terça-feira, 3 de maio de 2011

Portugal: A TROIKA NÃO NOS DÁ NADA – Mário Soares




MÁRIO SOARES – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião

1. Enquanto a troika vai estudando a situação portuguesa, de alto a baixo, sem que nada de concreto transpareça e os resultados e as exigências que nos vão fazer sejam conhecidos, os dirigentes dos diversos Partidos procuram, afanosamente, preparar as próximas eleições, como se nada viesse a passar-se. Mas a verdade é que as ditas exigências, ao que parece, vão mudar tudo e, porventura, condicionar as eleições. Será que não pensam nisso?

Muitos portugueses sensatos têm procurado pressionar os Partidos, para que provisoriamente se entendam, pondo o interesse nacional acima dos interesses partidários. Nesse sentido, o trigésimo sétimo aniversário do 25 de Abril, celebrado em Belém, pela primeira vez, dada a circunstância de a Assembleia da República ter sido dissolvida, para provocar novas eleições legislativas, apaziguou, sem dúvida, muitos portugueses e constituiu um contributo importante para a última semana ter sido um pouco mais calma.
A partir de hoje, a situação irá de novo acelerar-se. Há quem diga que a troika vai dar a conhecer as "receitas" que nos quer impor, para nos emprestar dinheiro.

Sublinhe-se que a troika não nos dá nada: empresta-nos e com juros muito elevados. E, porventura, acrescentando exigências que nos poderão ser muito prejudiciais, se só forem tomadas em conta a redução do deficit e dos endividamentos, privados e públicos, sem que haja dinheiro para investir, evitando a recessão, diminuindo o desemprego, as desigualdades e a pobreza, que começam a ser altamente perturbadoras para a sociedade portuguesa.

Note-se, como já escrevi nesta mesma coluna, que o FMI, nesse ponto concreto, parece ter posições mais razoáveis do que as instituições europeias (o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia), que não conseguem libertar-se do economicismo neoliberal e só pensam nos equilíbrios financeiros e não nas pessoas - e nos Estados - que, em princípio, deviam ajudar.

Portugal, na situação a que se chegou, não tem larga margem de manobra. É certo. Mas as propostas que vierem da troika - atenção - não são para pegar ou largar. Se for caso disso, devem ser discutidas pelo Governo e, pelo menos, pelo maior Partido da Oposição e avaliadas e apreciadas devidamente pelo Senhor Presidente da República. O entendimento, quanto a este ponto, face aos representantes da troika, é considerado - e bem - pela sociedade portuguesa mais esclarecida, como da maior importância.

As disputas eleitorais que, infelizmente, já têm aflorado um pouco azedas, entre os dois maiores Partidos, devem ser guardadas para mais tarde. Agora, a prioridade das prioridades deve consistir em como resolver a situação nacional e como afastar o perigo da bancarrota. Quer isto dizer que não devemos aceitar as "receitas" que a troika nos vai propor, com subserviência e sem discussão. Somos um Estado independente há quase nove séculos - com grandes serviços prestados à Europa - e não podemos consentir que nos tratem sem respeito ou que nos pretendam atirar para uma recessão sem remédio.

Tenhamos, contudo, a consciência de que o tempo urge. A troika tem trabalhado rapidamente e, antes que os resultados desse trabalho sejam publicitados e discutidos em público, o Governo, o maior Partido da Oposição e o Senhor Presidente da República devem, a uma só voz, tendo em conta o superior interesse nacional, apresentar à troika os ajustamentos e as contrapropostas que lhes pareçam necessárias. Com a discrição e a calma que são de rigor.

Permito-me sugerir alguns pontos, que me parecem particularmente importantes e que, portanto, não deveríamos descurar:

- A política orçamental passa, obviamente, pela redução do deficit público e da dívida soberana. Mas esse esforço, que vai ser duro, para valer a pena, tem de ser compatível com a retoma do crescimento, de modo a que o desemprego diminua progressivamente - bem como o trabalho precário e a pobreza - para se poder manter a coesão nacional e responder, no futuro, à própria dívida;

- A taxa de juro, que iremos pagar, pelo empréstimo feito, tem de ser mais baixa e razoável e o prazo para o pagar alargado;

- O nosso Orçamento deve preservar uma margem para financiar os investimentos-chave para o País, nomeadamente a contrapartida dos fundos estruturais, a que temos direito;

- O nosso Estado social tem de poder manter as suas funções básicas, embora possa - e deva - haver cortes nos despesismos, que o afectam, sem vantagens para os interessados;

- Temos de ter margem para dar incentivos à promoção das nossas exportações;

- E um plano de identificação das áreas em que devemos apostar a nível nacional: o mar; as florestas; as indústrias tradicionais, desde que sejam competitivas; a agricultura; o turismo; as indústrias inovadoras e criativas; as tecnologias ambientais; etc.

São apenas alguns exemplos, entre outros, que podem ser apresentados, como contramedidas, que devemos conseguir sejam aceites pela troika. Tanto mais que a Comunidade não deve repetir com Portugal os erros que cometeu em relação à Grécia e à Irlanda, que são conhecidos e marcaram todos os Estados membros.

