terça-feira, 10 de maio de 2011

ALERTA EUROPEUS!




MÁRIO SOARES - DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião

1. Festejou-se ontem o Dia da Europa, com a União a entrar numa decadência profunda, dificilmente disfarçável. Os grandes valores europeus - como a unidade e a solidariedade - estão, como dizemos, pelas ruas da amargura. Os egoísmos nacionalistas reaparecem em força - e perigosamente - e os populismos, demagógicos e sem princípios, contaminam países que se consideravam sensatos, como a Finlândia, a Eslováquia e o Reino Unido.

Vamos, alegremente, a caminho de novos e perigosos conflitos que põem em causa a paz e em que uma faúlha se pode transformar em guerra aberta. Os povos europeus já se esqueceram do que foram os anos trágicos de 1939-45?

É certo que não temos hoje um Hitler nem sequer um Mussolini. Nem passámos ainda por uma guerra preparatória, como foi a tão cruel guerra civil espanhola! Mas, como se viu no passado, uma simples fogueira pode gerar um grande incêndio, sem quase nos apercebermos, como sucedeu no ano fatídico de 1939. Precisamos pois de evitar, sem perda de tempo, que um ou vários conflitos aparentemente menores, nos voltem a empurrar nesse caminho.

É caso para se alertarem os Povos da Europa. Não deixemos morrer um projecto de paz, de liberdade, de justiça social e de bem-estar para todos - único no mundo - como é a União Europeia. Atenção: não temos hoje líderes à altura, nos grandes países europeus, tenho-o escrito repetidamente. Merkel, Sarkozy, Berlusconi, Cameron, para só citar os maiores, são políticos de vistas curtas, sem alma nem valores, que não vêem sequer a médio prazo... Só os seus interesses politiqueiros imediatos os movem.

Pondere-se a notícia, logo desmentida, publicada na revista alemã Der Spiegel, a propósito da ameaça grega de sair da Zona Euro e talvez mesmo da União. Causou o pânico entre os Grandes Estados europeus que se reuniram em petit comité, sem nada transparecer, como de costume, para o eleitorado. Foi, aliás, desmentida, no dia seguinte, pelo primeiro-ministro grego, Papandreou. Mas o pânico espalhou-se, o que demonstra as fragilidades e os receios da União Europeia que hoje temos...

Outro exemplo: a recusa da França do Presidente Sarkozy de receber uma centena de imigrantes vindos da Tunísia, de passagem pela ilha italiana de Lampedusa. Berlusconi, furioso - e desta vez com razão - ameaçou sair da União. Sarkozy deslocou-se a Itália para apaziguar Berlusconi e, como não encontraram uma solução a contento de ambos, resolveram propor o fim do Tratado de Schengen, ou seja: voltarmos às fronteiras cerradas no espaço europeu. Imagine-se! Duas grandes conquistas da União Europeia - a moeda única e o desaparecimento voluntário das fronteiras - poderiam ser sacrificados, segundo os líderes europeus, apenas para satisfazer interesses menores, meramente circunstanciais. O que revela bem a fraqueza dos lÍderes que hoje governam a Europa e o seu desinteresse efectivo pelo projecto comunitário.

Repito: os cidadãos europeus devem reagir, sem perda de tempo. Como escreveu num livro já célebre, lançado há dias em Lisboa, Stéphane Hessel, do alto da sua sabedoria e experiência - e com a lucidez magnífica dos seus noventa e dois anos - devem indignar-se! E mais do que isso: engajar-se! (é o título do seu segundo livro da mesma série), isto é: empenhar-se civicamente em favor de causas e valores, mas sem violência.

A União Europeia, na actual crise, para se salvar, deve não só respeitar os valores dos Pais Fundadores, como ter a coragem de regulamentar os mercados especulativos, que condicionam os nossos Estados e ilegalizar essas empresas de rating, sem rosto nem princípios éticos, que estão ao serviço dos mesmos especuladores. Numa Europa ultraconservadora, em que a economia comanda a política - e não ao contrário, como devia ser - e que só pensa no dinheiro, ignorando as pessoas, é difícil lutar por um novo paradigma político de crescimento. Mas não têm alternativa: ou o fazem ou a União entrará em decadência e desagregação irremediáveis.

Os europeus, no seu conjunto, devem impor-se aos Governos ultraconservadores, sem violência, mas com firmeza. Descer à rua e manifestar-se! É o que os políticos reaccionários mais temem...
A 'troika' pronunciou-se

2. Na semana passada a troika, finalmente, pronunciou-se. Estudou exaustivamente o caso português. As instituições comunitárias mais economicistas ainda não aprenderam com os exemplos à vista - e o Fundo Monetário Internacional, curiosamente, manifestou-se interessado em evitar a recessão, em diminuir o desemprego e o trabalho precário. O relatório final, a meu ver, não é famoso. Mas poderá vir a ser útil para nos abrir uma perspectiva de futuro, restituir a confiança aos portugueses e, se houver juízo, nos ajudar a sair da crise. Tudo isto, claro, podia ter sido evitado, se os Partidos da Oposição tivessem tido um pouco mais de bom senso e savoir faire. Mas agora não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Mas vale a pena, isso sim, não repetir os erros do passado e cumprir os compromissos assumidos.

