quarta-feira, 13 de julho de 2011

ELE TINHA UMA BUCHA





Quando S. Tomé e Príncipe tinha poucos filhos fora com recursos suficientes para fazer chegar bens alimentares ou outros ao país e a liberalização do mercado nacional não era contemplada pela linha política, a natureza aproveitou a oportunidade para nos mostrar que mesmo possuindo dinheiro também se podia passar muita fome. Ela usou simplesmente uma seca em 1983.

Digressionando seriamente sobre a ficção

Esgotaram-se os alimentos habituais, inventaram-se novos e foram descobertos os mastigáveis que não fossem venenosos.

Guardei a frase de um dos nossos velhos:

_ `Ném qué mu, ganhá cumé fezón! (Minha gente a galinha comeu feijão) – Poucas são as vezes em que vejo a tradução a transmitir a forte expressividade da língua são-tomense. Peço que me desculpem por, também, não ter conseguido.

Guardei também na memória a imagem dum aluno meu.

Dava aulas numa escola primária naquela altura em que os professores mais correctos, avessos à recepção de ofertas acabavam por desejar que um aluno entrasse pela sala a oferecer uma galinha, uns frutos, o que quer que fosse.

A mãe do Júlio Esperto vendia pão. O fornecimento do pão a essa senhora tinha contornos muito duvidosos em relação ao que seria considerada boa conduta para a época. Mas ela vendia pão e tinha que ser tratada bem nas palminhas por toda a gente, até pelos que se diziam ser bons costumes. Ela aproveitava para fazer os discursos que lhe viesse à cabeça, insultar quem bem quisesse e afirmar quem eram os que não estavam nas suas boas graças antes de abrir o saco. Vingava-se por tudo e por nada não vendendo pão aos que caíssem na sua fácil antipatia.

Dessa adversidade social, ainda sorrio quando me lembro do Júlio Esperto que nos intervalos das aulas aparecia à distância calculada com uma bucha agarrada com as duas mãos, comendo a um ritmo lento de quem sente que terá atenção mais prolongada de todos, por mais tempo que durar o seu pão.

Se num tempo sem a chamada crise, um pão de uma dobra levava a que muitos meninos cercassem de mão estendida o afortunado e infeliz comprador, imaginem o que não seria o sucesso de quem aparecesse a comer sozinho uma bucha – pão de duas dobras e meia!
O Júlio sabia que os intervalos eram os seus momentos de glória. Ele era uma estrela. Adorada ou não era uma estrela, inclusive os professores queriam estar no seu lugar naquele momento porque ele tinha uma bucha.

O nosso Esperto não estudou. Simplesmente enveredou pelo mundo onde se consegue obter sempre buchas e bens que suscitem a atenção. Pensando bem, o saber é muito lento e demasiado selectivo para captar a atenção dos outros.

Como a determinação do rumo e força do querer nos levam sempre a algum lugar, o Júlio prosperou economicamente e foi se sentindo sempre acima dos que enveredaram pelos caminhos diferentes dos seus, mormente os que tiveram a infelicidade de estudar – como se o conhecimento fosse dinheiro! Com dinheiro até se compra quem estudou!

Vi o meu antigo aluno de passagem por Portugal. Cumprimentamo-nos e ele perguntou quando iria eu de férias para que me mostrasse a sua casa porque ele “estava bem na vida”. Pouco pudemos falar porque quem ele é foi algo descurado por si próprio. Vale agora pelo que ele tem. Não aguardo ansiosamente pelo reencontro porque vou encontrar um país com gente a sobreviver diariamente e o Júlio Esperto adulto mantendo a mesma sensibilidade de quando era o único que tinha uma bucha.

Mais: o Júlio confidenciou-me que muitos o admiram e que ao fim de 5 anos irá se candidatar à Presidência da República e foi acrescentando que agora é fácil porque com as dificuldades reinantes na terra, um “banho” bem dado resolve tudo. Perguntei-lhe se não era necessário pensar na construção do país e numa vida equilibrada para todos. Pela sua resposta entendi que um dos futuros candidatos à presidência do meu país,  pensa que se a população começar a viver bem “já não liga às pessoas”. Ele vê a conveniência na manutenção das dificuldades para se manter poderoso. Ficará o poder pessoal realizado em detrimento do esperado PODER DA NAÇÃO.

Perguntei-me se alguma vez esteve nas minhas mãos como Professor evitar o descalabro que é o  surgimento dessas aberrações sociais.

É fácil adivinharmos que:

- em vez de termos um presidente apostado no equilíbrio social, aconselhando ao parlamento a adopção de medidas contra a corrupção; direccionamento dos recursos para projectos de construção potenciando novos postos de emprego que gerarão mais trabalhos e mais empregos; orientação dos produtores nacionais para comercialização rentável dos seus produtos com países interessados; protecção da beleza do país e criação de condições de segurança para consolidação do turismo que muito poderá beneficiar os artistas e todos os outros elementos da população através do efeito bola de neve, etc., etc.

- podemos ter um presidente que queira sentir o mundo despido e faminto para gozar a sensação de ser o único com uma bucha.

Que bom seria ver que, apesar de pouco estudo, o Júlio desenvolvesse um espírito ético no sentido de aproveitar a suas capacidades negociais para construção do país em vez da aposta no “banho” para manter a sua bucha.

Que bom seria ver os que optaram pela via de estudo marcarem uma postura diferente da do Júlio, no que toca a construção do país e não na aposta no “banho” com objectivo de manter ou arranjar para si buchas.

Entretanto, pus-me a pensar no significado do tão usual “banho”.

- será uma forma de lavar, por pouco tempo,  o corpo a um povo coberto de miséria?

- será uma tentativa de lavagem de memória visando o esquecimento das sucessivas dificuldades?

Seja que significado tenha, é lamentável:

- que haja candidatos proclamando acabar com a corrupção enveredarem pelo caminho de compra ou tentativa de compra de consciência e de caça ao voto sem qualquer escrúpulo!

- que haja indivíduos que no meio da adversidade vivida no país, aguardam ansiosos pelo momento de colaborarem nessas supostas compras a despeito do que virá a suceder pós eleição!

- que haja pessoas que passando por misérias e/ou vendo amigos e familiares acabando sem saída, aceitem com alegria serem “banhados” em vez de exigir um comportamento mais coerente com o cargo a que os candidatos se propõem exercer!

- que as autoridades não percebam das consequência de tais actos nas gerações vindouras que ao verem tais actos, crescerão com a ideia de que com dinheiro se pode comprar qualquer coisa, pessoas até mesmo o cargo de Presidente da Republica.

Que se pode esperar de candidatos que por esses caminhos palmilham?

Que se pode esperar do país se não tivermos coragem para dizer basta. Não queremos este caminho.

BASTA!

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