A União Europeia está em profundíssima crise, que lhe pode ser fatal, se não renunciar ao economicismo e abrir novas perspectivas para outro paradigma de desenvolvimento. A consciência dos europeus - mesmo dos mais conservadores - relativamente à crise começa a ser interiorizada pelo Povo Europeu. Para além das três vítimas dos mercados especulativos e das agências de rating, sem princípios éticos - a Grécia, a Irlanda e agora Portugal - outros Estados europeus estão na mesma mira, como a Bélgica, a Espanha e a própria Itália, se a Comunidade Europeia não mudar. Tem uma oportunidade de o fazer, dando um sinal construtivo, com Portugal. Quanto a nós, portugueses, estamos em condições de alertar a troika com toda a lógica, e no interesse recíproco, batendo-lhe o pé, se for necessário, e travando, do mesmo passo, os mercados especulativos que têm estado a arruinar o belo projecto da Comunidade Europeia. É o que está em jogo.

Quarenta anos de política ambiental

2. No final da semana passada a Fundação Gulbenkian organizou uma sessão, muito concorrida, com o título acima. Tratou-se de exibir o filme Portugal, Um Retrato Ambiental feito com o auxílio precioso dos arquivos da RTP, da autoria da reputada socióloga do ambiente Luisa Schmidt, sendo realizador Francisco Manso. Ao mesmo tempo, foram oradores Rui Vilar, como presidente da Gulbenkian, muito interessado na problemática ambiental, Miguel Sousa Tavares e eu próprio, ambos citados no filme, e ainda Viriato Soromenho Marques que aproveitou a circunstância para fazer uma homenagem documentada ao eng.º José Correia da Cunha, pioneiro em Portugal das questões ambientais, desde o tempo de Marcelo Caetano, evocando a criação, há quarenta anos, da Comissão Nacional do Ambiente, que prestou relevantes serviços, em tempos excepcionalmente difíceis. É evidente que nomes como os de Gonçalo Ribeiro Telles - que foi secretário de Estado do I Governo Provisório da II República -, Sousa Tavares, Pai, Carlos Pimenta, Macário Correia e António Capucho, não foram esquecidos...

O filme é excelente e consta de quatro capítulos, extremamente impressivos: País de contrastes; Das catástrofes às fontes de energia; Águas, particularmente a questão da sua poluição, que em alguns lugares é trágica; e Paisagem e odesordenamento do território. Para além das florestas e da praga dos incêndios, que todos os anos nos batem à porta, por todo o País. Não há referências à questão do Mar e dos oceanos. Mas estava presente Mário Ruivo, ilustre biólogo e oceanógrafo, que nunca nos deixa esquecer a problemática dos oceanos, hoje tão actual e importante para Portugal, com excelentes universidades públicas que se ocupam dessa temática.

Numa palavra, a sessão organizada pela Gulbenkian foi um sucesso e, segundo prometeu Rui Vilar, vai continuar. É uma temática em que não estamos atrasados, em relação ao resto da Europa.

Faleceu Vitorino Magalhães Godinho

3. Foi o maior historiador português do século XX, depois de Jaime Cortesão. Formado na escola de Paris, de Fernand Braudel, e doutorado pela Sorbonne, é autor de uma obra excepcional sobretudo relativa à História dos Descobrimentos.

Faleceu com 92 anos, com enorme lucidez e, até ao fim, sempre a trabalhar. Fui seu aluno na antiga Faculdade de Letras, então, nos baixos da Academia de Ciências, "a única escola do mundo onde se entrava a descer", como disse Rodrigues Lapa. Participei activamente nos protestos que se organizaram quando, por razões políticas, Vitorino Godinho foi demitido da Faculdade, em 1942. Acompanhei-o depois e segui o seu trabalho, incansável, de investigador, em França e em Portugal. Era um homem íntegro, de temperamento difícil e de grande intransigência intelectual, política e moral. Nem sempre compreendido, mas sempre admirado.

Mataram Ben Laden

4. Para os Povos que aboliram a pena de morte, como Portugal - que se honra de ter sido pioneiro, nessa matéria - ninguém deve regozijar-se com a morte de outrem. Mesmo que seja um assassino e um terrorista fanático, como era o caso de Ben Laden. Mas para os que viveram - e sofreram - o terror daquele dia trágico de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque e nas televisões de todo o mundo, compreende-se a alegria espontânea que essa morte anunciada, dez anos depois, despertou no Ocidente e talvez não só.

Representa o fim do terrorismo? Não será, infelizmente, o caso. Mas representa um golpe profundo nessa terrível organização. Não só para a Al-Qaeda. Mas também para aqueles que estão do lado dos ditadores sanguinários - e das teocracias - que lutam contra a "primavera islâmica", da liberdade e democracia, que está a mudar, com simples manifestações cívicas de alegria, violentamente reprimidas, em alguns casos, o Magrebe e o mundo árabo-muçulmano.

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