MARTINHO JÚNIOR
NÍGER – O NEOCOLONIALISMO FRANCÊS MORTAL E A PLENO VAPOR
Desde a chegada de Nicolas Sarkozy que a “genética colonial francesa” identificada com alguns dos sectores mais retrógrados da sociedade francesa, em África assumiu um renovado vigor.
Tirando partido de desequilibradas relações económicas que se arrastam desde o tempo colonial, tirando partido das dívidas nunca resgatadas, tirando partido do sistema de inteligência e de influência que nunca foi desmantelado, tirando partido dos relacionamentos militares que nunca abandonaram África (Senegal, Costa do Marfim, Chade, Gabão…),a França é omnipresente no Níger e é logicamente a “potência tutelar” mais responsável pelo facto do país ter um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano do mundo e sem haver esperança de alterar a curto prazo a situação.
O país estende-se por 1.267.000 km², dois terços dos quais desérticos, é interior e possui fronteiras terrestres com a Argélia, a Líbia, o Chade, a Nigéria, o Burkina Faso, o Benine o Mali.
O vale do Níger, que corre a ocidente e a sul, é responsável pela pouca cobertura vegetal que existe, havendo ainda alguma influência, a sul, da bacia do Congo.
O Níger possui 11.360.538 habitantes, de acordo com censos de 2004 e regista também a maior população de touaregs dos territórios abrangidos pelo Sahara.
Em Arlit, no noroeste, (a sul da fronteira com a Argélia), os franceses instalaram as maiores minas de urânio da AREVA (a França possui a maior rede de centrais nucleares do mundo) e o Níger éo 4º produtor mundial desse minério, o que é um indicador do nível de dependência do Níger em relação à “metrópole”.
O urânio tornou-se numa das principais fontes de rendimento do Níger, mas essa incomensurável riqueza tem resultados que não se fazem sentir, incluindo a nível local.
A miséria em Arlit é visível a olho nu eela começa na permanente poeira que se expande no ar e na ausência de água potável que beneficie a comunidade.
A dependência atinge contudo aspectos terríveis: não há segurança em relação à radioactividade nas regiões de exploração de urânio, o que levou o “GreenPeace” a denunciar a situação:
“Abandonados na poeira.
A herança radioactiva da AREVA nas povoações do deserto nigeriano.
No Níger, um dos países mais pobres do mundo de acordo com a classificação dos relatórios anuais mundiais de desenvolvimento humano do PNUD, 40% sofrem de insuficiências ponderáveis, três quartos da população é analfabeta e é raro o acesso à água potável.
Este é um país muito rico em recursos mineiros.
A AREVA, o gigante do nuclear francês, não o faz por menos e extrai de há 40 anosa esta parte o urânio numa escala de milhares de milhões, não deixando ao Níger senão um desastre ecológico cujas consequências pesarão durante os próximos milhares de anos sobre a saúde dos nigerianos”.
Vem tudo isto a propósito do papel fundamental que duas antigas potências coloniais como a Grã Bretanha e a França estão a desempenhar, agora por via da OTAN, precisamente no outro lado da fronteira norte do Níger, na Líbia.
A situação humana na Líbia nada tem de semelhança com a situação humana no Níger, muito menos com a situação de desespero provocado pela exploração desenfreada dum minério como o urânio, por parte duma multinacional ao nível da AREVA.
Mesmo quando se faz uma passagem sobre-os dois territórios utilizando o “GoogleEarth”, se pode com facilidade dar conta dos diferenciados sinais estruturais e humanos, que colocam o Níger num mundo que nada tem a ver com aquilo que se conseguiu realizar na Líbia com o regime de Kadafi.
As povoações líbias têm por exemplo, acesso à água potável que é recolhida no interior do deserto líbio, onde existem depósitos enormes de água fóssil e levada através de condutas até aos centros de consumo.
No Níger o acesso à água potável abrange uma percentagem mínima da população e isso é espelhado no trabalho do “Green Peace” que acima mencionamos.
A França, salvo nas duas últimas décadas e antes do actual conflito, teve relações hostis para com a Líbia, tendo havido confrontações entre os dois no norte do Chade.
Nos últimos 20 anos, a França, conjuntamente com a AREVA e o governo do Níger, poderiam ter tentado soluções no sentido de ir buscar água para o extenso norte do Níger (e em particular para as comunidades mineiras) e negociado com o regime de Kadafi, mas nem sequer isso foi feito.
As comunidades mineiras da AREVA no Níger estão praticamente à mesma distância sul da origem da água no interior dodeserto líbio, em relação aos centros consumidores a norte junto à costa mediterrânica.
Não encontram soluções sequer a nível local, mas encontram soluções “globais”:a AREVA fez um acordo com a sul coreana KEPCO para aumentar a exploração do minérioem toda a região I mouraren (http://www.world-nuclear-news.org/ENF-Areva_and_Kepco_sign_Imouraren_agreement-0502104.html).