Portugal vai ter de executar as medidas duras e impopulares a que se obrigou. Os dois principais Partidos - e só eles - estão obrigados a fazê-lo. Porque o PP só se pronunciou a posteriori. Não é fácil. Mas é possível. Creio, contudo, e essa é a minha esperança, que lá para princípios de 2013 a corda vai partir. Não pela parte portuguesa. Mas porque a União Europeia não vai aguentar a pressão a que o euro vai continuar a estar sujeito. O rígido monetarismo do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, inspirado pela chanceler Merkel e seguido, sem visão de futuro, pelo Presidente Sarkozy, vai ter de mudar e radicalmente. Porque a ganância impune dos mercados não vai parar com o caso português. Outros Estados vão ser atacados, como a Bélgica, a Espanha, a própria Itália e mesmo talvez a França. E aí tudo fia mais fino, como diz o nosso Povo... A União Europeia vai ser obrigada a mudar de paradigma, para sobreviver como tal, e avançar com o projecto europeu. Porque parar é morrer. Nessa hipótese tudo será mais fácil para Portugal.

Entretanto as eleições

3. Estão à porta: marcadas para 5 de Junho. Os Partidos - todos - estão em plena campanha, com alguns slogans infelizes (e injuriosos) expostos em grandes cartazes, que custam um dinheirão. Quem os paga? O Zé, claro, através do financiamento do Estado. Os comícios, com muito marketing e pouco conteúdo, e as manifestações organizadas com camionetas que transportam os entusiastas que vêm à borla até às cidades, pagas pelas Autarquias e pelos Partidos, via Estado, com o dinheiro, claro, dos contribuintes. Dir-se-ia que já ultrapassámos a crise e voltámos a estar no melhor dos mundos...

Os apelos ao entendimento dos Partidos, reforçados pelo Presidente da República, parecem ter caído em cesto roto. Era um apelo patriótico importante, que alguns líderes partidários disseram respeitar. Mas não o fizeram. As eleições à vista - e o interesse em as ganhar - sobrepôs-se a tudo. Não basta o barulho das rádios, a força das televisões e dos debates, que já começaram, o peso dos jornais, que enchem as páginas, com as intrigas habituais. É necessário mais: tentar destruir os adversários, desacreditá-los e prometer o melhor para o dia seguinte. Mas como? Esquecem a exigência assumida com as medidas impopulares?...

Será que alguém se atreverá a falar, com consistência e verdade, no que se vai passar no dia seguinte ao acto eleitoral? Como vão aplicar-se as medidas acordadas com a troika, a quem vão mais doer e por quanto tempo? Os eleitores gostariam de os ver discorrer sobre isso. Será que os líderes pensam que é assunto para tratar só no pós-eleições de 5 de Junho e, naturalmente, por quem as ganhar? E se ninguém as ganhar, se houver empates técnicos ou maiorias apenas relativas? A resposta à portuguesa parece ser: então se verá...

Entretanto, Louçã, que é um político bem preparado, no plano económico, num discurso tremendista em que encerrou o Congresso do Bloco, encontrou uma solução. Disse: "É preciso um novo 25 de Abril!". E eu pergunto: com militares? Sem guerras coloniais? Em democracia? Manifestamente, sonha com um novo PREC. O que vai seguramente arrepiar muitos dos seus potenciais votantes. Pelo menos aqueles que ainda se lembram do que foi o PREC e das feridas que deixou. Mas, agora, sem URSS e com Cuba na situação desgraçada em que se encontra, com milhares de desempregados? Como se dizia nos meus tempos de liceu: "É uma ideia que não lembra ao careca..."

Passos Coelho também fez avanços muito perigosos no sentido das privatizações (nem a Caixa Geral de Depósitos parece ter escapado) e de um economicismo neoliberal, que está a passar de moda. Não precisava de o ter feito. Está, aliás, em contradição com o que também nos prometeu no plano social. Enfim, a campanha eleitoral está a começar mal... Os eleitores portugueses, que sempre demonstraram saber o que querem, mereciam mais ponderação e bom senso.

Uma opinião do 'Financial Times'

4. Wolfgang Munchau, editor associado do Financial Times, escreveu recentemente (traduzo): "As elites políticas da Europa têm receio de dizer uma verdade que os historiadores económicos conhecem desde sempre: a de que uma união monetária sem uma União Política simplesmente não é viável. Esta não é uma crise da dívida. Esta é uma crise política. A Zona Euro irá enfrentar em breve a escolha entre um passo inimaginável em frente, na direcção de uma União Política, ou um passo para trás, igualmente inimaginável."

É certo. Permitam-me os meus leitores, no entanto, que lhes lembre que ando há mais de dois anos a dizer - e a escrever - o mesmo. Com uma diferença importante. A União Política não é inimaginável. Estava implícita no espírito dos Pais Fundadores, partidários dos Estados Unidos da Europa e de uma União Federal. Só não houve coragem política para a concretizar! E, por outro lado, o passo atrás de acabar com o euro será mais do que inimaginável. Representa o fim trágico do projecto europeu, o mais original e invejado de todos os projectos políticos que até hoje se conhecem...

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