. Manuel Rui também não. E eu sou cego, surdo e mudo quando me convém.
Palavras mais malditas não há quando se trata de matar duas vezes o mesmo cidadão. São Tomás de Aquino abriu uma grande avenida à Humanidade no seu caminho para a liberdade e a dignidade. Escreveu isto na pedra: Todo o seu humano tem uma dignidade infinita é único e irrepetível. Muitos cristãos ignoram isto. Se tivessem presente tal ensinamento não assistiam indiferentes aos genocídios que correm no planeta por obra e graça do estado terrorista mais perigoso do mundo. Quando morre um ser humano todos morremos. Sem o outro somos abaixo de zero. Não existimos.
Este introito serve para manifestar pesar pela morte de Ismael Mateus e apresentar condolências à família. Mas aproveito o momento para manifestar a minha perplexidade por todos apresentarem o defunto como jornalista quando ele exercia há muitos anos actividades incompatíveis com o Jornalismo.
A Sociedade Mineira de Catoca emitiu um comunicado onde manifestou pesar pelo falecimento do seu colaborador Ismael Mateus. A ENDIAMA fez o mesmo e deu o defunto como seu quadro. Nestas empresas não se exerce a profissão de jornalista. Salvo no tempo da Rádio Diamang, nascida em 1946, propriedade da empresa diamantífera que nesse tempo era um estado dentro do Estado.
A cronista Rossana Miranda
escreveu que foi convidada por Ismael Mateus para colaborar na Mídia Lito,
empresa de comunicação, imagem e publicidade. Desolada com a morte do seu
mentor, diz que “assim me iniciei no mundo da Comunicação Institucional.Com o
Ismael Mateus aprendi toda a base de RP (Relações Públicas), isso em
Os jornalistas não podem exercer cargos políticos de eleição ou nomeação. Se o fizerem têm de entregar a Carteira Profissional porque esta é uma incompatibilidade insanável. Ismael Mateus era membro do Conselho da República, logo não podia exercer a profissão de jornalista. Assim, todas as homenagens feitas ao jornalista deviam ser dirigidas ao político conselheiro da república, ao técnico de relações públicas e ao professor. É preciso levar muito a sério a questão das incompatibilidades. Para dignificarmos o Jornalismo.
Meu caro João Dias peço-te desculpa, passados todos estes anos, por te moer a cabeça quando me apercebia que estavas a resvalar para fora da profissão. Logo tu que eras um diamante precioso daquele grupo de trabalho na Redacção do Jornal de Angola. Já eras um grande jornalista. Um grande profissional e eu queria-te só para o Jornalismo.
Desculpem-me alguma palavra mais maldita ou mesmo mal dita.
* Jornalista
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