A França assume-se não só com todas as evidências como potência neo colonial no Níger: ela pretende, com o governo de Nicolas Sarkozy, alargar os parâmetros de sua conduta em África e, no caso da Líbia, tornou-se num dos eixos principais dum unilateralismo que antes de mais está na origem da divisão dum país africano próspero, que está desde já a pagar uma factura pesada e imerecida, de acordo com pretextos no mínimo duvidosos.
A recente reunião do G8 espelha o “cuidado” que a França está a ter nesse projecto: vários governos africanos foram convidados para estarem presentes como observadores e, evocando o facto de estarem a cumprir com os parâmetros previstos para as “democracias representativas”, presentes com os Presidentes recentemente eleitos.
De acordo com o Jornal de Angola:
“Os presidentes da Costa do Marfim, do Níger e da Guiné-Conacry, eleitos recentemente em circunstâncias conturbadas, são os convidados excepcionais da Cimeira do G8 (Grupo dos oito países mais desenvolvidos do mundo), que terá lugar em Deauville (França), de 26 a 27 do mês em curso.
Segundo a presidência do G8, essas antigas colónias da França que elegeram os actuais presidentes Alassane Ouattara (Costa do Marfim), Alpha Condé(Guiné-Conacry), em Novembro de 2010, e Mahamadou Issoufou (Níger), em Março de2011, têm percursos democráticos exemplares.
Essas personalidades deverão encontrar-se em Deauville, com outros dirigentes de países africanos que estão na origem da criação da Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD), que são a Argélia, Egipto, Etiópia, Nigéria,Senegal e África do Sul.
Os parceiros G8/ países árabes de um lado e os G8/África, por outro lado, estarão no centro das discussões, no segundo dia da cimeira, que traz uma dupla assinatura de homenagem aos países G8 e às democracias emergentes no mundo árabe e em África, segundo a presidência francesa”.
O alegado (por Nicolas Sarkozy) “percurso democrático exemplar” do Níger é uma autêntica fraude-caricatura: desde a independência que a evolução da situação interna é ilustrada por instabilidade política que em alguns casos levou até à ocorrência de golpes militares, ou seja, reflecte-se no poder o peso duma elite nacional dividida, desconexa e manipulada pelas ingerências variadas ao dispor dos interesses e conveniências da França.
A ilustrar isso basta consultar o resumo da Wikipedia – http://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%ADger.
Em relação a essa constante crise, de que o Níger nunca se conseguiu recompor, é evidente que a França sempre desejou a fragilização do país e as divisões que a consagraram: um país pobre, frágil, doente e desunido, é bom para os negócios duma multinacional como a AREVA…
Sai de certeza muito mais barato a exploração de urânio num Níger pobre, fragilizado, dividido e manipulado, que num Canadá, numa Austrália, ou numa Rússia, para mencionar outros três dos maiores produtores mundiais desse minério.
O domínio francês que Nicolas Sarkozy pretende alastrar por África e também na Líbia, onde é visível que a OTAN está em estreita consonância com os rebeldes de Benghazi, é uma manobra neocolonialista pura e dura e como tal deve ser denunciada por todos os africanos não agenciados pelo seu poder.
Na mesma altura em que se reunia o G8,os países africanos estiveram reunidos em Adis Abeba e manifestaram o seu completo desacordo em relação às ingerências por via da OTAN na Líbia nos termos unilaterais que caracterizam a ingerência.
As elites africanas são por seu turno demasiado tímidas nas suas manifestações, o que é reflexo de sua identidade como capitalismo que sustenta a lógica de sua própria sobrevivência.
O caso do neo colonialismo francês no Níger e noutros países africanos, não deve ser colocado à parte da evolução da situação na Líbia, pois por parte de África, a cumplicidade de silêncio que tem havido em relação a situações de neocolonialismo e crise prolongada como a do Níger, facilita a arrogância e o desprezo para com o Continente por parte de Nicolas Sarkozy, de Cameron, de Obama, bem como por parte dos falcões da AFRICOM e OTAN.
Os crimes de guerra da França na Líbia, agora integrando a OTAN, reflectem-se também no Níger.
O Níger recebeu já, segundo se calcula,1.500 refugiados nacionais provenientes da Líbia através de sua fronteira norte; com um país subdesenvolvido ao seu nível, a chegada de refugiados nacionais vai ainda agravar mais a situação.
O Níger tem na Líbia largos milhares de migrantes que ali trabalhavam e eram responsáveis pelo envio de remessas financeiras para as suas famílias; com a Líbia envolvida na guerra e com uma economia quase paralisada, esses milhares de migrantes não irão corresponder financeiramente, o que se reflectirá em alguns substratos sociais nigerianos, incrementando os gráficos negativos da pobreza.
A opção de ingerência militar utilizando a OTAN trará consequências graves a 2.500.000 trabalhadores estrangeiros que se encontravam na Líbia imediatamente antes do início das hostilidades (http://sahelblog.wordpress.com/2011/03/07/libya-raw-numbers-on-foreign-sub-saharan-african-nationals/), o que é, só por si, motivo para que aqueles que puseram em prática as opções militares se sentassem no banco dos réus!
Martinho Júnior.- 29 de Maio de 2011
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