terça-feira, 1 de outubro de 2024

UE: DRAGHI, O LACAIO DA GOLDMAN SACHS COMO DURÃO BARROSO E OUTROS*

Relatório Draghi: O capitalismo europeu e os seus dilemas existenciais

O estudo do ex-dirigente da Goldman Sachs e ex-presidente do BCE mostra como a economia europeia perdeu competitividade e as políticas de mercado livre falharam na guerra da concorrência. Mas as medidas que preconiza não só favorecem os de sempre como são rejeitadas pelos países do costume. Dossier organizado por Carlos Carujo.

A Comissão Europeia encomendou a Mario Draghi, ex-dirigente da Goldman Sachs, ex-presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro-ministro de Itália, um relatório sobre a competitividade europeia. Ao fim de um ano de trabalho, em centenas de páginas traça-se um diagnóstico exaustivo que reconhece dois pontos essenciais: a perda de competitividade da economia europeia face à dos Estados Unidos e à da China e o falhanço das políticas de “mercado livre” que a União Europeia tem seguido ortodoxamente.

O relatório coloca portanto em causa certezas ultra-liberais e revela a confusão e as contradições que têm reinado numas elites políticas europeias sem estratégia de desenvolvimento económico à escala continental. Para além deste diagnóstico, as suas receitas que passam, entre outras medidas, pela concentração do capital europeu e pela mutualização de dívidas para tentar encurtar o “fosso de investimento” vão obviamente no mesmo sentido de classe que as políticas atuais. Para ele, o investimento deve sair dos bolsos públicos parar ir parar às grandes empresas.

Contudo, esbarraram desde logo em obstáculos de longa data: a pouca vontade de aumentar despesas públicas e a rejeição de países centrais da Europa, com a Alemanha à cabeça, de emitir dívida conjunta e a oposição à concentração bancária, a um “mercado único de capitais”.

O “desafio existencial” do capitalismo europeu, nas palavras do ex-banqueiro, fica assim como uma fratura exposta sem tratamento à vista.

Neste dossier, apresentamos algumas das linhas mestre deste documento e algumas das críticas que, à esquerda, lhe têm sido dirigidas.

Com Adam Tooze, especifica-se A visão de Europa de Draghi. Este economista traz-nos alguns dos gráficos utilizados pela equipa de Draghi para mostrar que o investimento público na Europa fica cronicamente atrás do dos EUA mas que a verdadeira diferença entre os dois espaços reside nos tipos de investimento mais inovadores, nomeadamente o capital de risco.

O mesmo especialista detalha Como a Europa se tornou um modelo falhado de relações entre Estados capitalistas, analisando a parte B do relatório, menos realçada na maior parte das leituras, onde se dissecam diferenças entre o bloco europeu e os seus concorrentes diretos, olhando para empresas e setores específicos como a investigação, o setor automóvel, as telecomunicações, a computação em nuvem, a inteligência artificial, a computação quântica, o setor farmacêutico, a “defesa” e o setor espacial. A sua conclusão é que “as relações entre o grande capital e a governação da UE são profundamente disfuncionais” e que esta “já não oferece ao capital europeu a plataforma para enfrentar a concorrência global”.

Michael Roberts, em Salvar o capital europeu: um desafio existencial, investiga a resposta de Draghi como a habitual solução pró-empresarial: desregulamentar, criar incentivos monetários e fiscais, fazer empréstimos conjuntos, mais impostos e menos despesas em coesão social, subsídios e agricultura para disponibilizar mais fundos públicos para as novas tecnologias. Ainda assim, o que seria preciso para aumentar investimento nos setores de alta tecnologia era direcionar o investimento privado para eles, o que os governos da UE não querem fazer porque implicaria assumir controlo de grandes empresas privadas. Dadas estas contradições, a única forma disponível de aumentar rentabilidade do capital europeu, avança, parece ser acentuar a exploração do trabalho e a “destruição criativa” da “tecnologia intermédia”.

Juan Laborda, em O fracasso do mercado livre e o imperativo da intervenção estatal na Europa, também se debruça sobre o plano das respostas de Draghi, sublinhando que a parte mais fraca deste relatório está na “aposta de emissão de dívida europeia para solucionar tudo”. De qualquer forma, destaca a importância de se concluir pelo falhanço do “mercado livre” e pela necessidade de intervenção pública porque o essencial da “inovação não reside no mercado mas no Estado”. Acredita ainda que se mostra nele a ausência de uma visão geopolítica europeia, introduzindo ainda outro elemento, o problema dos custos da energia na Europa.

Martine Orange defende que o estudo é A última remodelação de fachada do projeto europeu. Também ela salienta a questão energética com a “aberração da liberalização deste mercado” a ter conduzido preços mais altos e menos energias renováveis.

A jornalista do Mediapart olha igualmente para o que não está no relatório de Draghi. Entre as omissões nota-se que não há nenhuma crítica real às políticas europeias, à desregulamentação e à liberalização exagerada, à concorrência interna de todos contra todos, aos padrões sociais mais baixos erigidos em dogma ou à austeridade que se tornou a norma desde os anos 2010.

O relatório Draghi é sinal de que o “software” da alta burocracia europeia não mudou, acreditando-se que o mercado é por natureza eficiente e que, para restaurar a competitividade resta às políticas públicas porem-se ao seu serviço.

Outra ausência de monta é a transição ecológica com algumas das mesmas propostas a serem defendidas.

Já Vicente Ferreira questiona: competitividade para quem, concentrando o seu olhar também nas omissões na análise de Dragh como a ausência de análise das regras orçamentais europeias que definem limites ao investimento dos Estados e das diferenças estruturais entre as economias do centro e das periferias da UE.

O economista vinca ainda que o relatório não dá resposta ao facto dos interesses privados não estarem alinhados com as prioridades coletivas, diz muito pouco sobre o papel dos trabalhadores e não inclui propostas sobre a articulação da estratégia industrial com a qualidade do emprego criado nem sobre a definição de condicionalidades sociais nos apoios públicos.

* Título PG

Esquerda.net

Ler/Ver em Esquerda.net:

A visão de Europa de Draghi

Como a Europa se tornou um modelo falhado de relações entre Estados capitalistas

Relatório Draghi: competitividade para quem?

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