Eduardo Lobão, da Agência Lusa
Guadalupe, São Tomé e Príncipe, 31 jul (Lusa) -- Oito meses depois, os efeitos do alegado caso de feitiçaria na Escola Básica de Guadalupe, em São Tomé e Príncipe, já passaram quase totalmente e, como sintetizou o diretor daquele estabelecimento de ensino, vive-se "outra realidade".
"A direção do Ministério (da Educação) tomou uma decisão e pusemos na prática aquilo que ela nos orientou e nós temos, a melhor dizer, uma outra realidade", disse à Lusa José Fernandes Guê, agora a braços com a organização do ano letivo, que se inicia em setembro para os cerca de mil alunos.
Em novembro de 2010, primeiro no segundo período de aulas, à tarde, e que depois alastrou ao da manhã, entre 10 a 12 crianças, todas do sexo feminino, dos 12 aos 16 anos, entravam em transe e daí a falar-se em feitiçaria demorou o mesmo tempo que um fósforo a arder.
Guadalupe, a cidade mais importante do distrito de Lobata, apenas a 12 quilómetros da capital são-tomense, embora esmagadoramente católica, vive com intensidade as práticas tradicionais com o receio do sobrenatural, o que condiciona o dia a dia, marcado pelo ritmo da ruralidade.
O fenómeno, como lhe chamaram nunca foi explicado, mas teve dois efeitos: a substituição do antigo diretor da escola, Jorge Mascarenhas, e a morte do feiticeiro contratado pelos pais das crianças para esconjurar os espíritos.
Acidente de trabalho, disseram alguns. Imprudência é o que foi: morreu eletrocutado quando subiu a um poste de alta tensão para, disse antes de subir, contactar melhor com os espíritos.
José Guê, que substituiu Jorge Mascarenhas, veio com instruções claras do Ministério da Educação.
"Nós fomos orientados antecipadamente pelo Ministério, que nos pediu coragem para encarar aquilo com carácter científico. Ver a ciência acima de tudo", explicou.
As instruções passaram ainda por envolver a comunidade na escola. "As orientações que o Ministério nos deu era fazer envolver a massa popular, a família, a escola e isso valeu bastante. Há outra realidade. Fizemos as festas do 01 de junho (Dia da Criança), do 25 de maio (Dia de África), os pais vieram cá, envolveram-se na festa e acreditaram que a escola voltou ao seu ritmo normal, àquilo para o qual ela foi criada: para ensinar", acrescentou.
Adilson Pontes, professor há oito anos da escola, diz que o que se passou deixou as pessoas "muito assustadas".
"As coisas normalizaram um pouco. O Ministério orientou, pediu que essas crianças tivessem o acompanhamento de psicólogos", afirmou.
Todavia, acentuou Adilson Pontes, "mas há esta ou aquela criança que mesmo em casa ainda continuava com essa reação".
As crianças, que no final já eram cerca de 20 a ficar em transe, ficaram todo o segundo período de aulas em casa e, entretanto, fizeram exames e todas tiveram aproveitamento.
Da história restam hoje, no meio do pátio interior da escola, apenas sinais do "jembi" (cerimónia tradicional de esconjura de espíritos), com restos da fogueira ateada.
Na memória de todos está ainda a imagem do bruxo, conhecido como "Pétche-Pétche", esturricado quando tentou subir a poste de alta tensão.
E do bolso de todos, faltam os 15 milhões de dobras (cerca de 600 euros) que "Pétche-Pétche" cobrou pelo serviço e que agora ninguém sabe onde param.
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