quarta-feira, 13 de julho de 2011

ESTUDANTES CHILENOS PROMETEM MAIOR MANIFESTAÇÃO DESDE A QUEDA DA DITADURA




CORREIO DO BRASIL, com agências internacionais - de Santiago

Estudantes e professores chilenos prometem organizar, nesta quinta-feira, as maiores manifestações desde a redemocratização do país, em 1989. Melhor não duvidar: nas duas últimas marchas, em 16 e em 30 de junho, os manifestantes quebraram os próprios recordes, reunindo em torno de 400 mil pessoas nas principais cidades.

São dias pouco agradáveis para o presidente do Chile, Sebastián Piñera. Além de ter sido obrigado a anunciar medidas para tentar frear os movimentos, ele enfrenta, nesta segunda-feira, protestos dos trabalhadores do setor mineral, principal atividade econômica nacional. Os operários querem garantias de que não haverá privatização da Codelco, a estatal do cobre.

O momento coloca em xeque a visão de um “Chile-maravilha”, comprada por parte da sociedade brasileira e dos países ricos. Os estudantes querem colocar a nu um sistema educacional que consideram desigual e excludente.

– O crescimento do mercado de educação superior fez com que aparecessem muitas diferenças entre os estudantes e entre as instituições. Há um uso massivo de recursos que não assegura a qualidade – afirma Germain Dantas, presidente da Federação de Estudantes da Universidade Federico Santa Maria, uma instituição privada de Valparaíso, e integrante da Confederação de Estudantes do Chile.

Ele refere-se ao sistema adotado durante a ditadura de Augusto Pinochet (que governou de 1973 a 1990). No início da década de 1980, o governo decidiu promover a abertura ao modelo privado de educação. A visão era de que a criação de uma rede particular forte provocaria uma melhoria das escolas públicas. A lógica era simples: receberiam mais financiamento as unidades que conseguissem atrair mais estudantes, supondo-se que uma quantidade maior seria a consequência de um ensino de mais qualidade.

Os alunos passaram a escolher. Se quisessem seguir em uma escola pública, poderiam. Se quisessem migrar ao ensino privado, receberiam uma espécie de vale-educação, ou seja, a escola é subsidiada por cada estudante que recebe.

– Em vez de funcionar como um instrumento para acabar com a desigualdade, a educação se transformou em um elemento para reproduzi-la – lamenta Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores do Chile, entidade que reúne 100 mil docentes de todos os níveis educacionais.

No sistema universitário a situação se complicou ainda mais. Tanto nas instituições públicas quanto privadas é preciso pagar matrículas e mensalidades. Os juros fazem com que as dívidas, que inicialmente vão do equivalente a R$ 10 mil a R$ 15 mil, atinjam valores quatro ou cinco vezes maiores. Até esta semana, mesmo quem perdia o emprego deveria seguir pagando o crédito educacional.

Herança

Esta é uma das questões centrais: a Concertação, aliança de partidos que governou o Chile da redemocratização até o ano passado, não fez esforços para reformar o sistema. Pelo contrário, criou medidas na tentativa de aperfeiçoá-lo, acreditando que juros um pouco mais baixos ou um número maior de bolsas resolveriam a questão.

– Hoje em dia estamos vendo as consequências disso. Você reforma algumas coisas, mas não muda o substancial. Ao não mudar o substancial, os problemas remanescentes explodem, afloram inevitavelmente – diz Gajardo.

A conta que hoje se cobra foi apresentada pela primeira vez em 2006, quando centenas de milhares de estudantes secundaristas foram às ruas, na chamada Revolta dos Pinguins. O que se queria era o fim da municipalização do ensino, o fim do lucro nos colégios privados, a gratuidade da prova de seleção universitária e o anulação da lei do período Pinochet, que criava as várias categorias de escolas. A presidenta Michelle Bachelet aceitou convocar uma comissão que, no fim das contas, não deu espaço às reivindicações centrais dos jovens.

O movimento volta agora e, segundo lideranças da mobilização, vê com total descrédito uma solução negociada entre Executivo e Legislativo. “Isso não terá solução na política tradicional. Estamos reivindicando uma série de saídas que não estão previstas na política tradicional, como o plebiscito, que são medidas mais democráticas e que incluem a sociedade”, avisa o estudante Dantas.

Pagando o pato

Piñera havia avisado que este seria o ano da educação. Os estudantes foram às ruas reforçar a mensagem. Cientes de que o caminho do presidente era o de incentivo ao atual modelo, acharam melhor deixar claro que acreditam na ruptura e na formulação de um novo sistema. Quis a soma de fatores que o cansaço se tornasse público e massivo durante o governo conservador.

Em uma demonstração de pouca habilidade política, o ministro da Educação, Joaquín Lavín, determinou, pouco antes da segunda jornada de protestos por todo o país, que as escolas tomadas por estudantes antecipassem as férias de meio de ano. Ele próprio admitia que eram 206 unidades apenas na região metropolitana de Santiago.

– O ano escolar significa um certo número de horas de classes que devem ser respeitadas. Está em jogo também o subsídio que têm de receber os colégios e seus mantenedores – ameaçava, indicando também que os estudantes teriam aulas até janeiro para repor o atraso caso não respeitassem a medida.

A resposta foi simples. Dois dias depois, o Chile assistiu à sua maior manifestação em quase três décadas. Em um protesto bem humorado, os alunos sugeriram que Lavín tomasse “o caminho da praia”, uma alusão a um pedido de demissão. Secundaristas e universitários consideram que o ministro não tem mais condições de negociar uma solução para a crise.

– É uma jogada política extremamente maquiavélica. Não resolve. É má política. (Nós) nos opomos a isso, assim como os estudantes secundários, afetados por essa medida, recusaram cumpri-la e seguem mobilizados – afirma Dantas.

Piñera assumiu a negociação em pronunciamento em cadeia de rádio e TV na última semana. Anunciou um pacote de medidas no valor de US$ 4 bilhões (R$ 6,3 bilhões) para tentar encontrar uma solução. Prometeu aumentar o número de bolsas aos mais pobres e reduzir os juros de financiamento das universidades.

Não se comprometeu, no entanto, com as causas centrais: o fim da municipalização, ou seja, dar um novo caminho ao ensino em 40% das escolas do país; acabar com o sistema que dá ao país uma formação desigual e voltada exclusivamente ao mercado, deixando de lado a formação cidadã; e a estatização do ensino universitário. Como Bachelet em 2006, Piñera corre o risco de ver o movimento crescer.

– Há diferentes visões de como deve ser a educação. Há que se abrir a todas essas visões, e que se realize um plebiscito para definir qual a visão que vai prevalecer. Não pode seguir o que se vê hoje em dia, que é um governo que quer impor sua visão a todo o resto da sociedade – pondera Gajardo.

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